A grande maldição do homem branco, mascarada de teoria da substituição

Invadiu e saqueou territórios onde ainda hoje mantém uma presença extractivista. Liderou matanças de povos sob pretextos civilizatórios. Aprisionou e violentou milhões de pessoas, cunhando uma classificação de seres humanos onde se arrogou superior, catalogando os “outros” de “inferiores”, “bestializados” e “exóticos”. Com isso validou práticas desumanas de exploração económica e sexual. Especialista em se colocar no centro e a ditar as regras da humanidade, o homem branco – aqui descrito enquanto construto social – vive amaldiçoado pelo próprio passado sanguinário, mesmo que inconscientemente. Amedrontado pela possibilidade de o feitiço se virar contra o feiticeiro, o homem branco apoia-se na teoria da grande substituição. Mais uma ao serviço de uma tradição secular: matar o homem negro para melhor reinar. O mais recente tiroteio na cidade de Buffalo, nos EUA, perpetrado por um supremacista branco contra pessoas negras, confirma-o. Comentamos mais logo n’ O Lado Negro da Força.

 

por Paula Cardoso

E se fosse ao contrário? Se em vez de um assassino branco, militante comprovado de ideologias racistas, o tiroteio de Buffalo, nos EUA, tivesse como protagonista um atirador negro, investido em descarregar ódio e balas contra uma comunidade branca?

E se, à semelhança do ataque de Buffalo, perpetrado no passado dia 14 de Maio com um balanço de 10 mortos e três feridos, também o tiroteio de Março de 2019 contra duas mesquitas na cidade neozelandesa de Christchurch – em quem morreram 51 pessoas –fosse liderado por um homem não branco?

E se fosse negro o homem – branco – que, em Outubro de 2018, abriu fogo numa sinagoga em Pittsburgh, na Pensilvânia, matando 11 pessoas e ferindo outras seis?

A lista de “ses” poderia continuar por mais parágrafos de crime, mas fiquemo-nos por esses três tiroteios em massa.

Todos apresentam homens brancos a premir o gatilho, e todos revelam como inspiração o pensamento do escritor francês Renaud Camus, autor da obra “Le Grand Replacement” (A Grande Substituição).

O livro, de 2012, defende a ideia de que os movimentos migratórios vão produzir uma metamorfose étnica e civilizacional na Europa, que deixará de exibir uma matriz virtuosamente branca.

A aparente “ameaça” demográfica tem servido de munição para a extrema-direita, sempre a postos para destilar ódios, capitalizar medos e descontentamentos.

Ancorados na ideia de que as necessidades do homem branco têm sido ignoradas pelo poder político, alegadamente em benefício de minorias étnicas, os “salvadores da honra branca” ganham espaço mediático e eleitoral a partir de lideranças partidárias populistas.

O fenómeno, que em Portugal já conquistou 12 assentos parlamentares, expande-se à boleia de um sistema enraizado na ideia de superioridade branca, argumento para múltiplas impunidades.

De que outra forma compreender que não exista uma discussão e desconstrução pública de correntes paranóicas e assassinas construídas com base na “grande substituição”?

Haveria esta desvalorização do problema se os alvos fossem homens brancos?

Reflicto também sobre o que leva o homem branco a temer ser substituído, pressuposto que, em si mesmo, reforça a ideia de que nasceu para ocupar um lugar de “titular”, enquanto os outros são “suplentes” no campeonato da humanidade.

Acredito que o passado ajuda a perceber. Afinal, invadiu e saqueou territórios onde ainda hoje mantém uma presença extractivista. Liderou matanças de povos sob pretextos civilizatórios. Aprisionou e violentou milhões de pessoas, cunhando uma classificação de seres humanos onde se arrogou superior, catalogando os “outros” de “inferiores”, “bestializados” e “exóticos”. Com isso validou práticas desumanas de exploração económica e sexual.

Especialista em se colocar no centro e a ditar as regras da humanidade, o homem branco – entendido enquanto construto social – vive amaldiçoado pelo próprio passado sanguinário, mesmo que inconscientemente. Amedrontado pela possibilidade de o feitiço se virar contra o feiticeiro, o homem branco apoia-se na teoria da grande substituição. Mais uma ao serviço de uma tradição secular: matar o homem negro para melhor reinar. O mais recente tiroteio na cidade de Buffalo, nos EUA, perpetrado por um supremacista branco contra pessoas negras, confirma-o. Comentamos mais logo n’ O Lado Negro da Força.

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