As rastas de Fábio Évora ganham dimensão com a Mad Locks

O que começou por diversão, porque estava “uma beca perdido”, transformou-se num ganha-pão, e hoje, com 31 anos, Fábio Évora é dono da Mad Locks, um negócio de elaboração de rastas, a funcionar no Bairro do Pendão, em Queluz. Além de gerar postos de trabalho, o empreendedor acaba de inaugurar a Associação The One Zion, para criar oportunidades e mudar a vida dos jovens da comunidade.

por Filipa Bossuet

Estava desempregado e numa de mudar de vida, quando, há sete anos, a chegada da Associação Pendão em Movimento ao Bairro do Pendão, em Queluz, lhe ofereceu “uma escapatória” para “sair do sítio onde parava todos os dias”.

Desde os 16 anos habituado a “manter” no Pendão, território de ligação aos antigos vizinhos de Francos – extinto bairro de barracas do Cacém onde cresceu -, Fábio Évora, passou a dedicar sete horas diárias ao voluntariado a partir do contacto com o trabalho comunitário.

Além de descobrir um propósito, o então voluntário encontrou nessa associação “um espaço para a comunidade fazer o que quisesse”. Foi assim que uma casa de banho deu lugar a um estúdio de música.

“Eu e os meus amigos partimos aquilo tudo e transformámos num estúdio. Juntámos as nossas cenas todas: umas colunas, um microfone, e até hoje o estúdio está em funcionamento”, conta Fábio, que na altura cantava rap de intervenção, e era conhecido como Madrugz 2F.

Actualmente apenas escreve para proveito próprio – sobretudo aquilo que precisa de ouvir – mas vê, orgulhoso, os mais novos darem continuidade ao projecto que co-iniciou, e pelo qual ficou responsável, há cerca de um ano.

Com a comunidade e para a comunidade

A par da construção do estúdio de música, o full-time em trabalho comunitário permitiu a Fábio, hoje com 31 anos, trabalhar em vários projectos, de áreas tão diversas quanto o desporto, o desenvolvimento pessoal ou a criação artística, experiência vertida em workshops de Taekwondo, Kickboxing e Muay Thai.

A intervenção no bairro expandiu-se ainda a partir de uma colaboração com o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), através do projecto “Muda a tua rua”, do qual resultaram várias actividades. Com destaque para o “Pendão em Restauração”, o “Street Workout”, ou a “Residência de Autodescoberta em Roda Viva”.

Os efeitos de cada iniciativa começaram a ser visíveis na comunidade, garante o empreendedor, sublinhando o impacto de cada intervenção. Para começar, “Pendão em Restauração” favoreceu o espírito de união e entreajuda, através da produção de um grafitti idealizado pela comunidade. Já o “Street Workout” trouxe um ginásio ao ar livre. Finalmente a “Residência de Autodescoberta em Roda Viva” surgiu para os jovens trabalharem o interior com uma coach, durante um fim-de-semana, distanciados das distracções citadinas. Pelo caminho, o Pendão também organizou uma “Roda de Poesia”, em que pessoas de todas as idades contavam histórias.

A catapulta para a Mad Locks 

Enquanto o bairro mudava, Fábio, filho de mãe portuguesa e pai cabo-verdiano, mudava com ele. Não apenas em relação aos objetivos de vida, mas também em relação ao visual.

“Eu já tinha um afro relativamente grande e, um dia, comecei a enrolar com a mão, só na brincadeira. O cabelo começou a criar uns canudos e pedi a um amigo para me ajudar. Metemos sabão, enrolámos, e depois ele começou a dar uns toques de agulha. Ele só definiu a raiz e disse que eu teria de fazer o resto. Aprendi aquilo na hora, e fiquei a fazer a minha rasta para aí uns quatro dias consecutivos”.

O episódio marcou um novo ponto de viragem na história de Fábio. “As minhas rastas começaram a ficar fixe. Então, primeiro aparecia um amigo e pedia para fazer uma rasta, depois aparecia outro para arranjar, e fiquei um ano e tal a fazer isso a toda a gente”.

Com a experiência e crescente popularidade, começou a cobrar “valores simbólicos”, de 5 ou 10 euros por cliente, “só para não estar a fazer de graça”. Ao mesmo tempo, criou uma página no Facebook, mas a falta de jeito para o marketing acabou por comprometer o alcance da iniciativa, que nunca conseguiu atrair muitos seguidores.

Por isso, não hesitou quando teve a oportunidade de se profissionalizar no ramo das rastas, trabalhando por conta de outrem. “Pela primeira vez na vida, tinha um trabalho em que sentia que não estava a trabalhar, porque era realmente uma cena que eu gostava. Percebi que era mesmo o que tinha de fazer.”

Apesar da realização com a nova ocupação, Fábio nunca deixou de sonhar com um negócio próprio e, mais uma vez, a concretização surgiu através da Associação Pendão em Movimento, no âmbito do projecto “Catapulta”, desenvolvido em parceria com a Universidade de Évora.

A oportunidade, explica, “consistia nos estudantes de design trabalharem com um artesão e ajudarem na criação de uma marca. Fizeram-me um estudo de mercado, o logotipo, cartões de visita, sacos, t-shirts e tudo o que fosse necessário. Aquilo também servia como avaliação para eles.”

Fechado o ciclo de oito meses de trabalho, que Fábio Évora descreve como “muito enriquecedor”, não só pelo dinheiro, mas também pelo conhecimento que adquiriu a coser as rastas e como gestor de loja, decidiu criar um negócio – a Mad Locks.

“Na altura vivia num quarto. Falei com a senhoria e ela deixou-me fazer atendimentos lá. Durante quatro meses estive a trabalhar das dez da manhã até de madrugada, todos os dias. Almoçava e jantava com os meus clientes.”

Já na qualidade de membro do grupo de cogestão da Associação Pendão em Movimento, o empreendedor decidiu propor a criação de um espaço para o seu negócio. Agora, além do estúdio erguido a partir de uma casa de banho, ocupa uma velha sala de espera, que, com a vontade de querer mais e melhor, transformou no espaço físico da Mad Locks.

“Os responsáveis da Associação pararam e pensaram que isso poderia mudar a minha vida, e foi mesmo o que aconteceu. Mudou mesmo a minha vida e hoje consigo mudar a vida de outras pessoas.”

 

Colaboradores satisfeitos para melhor atenderem os clientes

Há dois anos por conta própria, faz manutenção de rastas, elaboração, junção, extensões, marcações, pintura e lavagem. Trabalha com dois profissionais e tenta sempre que o trabalho realizado seja feito com humildade, para que todos se sintam confortáveis nas suas funções.

“Toda a gente que entra na Mad Locks tem uma experiência diferente. Como já trabalhei noutra casa de rastas, eliminei do meu salão tudo o que vi de mau nesse espaço”, garante, firme na apresentação da “alma” da Mad Locks.

“Dizem que o cliente é a prioridade, que é ele quem tem de estar satisfeito. Mas, sendo sincero, a minha prioridade são os meus colaboradores, porque é o meu colaborador que vai ter contacto directo com o cliente. Se o meu colaborador não estiver confortável, não gostar do que está a fazer, ele vai passar essa energia para o cliente.”

Com esta filosofia, o criador da Mad Locks quer expandir a sua marca, mas também inspirar o lançamento de outros negócios. Para isso, planeia uma mudança de instalações e a conversão do actual salão numa incubadora para outros projectos, criados por jovens como ele.

Associação “The One Zion”

A vontade de apoiar novos empreendedores está igualmente por detrás do seu mais recente projecto: a associação “The One Zion”. Inaugurada há cerca de um mês, a Zion foi uma das organizações vencedoras do Programa Bairros Saudáveis, com um projecto que pretende criar oportunidades para os jovens do Pendão. Isto através da atribuição de bolsas de financiamento, que, com acompanhamento e formação, facilitem o desenvolvimento de negócios.

Como alguém que sabe o que é andar “uma beca perdido”, e se reencontrou a partir de uma associação, o criador da Mad Locks aconselha acção. “Corre atrás, levanta-te todos os dias à hora de ponta para ires à procura! Foca-te, porque o foco é super importante”, propõe Fábio, antes da recomendação final. “Cria uma meta do que queres, mas corta esse caminho em várias etapas para obteres pequenas vitórias que te vão dar mais power. Cria e escreve, porque tirar as ideias da mente para o papel é um grande avanço para meteres em prática”.

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