A presença afroportuense que se revela pela fotografia de José Sérgio

No Porto há um par de anos, após quase duas décadas em Lisboa, o fotógrafo moçambicano José Sérgio surpreendeu-se com a expressiva presença africana e afrodescendente que encontrou na Invicta. “Pensava que era uma cidade branca, mas vi que estava enganado”, admite. Foi quanto bastou para começar a produzir um novo olhar sobre a realidade portuense, vertido em 40 retratos. Podemos vê-los na exposição “Presentes – Africanos e Afrodescendentes no Porto”, patente até 23 de Dezembro, no Mira Fórum, em Campanhã.

por Paula Cardoso

A pé, diariamente, num percurso de cerca de 20 minutos, José Sérgio descobriu um Porto até aí desconhecido. Na altura recém-chegado à Invicta, depois de 18 anos de morada lisboeta, o fotógrafo moçambicano distanciava-se, dia após dia, da imagem construída durante anos de visitas ao Norte do país. “Pensava que o Porto era uma cidade branca, mas vi que estava enganado”.

O encontro com o lado afroportuense da Invicta aconteceu por acaso, na rota quotidiana entre a sua nova residência, na zona do Bonfim, e a Casa-Museu Guerra Junqueiro, no centro histórico.

“Andava de um lado para o outro, todos os dias, porque estava a fotografar peças do museu que não podiam ser transportadas dali, e nem sequer tocadas. Por isso, foi uma ‘ginástica’ que levou uns meses”.

Da viagem de Guerra Junqueiro à descoberta do lado afro do Porto

O trabalho, desenvolvido em resposta a um desafio dos serviços culturais da Câmara do Porto, resultou na exposição “A Viagem que Guerra Junqueiro nunca fez”, inaugurada em Março do ano passado.

A mostra marcou a estreia do fotógrafo no circuito das artes, após décadas de assinatura profissional exclusivamente firmada no jornalismo. Primeiro em Moçambique, onde nasceu em 1970, e agora em Portugal, destino de fixação a partir de 2000.

“Sempre tive um lado criativo, um bocadinho mais artístico, se quiserem, mas quando estava a trabalhar em redacções intensamente, não tinha tempo”, explica José Sérgio que, em Portugal, passou pelo Blitz e pelo jornal Sol.

Actualmente a trabalhar em regime de freelancer, nomeadamente para a revista Volta ao Mundo, o fotógrafo espera poder dedicar-se, cada vez mais, a projectos na área cultural.

Por isso, candidatou-se a um apoio da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), atribuído no ano passado e já materializado na exposição “Presentes! Africanos e Afrodescendentes no Porto”.

Retratos apresentados na exposição “Presentes”

Patente até 23 de Dezembro, no Mira Fórum, em Campanhã, a mostra dá vida aos múltiplos encontros quotidianos que, ao longo de meses, marcaram as idas e vindas da Casa-Museu Guerra Junqueiro.

A tradição africana de cumprimentar

“A cada dia, parecia que via cada vez mais africanos. Então pensei: ou é dos meus olhos, ou está a haver um crescimento”.

Admirado com a expressão afro do seu trajecto, José procurou estatísticas para suportar a sua observação, mas esbarrou na crónica ausência de dados étnicos-raciais.

“Quando percebi que não fazia sentido esperar, porque não ia conseguir números, decidi avançar assim mesmo. Então saí para a rua sem aquela preocupação de fotografar esta ou aquela nacionalidade. Acho que acabou por ser melhor assim, porque me fui surpreendendo”.

Sem um mapa para seguir, que estivesse sustentado por estatísticas, uma longa tradição africana acabou por guiar todas as interacções.

“Temos aquele hábito muito bonito de nos cumprimentarmos de forma especial. Sempre que encontramos o nosso pessoal, seja em Portugal, em Barcelona, em Londres, em Paris, ou em qualquer outro ponto, há aquele gesto que adoro, como que a dizer: eu conheço-te, sei de onde vens”.

O cumprimento pode manifestar-se através de um aceno de cabeça cúmplice, de um entendimento de olhares, ou de um sorriso de afinidade. Pode até dispensar palavras, mas confirma uma ancestralidade partilhada: a africana.

“Aproveitei esse hábito para meter conversa, convidar para tomar um café, explicar o que queria fazer. O mais engraçado é que diziam logo que não sou daqui”, recorda José Sérgio, sublinhando que a par das raízes africanas, cada história revela uma ligação à cidade. “Por isso falo num lado afroportuense que não conhecia”.

40 retratos que dizem Presentes!

Para além de se cruzar com a presença africana historicamente associada a Portugal, com destaque para a cabo-verdiana, José Sérgio encontrou cidadãos do Gana, do Mali, do Senegal, num circuito encerrado em 40 retratos.

As poses repetiram-se por vários dias – a uma média de três dias por cada um dos 40 africanos e afrodescendentes – até ganharem ângulo de exposição.

Apresentada como “um primeiro registo fotográfico dos modos de existência de uma comunidade ainda pouco conhecida e reconhecida na cidade, contrariando o estereótipo de que o Porto se manteve imune aos fluxos migratórios oriundos do continente africano”.

Por tudo isso, explica o moçambicano, a mostra diz “Presentes”. “Presentes no sentido de demonstrar que estamos aqui. Presentes também no sentido de dizer que fazemos parte”. E reivindicamos o direito de não ficar de parte.

Siga o trabalho do fotógrafo José Sérgio na sua página web 

Saiba mais sobre a exposição Presentes