“A Missão da Missão”: no palco com as lutas das mulheres negras

Ontem como hoje, as frentes de batalha atravessam-nos. Antes nas fileiras das lutas pela Independência, mulheres como Josina Machel, Titina Silá ou Deolinda Rodrigues inauguraram vias revolucionárias que continuam por reconhecer. Agora, por outros trilhos de resistência, as lutas femininas e negras permanecem activas, indissociáveis das provações à nossa sobrevivência. “Continuamos em guerra pelos nossos territórios, pela legitimidade dos nossos corpos, contra o apagamento das nossas histórias”. A condição bélica desassossega-nos entre cenas do espectáculo “A Missão da Missão”, da autoria das Aurora Negra, que se estreia hoje, 7, às 19h30, no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa. Presente num dos ensaios abertos realizados pelo colectivo, o Afrolink antecipa algumas das reflexões que estão em palco até 16 de Dezembro, e tornam esta criação imperdível. Por exemplo, a partir de que escala de violência nos tornamos capazes de matar? Até que ponto podemos falar de libertação, por termos conquistado a liberdade? Conseguimos reconhecer e celebrar a herança das revolucionárias que nos antecederam? Como honrar as lutas que nos precederam? “A culpa não é minha. A culpa não é nossa. A culpa é deles, mas a guerra é nossa. E na guerra ninguém descansa”.

por Paula Cardoso

Um manifesto sonoro guia os nossos passos até à sala principal do Teatro do Bairro Alto. “Não vamos morrer! (…) Não vão-nos matar agora, porque ainda estamos aqui!”, apregoa uma voz feminina, que ressoa como um eco das nossas vivências. Negras. Historicamente invisibilizadas e silenciadas.

Já de frente para o palco, o áudio incorpora-se no movimento de sete mulheres negras, entregues num ritual de reconhecimentos à prova de apagamentos.

Josina Machel. Deolinda Rodrigues. Titina Silá. Alda Espírito Santo….os nomes soltam-se ao encontro da frente feminina das nossas Independências, onde mães, filhas, esposas, irmãs, tias…escreveram capítulos decisivos da nossa História de autodeterminação. Ainda por saber e reconhecer.

É por todas elas, e com elas, que a “A Missão da Missão” está em cena até ao próximo dia 16, no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa.

Da autoria do colectivo Aurora Negra, formado por Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema – que assinam a direcção artística e criação da obra –, o espectáculo conta, para além da interpretação deste trio, com as actuações de Ana Valentim, Aisha Noir, Rita Cruz e Romi Anuel. Unidas numa homenagem ancestral.

“Elas passaram por muito, para que nós pudéssemos estar aqui hoje e continuar o caminho delas”.

As palavras, aqui registadas em dia de ensaio aberto, expressam como as heranças revolucionárias do passado sustentam as nossas resistências do presente. “Nós estamos aqui, e elas estão connosco”.

Mais do que reconhecer o legado das heroínas das lutas de libertação, “A Missão da Missão” confronta-o com a narrativa colonial.

“Na guerra, ninguém descansa”

Afinal, conforme nos recorda o áudio de acolhimento-recolhimento “não temos tempo, mas sabemos bem que o tempo não anda só para a frente”.

O que nos devolve o tempo quando andamos para trás?

“Às vezes dou por mim presa na minha cabeça. A imaginar 1001 possibilidades….Como seria se fosse eu fosse totalmente destituída de humanidade? Como seria se não tivesse sentimentos, se não tivesse limites?  Como seria se não tivesse medos? Penso se seria capaz de matar. Matar cada ofensa, cada morte, cada violação, cada usurpação, cada roubo. Matar.”

Ontem como hoje, as frentes de batalha atravessam-nos. Antes nas fileiras das lutas pela Independência, mulheres como Josina Titina, Deolinda e Alda, inauguraram vias revolucionárias que continuam por reconhecer.

Agora, por outros trilhos de resistência, as lutas femininas e negras permanecem activas, indissociáveis das provações à nossa sobrevivência. “Continuamos em guerra pelos nossos territórios, pela legitimidade dos nossos corpos, contra o apagamento das nossas histórias”.

A condição bélica desassossega-nos entre múltiplos convites à reflexão.  Por exemplo, até que ponto podemos falar de libertação, por termos conquistado a liberdade? Conseguimos reconhecer e celebrar a herança das revolucionárias que nos antecederam? Como honrar as lutas que nos precederam? Parar é morrer?

“A culpa não é minha. A culpa não é nossa. A culpa é deles, mas a guerra é nossa. E na guerra ninguém descansa”.

Seguimos na luta! Nas ruas, nos palcos. Com “A Missão da Missão”.

 

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