Assassinato de Bruno Candé: “O acaso mais constante das nossas vidas”

Presente nas t-shirts, estampadas com o seu rosto, e também nos cartazes, que erguem bem alto o seu nome, Bruno Candé marca todos os movimentos que, à porta do Tribunal de Loures, se unem pela mesma causa: Justiça. Lá dentro, numa das salas de audiências, decorre a terceira e última sessão do julgamento do assassino confesso do actor, para quem o Ministério Público pede uma pena de 22 anos de prisão, pelo crime de ódio racial. Ou, “o acaso mais constante das nossas vidas”, conforme descreve António Tonga, um dos responsáveis pela mobilização que o Afrolink acompanhou na passada sexta-feira, 18, e que hoje se prepara para discutir o lançamento de uma petição para fazer do local do crime uma homenagem. Com a certeza de que “amanhã será mais um dia de luta”.

Texto e fotos de Filipa Bossuet

Meio prece, meio reivindicação, as palavras de Jéssica Coelho, integrante do colectivo “Em Luta”, assumem força plural à porta do Tribunal de Loures: “Esperamos que haja uma condenação, com a agravante do ódio racial”.

Como Jéssica, outras pessoas juntam-se à campanha “O Racismo matou de novo: Justiça por Bruno Candé”, promovida por activistas em nome individual e um conjunto de colectivos – como o Em Luta, Consciência Negra, SOS Racismo, Djass e Femafro.

O Afrolink acompanhou a mobilização, na manhã da passada sexta-feira, 18, dia da terceira e última sessão do julgamento do assassino confesso do actor.

Num ambiente de espera, angústia e ansiedade, suscitado pelas alegações finais do julgamento do assassino do actor, a regra já observada na sessão anterior começa a circular: “Só oito pessoas poderão entrar, porque não se sabe se haverá mais lugares na sala, devido à situação pandémica”.

Apesar das restrições, familiares e amigos próximos de Bruno Candé conseguem acesso ao interior do tribunal, para onde o advogado de acusação, José Semedo, se dirige por volta das 9h30.

Enquanto isso, lá fora permanecem cerca de 40 pessoas, munidas de cartazes e vestidas com t-shirts que trazem o rosto de Bruno Candé estampado, trabalho desenvolvido em colaboração com a marca Bazofo, de Vítor Sanches.

Além das t-shirts – cujas vendas se destinam à família do falecido actor, e ao pagamento dos custos de produção –, a memória do actor está igualmente presente numa série de posters colados nas paredes do tribunal.

Cordão humano contra o racismo, pela Justiça

A homenagem a Candé prossegue, enquanto se especula sobre a decisão do Ministério Público, reconhecendo-se que “há uma tendência da justiça Portuguesa para não punir os crimes de ódio racial”, conforme lembra Marina, uma das manifestantes presentes no Tribunal de Loures.

À falta de novidades, forma-se um cordão humano que, com a passagem dos minutos e horas vai juntando mais presenças. “Isto é contra o racismo?”, procuram saber elementos da comunidade cigana de Loures, que se aproximam da mobilização. O sim reforça a corrente por Justiça. “O racismo é aplicado sobre negros e ciganos”, notam os recém-chegados, enquanto juntam as mãos e vozes ao protesto. Grita-se “Bruno Candé, presente! Hoje, e sempre!”.

Ainda durante a mobilização, os organizadores anunciam que pretendem lançar uma petição para mudar o nome do local do crime de Avenida Moscavide para Avenida Bruno Candé, por forma a que “a sociedade portuguesa passe pela rua e sinta a ferida aberta”.

Segundo António Tonga, um dos dinamizadores da campanha, “o Estado português deu-nos todos os motivos para nos fazer acreditar que a nossa luta só depende de nós, e de quantas forças nós conseguirmos colocar para levar a nossa adiante”.

Confiante no poder do colectivo, e consciente de que o combate anti-racista não conhece tréguas – “amanhã será mais um dia de luta” – o activista lamenta que o crime que vitimou Candé seja “o acaso mais constante das nossas vidas”, e sublinha: “O que eu espero é que sejamos ouvidos”.

A reunião plenária para discussão da petição será realizada hoje, às 19h00, na Zona J, em Chelas, onde Bruno Candé viveu grande parte da vida, junto à família. Ao encontro seguem-se os preparativos para assinalar, a 25 de Julho, o primeiro aniversário da morte de Candé.

Antes, a 28 de Junho, espera-se a leitura do acórdão do julgamento do assassino confesso do actor.

22 anos de cadeia por ódio racial

A esperança de que, afinal, o crime de ódio racial poderá vir a ser reconhecido, ganha força perto do meio-dia, com uma actualização no site do Público: “Ministério Público quer 22 anos de prisão para homicida por ódio racial”, lê, para todos ouvirem, o activista Pedro Feijó.

Entre os manifestantes, os abraços e gritos de satisfação evidenciam a importância do momento: “Nunca tinha acontecido, num julgamento desta natureza, a acusação de ódio racial chegar tão longe sem cair”, diz Lúcia Furtado, fundadora da Femafro.

As reacções de perplexidade e entusiasmo sucedem-se, enquanto, do interior do tribunal, vão saindo os familiares e amigos do actor. Emocionada, e ainda com a voz trémula, Elisabete Candé Marques, uma das irmãs de Bruno, considera, em declarações ao Afrolink, que foi comprovado não apenas o crime de ódio racial, mas também que o arguido tinha planeado cometer o homicídio um dia antes, intenção frustrada porque o alvo – Bruno – não apareceu.

Elisabete reitera que a frieza de Evaristo Marinho ficou cabalmente demonstrada: “Ele não se arrepende de nada, e ainda teve o descaramento de se tentar defender”.

Sem dúvidas sobre a motivação racial do assassinato, tal como concluiu o Ministério Público, a irmã do falecido actor insiste que o arguido “matou o Candé por ele ser negro”.

Confiante numa sentença exemplar, Elisabete admite algum conforto por saber que o assassino confesso do irmão “vai ter de pagar pelo que fez”. Na prisão.

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