Carta para uma Educação Anti-racista, e análise sobre a branquitude em curso

Como combater o racismo em Portugal? Formado há quase dois anos, o Grupo EducAR responde a esta pergunta com um crescente plano de actividades, que inclui a elaboração de uma Carta de Princípios para uma Educação Anti-racista, e a preparação de um ciclo de debates sobre a branquitude. Até lá, podemos conhecer o lado mais artístico da sua intervenção, na exposição “Revolução em marcha”, que termina a 15 de Setembro, em Lisboa.

por Paula Cardoso

Primeiro e segundo pontos: “Há racismo dentro das escolas portuguesas e no ensino da História de Portugal, e algo precisa ser feito”. Terceiro ponto: “O racismo é estrutural e a educação anti-racista deve ser um projecto de Estado”. Quarto ponto: “É preciso re-conhecer e re-pensar o “povo português”, as dezenas de Áfricas e os olhares sobre os imigrantes”. Quinto ponto: “A escola e a universidade devem derrubar seus muros e abraçar o agora, o hoje e o presente”.

Ponto por ponto, ao longo de 10 questões-reflexões o grupo EducAR apresenta um manifesto para “identificar|combater o racismo e estimular|fortalecer a promoção de uma educação anti-racista em Portugal”.

A missão, no terreno desde o final de Outubro de 2018, cumpre-se através de um plano crescente de actividades, já enraizado em dois ciclos de encontros de educadores anti-racistas.

Branquitude sob foco

Num balanço dessa intervenção, o EducAR destaca, pela voz do professor de História e mestre em Educação Danilo Cardoso, a necessidade de trazer um novo foco para a discussão.

“No primeiro ciclo e no segundo ciclo [de encontros de educadores anti-racistas], o grupo percebe que fica conversando maioritariamente com mulheres brancas, de classe média, académicas etc, e aí a gente tem um estalo! No próximo ciclo, a gente não vai falar dos nossos problemas, a gente vai falar da branquitude”.

A temática, que antecipa discussões sobre privilégios seculares, incluindo a primazia na produção de conhecimento, não é uma novidade dentro do programa do EducAR, nota Danilo, defendendo, contudo, que é preciso aprofundar a análise.

“Pelo grupo de estudo [outro eixo da intervenção do colectivo], a gente já leu alguns artigos sobre o assunto. Um até foi da Camila Moreira de Jesus, uma baiana que revisita o termo da branquitude e da branquidade. Mas acho que agora é bem pertinente focar nisso, porque, querendo ou não, a gente começa a dialogar com públicos diferentes”.

A diversificação da audiência, indissociável do fortalecimento do movimento negro – em que o grito Black Lives Matter ecoa bem alto –, promete ganhar maior expressão com a elaboração da Carta de Princípios para uma Educação Anti-racista.

Carta de Princípios para uma Educação Anti-racista

O documento começou a ser construído pouco antes do confinamento, depois de um desafio lançado pelo dirigente da SOS Racismo, Mamadou Ba.

“A sugestão chega ainda no primeiro ciclo [de encontros de educadores anti-racistas]. O Mamadou nem sequer era convidado, mas quando surge o ‘episódio da bosta de bófia’, em que ele recebe aquelas ameaças todas, a gente o chama para falar na primeira pessoa. É aí que ele lança essa proposta”.

Já na pele de orador do segundo ciclo de encontros do EducAR, Mamadou reforçou o apelo à elaboração da Carta, iniciativa igualmente advogada pela investigadora Cristina Roldão.

“Obviamente por ser socióloga e tudo o mais, a Cristina apimenta um pouco mais toda essa discussão, e estimula a construção dessa Carta de Princípios”, sublinha Danilo Cardoso, realçando a complexidade de passar para o papel um universo gigante de problemáticas.

O desafio, que já somou os contributos dos activistas Lúcia Furtado e Danilo Moreira, preparava-se para mobilizar outras perspectivas quando o confinamento interrompeu os planos.

“Educação anti-racista é um processo diário”

O trabalho colaborativo – mais prático e colectivo do que teórico e individual – deverá ser retomado em breve, com o objectivo final de “partilhar a Carta com associações anti-racistas, a sociedade civil e instâncias do poder público”.

Até lá, a intervenção continua, em linha com o que defende o manifesto do EducAR: “Educação anti-racista é um processo diário”, e, ao mesmo tempo uma “via de reparação”.

Além dos ciclos de encontros de educadores, e dos grupos de estudo, a actividade do colectivo inclui, entre outros eventos, sessões de cinema – no próximo sábado, 12,  decorre mais uma projecção do ciclo Cinexu –, e presenças em seminários e exposições.

Foi o caso da participação, em 2019, no Festival Todos, e é o caso da presença na mostra “Revolução em Marcha”, patente até 15 de Setembro, no Espaço Santa Catarina, em Lisboa.

No portfólio de intervenção do grupo anti-racista destacam-se ainda as acções em parceria, nomeadamente com a Associação Kazumba, o Teatro Maria Matos ou o Museu do Aljube Liberdade e Resistência, palco de implementação do projecto “Diário do !AGORA! – ciclo de escrita|poesia anti-racista”.

A iniciativa, que começou presencial e transitou para o digital, termina a 31 de Outubro, com a participação de Apolo de Carvalho, que será antecedido, no próximo dia 26 de Setembro, por Marinho Pina.

“O objectivo é aproximar a poesia clássica e contemporânea aos acontecimentos do tempo presente, a fim de inspirar notas autorais para a construção de um material colectivo. Cada encontro terá como roteiro: uma selecção de poemas, uma roda de diálogo, uma presença de poeta e um momento de criação e partilha”, introduz-se na programação do Museu do Aljube Liberdade e Resistência.

Mais um espaço de luta!