Ainda solteira? Sara Sarowsky responde com um blogue, e planos para TV

Licenciada em Comunicação Empresarial e mestre em Marketing Estratégico, Sara Sarowsky transformou o seu estado civil num blogue premiado. Chama-se “Ainda Solteira!”, foi distinguido como o melhor de 2020 na categoria Sexo e Diário Íntimo, e dá resposta a uma série de cobranças familiares e culturais dirigidas a mulheres que, como a autora, nunca deixaram o celibato. “O blogue é o meu grito, a minha maneira de dizer que não tenho problema nenhum”, conta Sara, de 43 anos, empenhada em desestigmatizar o “mercado da solteirice”, também na televisão. Com passagem pelo O Lado Negro da Força, onde, amanhã, assume o lugar de convidada.

por Paula Cardoso

Os primeiros comentários chegaram na informalidade de convívios familiares. Depois começaram a reproduzir-se na solenidade de eventos profissionais. Com o avançar do tempo, também se colaram à impulsividade de observações de desconhecidos.

Ao longo dos anos, o estado civil de Sara Sarowsky tem suscitado todo o tipo de incompreensões. “Há quem diga que sou lésbica, quem aposte que tenho uma relação clandestina, quem acredite que sou uma promíscua que dorme com os chefes, enfim…tudo porque não conseguem perceber porque é que continuo solteira”.

Além do coro de maldizer, avolumado pela pressão de tradições familiares africanas, a cabo-verdiana conta que também se tornou comum ouvir palavras de comiseração, a partir do interrogatório da praxe. “Nem és muito feia, nem és muito má, até tens educação, até sabes falar bem”, são frases que preenchem o vazio de quem não se coíbe de perguntar: “Onde está o teu acompanhante? Porque é que vens sempre sozinha? Não tens namorado?”.

Entre a cobrança e a desconfiança, Sara – que adoptou o apelido Sarowsky como assinatura pública – transformou o falatório sobre o seu estado civil de num repositório de afirmação positiva: o blogue “Ainda Solteira!”.

“É o meu grito, a minha maneira de dizer que não tenho problema nenhum. Precisava de expor o meu ponto de vista”.

O momento chegou há cinco anos, diante da proximidade dos 40, e numa fase de transição profissional.

A voz da experiência

Na altura recém-saída de um trabalho como gestora de redes sociais e comunidades de uma figura da televisão, e com uma experiência anterior de cinco anos na mesma área, acumulada na Embaixada de Cabo Verde em Lisboa, Sara decidiu investir o conhecimento adquirido num blogue pessoal.

Licenciada em Comunicação Empresarial e mestre em Marketing Estratégico, a escolha da temática de especialização foi tudo menos irreflectida.

“Fiz pesquisa de mercado, para saber o que estava a dar. Havia os blogues de culinária, mas não gosto, e sabia que precisava de algo que pudesse fazer com paixão. Depois havia as viagens, mas nunca viajei muito, nem tinha dinheiro para isso. Tinha também a fotografia, mas apesar de ter um curso e máquina profissional, senti que para ter boas imagens faltava-me viajar. Havia ainda os filhos, que não tinha nem tenho, e a moda, que adoro, mas, pessoalmente, e sem querer ferir susceptibilidades nem desmerecer o trabalho de ninguém, acho que um blogue de moda não contribui em nada para um mundo melhor, não deixa um legado”.

Sem uma porta óbvia de entrada na blogosfera, a opção recaiu sobre o tema que mais dá que falar na sua vida: a solteirice.

“Pensei: tenho de escolher uma coisa na qual me sinta à vontade e na qual seja boa. Como sou boa a ser solteira, e sou solteira toda a minha vida, decidi agarrar nesse nicho, abracei a causa com a minha experiência pessoal”.

Mudar de estado civil? Só para melhor

Autora de crónicas, contos e confissões, Sara Sarowsky apresenta-se, no cartão-de-visita do blogue, como “uma solteira gira e bem resolvida que ainda não cumpriu o papel para o qual foi formatada: casar e procriar”.  Será “caso para cortar os pulsos ou dar pulos de alegria? Provavelmente, nem uma coisa nem outra!”, assinala a blogger, fazendo ecoar, com esta pergunta-resposta, as surpresas e incertezas da vida.

“Claro que já namorei, claro que já tive os meus namorados, mas chegou a um ponto em que senti que não eram as pessoas certas, por isso as relações acabaram. Percebi que preciso de mais do que apenas estar com alguém só porque sim, e no dia em que esse mais acontecer eu serei a primeira a abrir mão da minha solteirice”, adianta a cabo-verdiana, firme na defesa das suas escolhas. “Uma relação tem de me deixar melhor do que estou agora. Para ficar pior, continuo solteira”.

Aos 43 anos, e com uma longa lista de cobranças familiares e culturais – “Olha que a idade está a passar…”, tornou-se um aviso-chavão –, Sara sabe que não tem de provar nada a ninguém. Mas lembra-se que nem sempre foi assim. “Passei por períodos de muita angústia, amargura, sentimento de diminuição”, conta, salientando a diferença que uma voz de suporte pode fazer num dia-a-dia sobrecarregado de múltiplas pressões.

“Quando todos nos tratam como se tivéssemos um defeito, começamos a acreditar nisso. Acredito que a minha experiência não teria sido tão difícil se alguém me tivesse dito, lá atrás, que não havia nada de errado comigo por ser solteira”.

Desestigmatizar a solteirice

A consciência do poder da identificação e da importância de desestigmatizar a vida celibatária tornou-se evidente a partir da criação do “Ainda Solteira!”, premiado nos Blogzillas do Ano (ex-Sapos do Ano) como o melhor blogue de 2020 na categoria Sexo e Diário Íntimo.

A distinção renova-se desde 2018 – nessa época incluída no segmento Sexualidade – e resulta da indicação e votação dos internautas, fiéis na sua preferência.

“Comecei logo a receber reacções muito positivas, e apesar de não ser uma blogger com milhões de seguidores, sei que tenho um impacto muito grande na vida de algumas pessoas. Podem ser apenas 10, mas são 10 que me mandam mensagens, que desabafam comigo, com quem vou criando laços”.

A proximidade – que com algumas solteiras já saltou do mundo virtual para o mundo real –, tem permitido amadurecer reflexões e explorar novos caminhos profissionais.

“Apercebi-me que existe muita procura de amor. Toda a gente quer amor. Por isso é que o mercado da solteirice vale milhões”, realça Sara, dona de uma audiência esmagadoramente feminina.

“Cerca de 60% das minhas leitoras estão entre os 35 e os 44 anos, são profissionalmente activas, e, pela forma como se expressam, têm formação”, descreve a blogger, acrescentando que outro dos aspectos que têm em comum é uma auto-confiança adormecida.

“Elas sabem que não há nada de errado com elas, apesar de a sociedade continuar a dizer o contrário o tempo todo. Então, o que sinto é que apenas precisam de reconhecer o que já têm dentro delas, precisam de alguém que confirme isso, que não as olhe de lado”.

Mais do que oferecer um espaço de acolhimento, aceitação e de identificação, necessário para restaurar amores-próprios feridos e até perdidos, Sara quer ser – sempre que alguém manifeste essa vontade – um elo de ligação para novos amores.

Dar largas à veia empreendedora

Afinal, conforme demonstra a sua própria experiência, o facto de estar bem sozinha não significa que não possa ficar ainda mais bem acompanhada.

Nesse sentido, em parceria com Isabel Soares dos Santos, especialista na área do coaching espiritual e da organização de casamentos, decidiu aventurar-se na criação de um serviço de matching, baptizado “Love for You”.

A oferta, recém-lançada, é apresentada por Sara no seu “Ainda Solteira!” como uma oficialização da condição de “cupido amadora”.

Através da promoção de encontros virtuais, a blogger promete dar expressão empresarial ao que já faz pontualmente: “Tentar arranjar um par para os solteiros que partilham a sua vontade em viver uma estória de amor”.

A missão dá os primeiros passos no Instagram, e debuta Sara nos desafios do empreendedorismo, igualmente apontados para a produção de um programa televisivo.

“Já apresentei o formato a dois canais, com o nome provisório de ‘SOS Solteiro! Ainda há esperança”, revela a blogger, explicando que o título não deve ser lido em tom de desespero.

O ‘ainda’ faz a ligação para o blogue, e a esperança prende-se com o desejo de encontrar alguém especial para partilhar os dias, combinado com o compromisso de seremos capazes de viver felizes connosco.

A essência cabo-verdiana

O propósito surge, na história de Sara, indissociável das raízes. “Vim para Portugal com quase 20 anos, para tirar a licenciatura, regressei a Cabo Verde depois, mas acabei por voltar para fazer o mestrado”, conta, acrescentando que, apesar de ter nacionalidade lusa, e de estar no país há mais de uma década, a casa continua a ser africana.

“Em Cabo Verde eu estou a 100%, eu respiro a minha essência, eu ouço a minha língua em tudo quanto é sítio, tenho sempre o mar que eu amo, tenho os meus amigos de toda uma vida, a minha família, a minha comida, as minhas coisinhas…por isso preciso sempre de voltar para me reconectar com isso tudo”.

Ainda que o arquipélago de origem tenha deixado de ser a sua única casa, e mesmo reconhecendo que a emigração traz novas oportunidades, a blogger nota que, é em solo cabo-verdiano que encontra. “O meu cordão umbilical está lá, ou o pé fincado na tchon, como nós dizemos em crioulo”.

Por agora em Portugal, mas com planos de se mudar para França, onde vivem cinco dos seis irmãos, Sara também exibe, no passaporte de concretizações, aspirações literárias.

Além de ter em mãos um projecto para publicação de um livro sobre a tradição oral cabo-verdiana, a blogger marca presença na antologia “Mulheres e seus destinos”, que reúne testemunhos lusófonos sobre a condição feminina. Nessas páginas, apresentadas em Novembro passado no Centro Cultural Cabo Verde, em Lisboa, Sara publicou o seu retrato de mulher ideal: “Realizada, amada, empoderada, feliz, estimada”. À prova de qualquer estado civil.

 

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