60 anos do início da luta de libertação de Angola assinalados à lei da bala

A 4 de Fevereiro de 1961, um ataque à Cadeia de São Paulo e à Casa de Reclusão, em Luanda, dava início à luta armada que culminou com a proclamação da Independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975. Seis décadas depois, a celebração da data é assombrada por episódios de violenta repressão policial a protestos que, no último fim-de-semana, fizeram soar alertas para um massacre na diamantífera província da Lunda Norte. Os relatos, sempre dissonantes – e a que se juntam, hoje, novos ecos de violência vindos das ruas de Luanda –, oscilam entre 6 e 20 mortes na sequência de uma manifestação organizada pelo Movimento Protectorado Lunda Tchokwe. O caso vai estar em análise mais logo n’ O Lado Negro da Força, o talk-show online das noites de quinta-feira, hoje com o jornalista João do Rosário como convidado.

por Afrolink

Enquanto o Governo angolano reitera, no papel, o compromisso de “Preservar e Honrar a Memória dos Heróis da Pátria”, lema definido para as celebrações deste ano do feriado de 4 de Fevereiro – que assinala o início da Luta Armada de Libertação Nacional –, o país continua a enfrentar, nas ruas, a violência da repressão policial.

Segundo os relatos que chegam da província da Lunda Norte, no último sábado, 30, a Polícia Nacional atirou a matar contra manifestantes que integravam um protesto organizado pelo Movimento Protectorado Lunda Tchokwe. O grupo, que o Executivo angolano já veio dizer que não está legalizado – como se isso pudesse servir de argumento abonatório ou acusatório –, reivindica o cumprimento de um acordo entre o povo Lunda-Tchokwe e o Governo colonial português, que não foi tido em conta após a independência do país. Em causa está um pacto do final do século XIX, que determina a autonomia dessa região angolana, rica em diamantes.

O manifesto mobilizou a acção do passado fim-de-semana, encerrada com registos dissonantes dos acontecimentos. Por um lado, as autoridades angolanas classificaram o protesto como uma “rebelião armada”; por outro lado, o Movimento insistiu na natureza “pacífica” da manifestação e acusou a Polícia de conduzir um “massacre”. O desencontro de perspectivas estende-se ao balanço de mortes: a Polícia Nacional contabilizou seis, as ONG no terreno falam em pelo menos 10 vidas perdidas, e familiares das vítimas relatam o desaparecimento de 20 corpos de uma casa mortuária.

Polícia promete não dar tréguas a “rebeldes”

Como se não bastassem as inconsistências factuais, o discurso policial é tudo menos tranquilizador.

“Quem vier com pedra, nós vamos responder com bastões, quem vier com catanas, nós vamos responder com pistolas, quem vier com facas e pistolas nós vamos responder com AKM-47. A estas acções de violência não vamos dar tréguas”, avisou o comissário-geral da Polícia Nacional de Angola, Paulo de Almeida, citado pelo Novo Jornal Online.

O responsável lembrou que o balanço de mortes também inclui agentes da corporação, e insistiu na ideia de que a Polícia se limitou a dar resposta a um ataque.

“Eles foram invadir a nossa esquadra com armas de fogo, paus, catanas e objectos contundentes. Pensaram que deviam chegar na esquadra da polícia e receber beijos… Ainda bem que o nosso lema é manter um olho aberto e fechar outro quando estamos a dormir”, prosseguiu o comissário-geral angolano, numa conferência de imprensa realizada na passada terça-feira.

Sem aligeirar o tom, Paulo de Almeida rotulou os manifestantes de “rebeldes” e rejeitou ainda a hipótese de encetar uma investigação. “Escutei por aí a falarem de inquérito, vou inquirir o quê? Não há nada para ser inquirido. Não queria que fosse desta forma, mas eles levaram de acordo com a sua actuação”, defendeu na sua intervenção, noticiada pelo Novo Jornal Online.

Dois dias depois dessas declarações, proferidas em Luanda, a capital do país acompanha uma nova demonstração de força policial. Hoje, dia em que celebra o 60.º aniversário do início da Luta Armada de Libertação Nacional, as autoridades dispersaram outra manifestação.

Desta vez organizada pela Sociedade Civil Contestatária, a marcha exigia a saída do poder do partido que governa Angola desde a independência. “45 Anos é muito, MPLA fora” era o grito de ordem, abafado entre relatos de tiros e de disparos de granadas de gás lacrimogéneo.

Onde fica a memória dos Heróis da Pátria?

A reflexão prossegue mais logo, a partir das 21h30,  n’ O Lado Negro da Força, o talk-show online das noites de quinta-feira, que pode seguir no Facebook e no YouTube. Com José Rui Rosário, Pedro Filipe, Paula Cardoso, Mariama Injai e Danilo Moreira.