“Alcindo”, uma homenagem àqueles que resistem e àqueles que caem

O documentário “Alcindo”, sobre o assassinato de Alcindo Monteiro, ocorrido há 25 anos, precisa de 10.000 euros para a fase de pós-produção, valor que está a ser recolhido através de uma campanha de crowdfunding. A recolha de fundos, lançada pelo realizador Miguel Dores, decorre até 30 de Junho para que, em Outubro, seja possível assistir à estreia da longa-metragem, ao mesmo tempo uma homenagem e uma crítica ao sistema.

por Filipa Bossuet

Miguel Dores decidiu “encher de estórias” os recortes de um jornal editado em 1998 pela Frente Anti-Racista, sobre o assassinato de Alcindo Monteiro, espancado até à morte por skinheads no centro de Lisboa, a 10 de Junho de 1995 – dia marcado por outras 10 agressões a pessoas negras e pelo Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas.

Dessa releitura noticiosa, desenvolvida a partir da tese de mestrado em Antropologia Visual, nasceu o projecto de documentário, que pretende ser “um arquivo, um filme de performances e memórias, incluído num retrato dinâmico das lutas racializadas do Portugal de hoje”.

Na obra, Alcindo é a “estrela-guia de uma constelação de temas registados entre 2019 e 2021”, explica o realizador ao Afrolink, sublinhando que a produção transcende a morte do jovem cabo-verdiano de 27 anos, expondo uma “conta não saldada” onde avultam os casos de Kuku, da esquadra de Alfragide, do Bairro da Jamaica, de Luís Giovanni, Claúdia Simões e Bruno Candé, na esperança de “ser uma contribuição para a luta anti-racista em Portugal”.

Com estreia prevista em Outubro, e o apoio da produtora Maus da Fita, o documentário tem, para já, uma sessão agendada no MICAR – Mostra Internacional de Cinema Anti-Racista, mas, até lá, precisa de reunir 10.000 euros para a fase de pós-produção.

O valor está a ser recolhido através de uma campanha de recolha de fundos, lançada pelo realizador no passado dia 5 de Maio, e aberta até 30 de Junho.

A história de um genocídio

“A morte de Alcindo esconde a história de um genocídio, que só não pôde ser considerado como tal por um exercício meramente formal e procedimental da Justiça – o único caso de genocídio julgado em Portugal, pasme-se, num país que promoveu massacres imensos durante as guerras de libertação”, critica Miguel Dores, acrescentando que “um filme sobre isto tudo é muito importante, para todos e todas nós”.

A produção junta ainda os contributos de Filipe Casimiro e Beatriz Carvalho, na realização, e da família de Alcindo Monteiro, com destaque para a disposição, direccionamento e reflexão das suas irmãs Luísa e Joana.

Igualmente relevantes para a longa-metragem foram o suporte do movimento SOS Racismo, nomeadamente ao nível da produção, investigação e arquivo, bem como de vários activistas, como Pedro Santarém da Frente Anti-Racista, Marcus Veiga, General D, Jakilson, Lúcia Furtado e Rui Estrela, todos envolvidos de forma voluntária e colaborativa.

Em rodagem há cerca de um ano, o documentário responde vai ainda ao encontro das vivências do autor, nascido na Amadora, numa família de formação comunista.

Para Miguel Dores, crescer na Amadora na viragem do milénio, na pele de jovem branco, permitiu-lhe “ver como uma macro-narrativa nacional e uma vivência local podem ser coisas tão distintas”.  Dessas memórias sobressaem memórias de projectos multiculturalistas nas escolas, sempre aquém das discussões sobre política, desigualdade, precariedade, securitismo e racialização.

Muito pelas influências antifascistas, o realizador não se esquece da primeira noite em que foi ao Bairro Alto, com 14 anos, e teve conhecimento dos acontecimentos de 10 de Junho de 1995. Agora trabalha para que o caso não caia no esquecimento.

 

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