Agressividade, frustração e intolerância no “filtro” policial do futuro – e até lá?

O recrutamento de novos polícias vai estar sujeito a critérios ligados à agressividade, frustração e intolerância, previstos no Plano de Prevenção de Manifestação de Discriminação nas Forças de Segurança. O documento, em vigor desde Março passado, prevê igualmente a avaliação de elementos psicológicos como “robustez emocional” e “abertura a ideias”, adiantou a inspectora-geral da Administração Interna, que foi ouvida no Parlamento a pedido da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. No Lado Negro da Força de hoje comentamos essa novidade, que passa ainda pela nomeação, em cada corporação, de oficiais de direitos humanos.

por Afrolink

“Acha que a etnia tem ligação directa com o crime?”. A pergunta, colocada pelo agente da PSP Manuel Morais aos colegas, no âmbito de uma tese de mestrado em Antropologia, sobre o “policiamento de zonas urbanas sensíveis”, escancarou o racismo profundamente entranhado nas fundações das forças de segurança.

Aos olhos da esmagadora maioria dos efectivos inquiridos, a pertença étnica determina o registo criminal.

“Então, não sabes que eles [criminosos] são todos pretos ou ciganos?”, ouviu Manuel Morais, aquando da recolha de dados, parcialmente partilhados em 2018, numa entrevista do DN.

Mais do que alertar para o problema, o agente lembrou que ele está longe de ser uma surpresa. “Há elementos das várias forças de segurança que exteriorizam as suas ideias racistas e xenófobas, usam tatuagens e simbologias neonazis, pertencem a grupos assumidamente racistas. Isto é do conhecimento de todos e, infelizmente, as organizações nada fazem para expurgar estes “tumores” do seio das forças de segurança. Pergunte-se à Inspecção Geral da Administração Interna, à PSP, à GNR, à Guarda Prisional ou a qualquer outra força: o que fazem quando são detestadas estas situações? Nada, não fazem nada.” 

Os exemplos de inércia repetem-se há demasiado tempo, alimentando uma política de impunidade que continua a matar vidas negras. 

Plano de Prevenção de Manifestação de Discriminação nas Forças de Segurança

Embora a Inspecção-Geral da Administração Interna não admita o que instituições internacionais já comprovaram, nomeadamente a infiltração das forças de segurança por elementos da extrema-direita, colocou em marcha o Plano de Prevenção de Manifestação de Discriminação nas Forças de Segurança.

O documento, informa a agência Lusa, está em vigor desde Março passado, para garantir que os novos agentes não sejam pessoas com “ideários contrários ao estado de direito”. 

As novidades foram anunciadas pela inspectora-geral da Administração Interna, Anabela Cabral Ferreira, na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde foi ouvida a pedido da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

Na ocasião, a responsável explicou que as mudanças decorrem do trabalho de um grupo técnico, formado por membros das forças e serviços de segurança, psicólogos e algumas pessoas ligadas aos recursos humanos. 

“O resultado desse grupo de trabalho levou-nos a que a PSP vá introduzir na entrevista profissional de selecção campos que se referem à agressividade, frustração e à intolerância e ainda instrumentos de avaliação psicológica avaliando campos específicos, designadamente a robustez emocional, a abertura a ideias, a abertura ao sistema normativo de valores e complacência”, adiantou. 

A mudança passa não apenas pelo processo de selecção, mas também pela formação, fez saber Anabela Ferreira. 

Segundo a Lusa, a inspectora-geral reconheceu a “necessidade de fazer alteração nos currículos dos cursos”, e adiantou que até ao final do ano a IGAI vai fazer uma formação específica relativa a matérias de discriminação junto do SEF e da GNR, ficando a PSP para o primeiro trimestre de 2022. 

Ainda no âmbito do plano, foram nomeados oficiais de direitos humanos na PSP, GNR e SEF, tendo ainda o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nomeado um provedor de direitos humanos. 

Com que impacto nas práticas do presente? Falta saber. Voltamos ao tema mais logo na segunda parte d’ O Lado Negro da Força.

Para ver, no Facebook e no YouTube, todas as quintas-feiras, a partir das 21h.