Cinco séculos de Lisboa no Pranto de Maria Parda, vivida por Cirila Bossuet

A actriz Cirila Bossuet protagoniza a peça “Pranto de Maria Prada”, que estreou ontem no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. O espectáculo, adaptado por Miguel Fragata a partir da obra homónima de Gil Vicente, continua nesse palco até 5 de Novembro, prosseguindo depois para Tondela, Ponte de Lima, Vinhais, Ourém, Viana do Castelo, Ponta Delgada e Funchal. Com cinco séculos de história na bagagem.

Texto por Afrolink

Recuemos 500 anos na vida de Lisboa. Lá atrás, em 1521, avistamos um vulto feminino a vaguear pelas ruas. Alcoólica e sem lugar numa cidade irreconhecível – que se encontra destruída pela fome e pela seca – essa mulher simboliza o ano mau. Ela está no centro do “Pranto de Maria Parda”, peça assinada por Gil Vicente.

Vividos 500 anos, o texto do dramaturgo, escrito no rescaldo de um ano devastador é agora trazido à cena no rescaldo de outro ano devastador. “Este espetáculo propõe-se vaguear pelas ruas de Lisboa à escuta da voz daqueles que a cidade escolheu deixar de lado, hoje, como há cinco séculos”, lemos na sinopse da adaptação de Miguel Fragata dessa peça de Gil Vicente.

“Lisboa está irreconhecível, desfigurada pela gentrificação, pela presença (e ausência) do turismo, pela pandemia. Quinhentos anos volvidos, Maria Parda continua sem ter lugar”.

Um pranto feminino e racializado

Mas quem é esta mulher?

Interpretada pela actriz Cirila Bossuet, Maria Parda estreou-se ontem no palco do Teatro Nacional D. Maria II, onde pode ser vista até 5 de Novembro, com esses e outros motivos de pranto.

“A tradição foi insinuando que da designação “Maria Parda” se extraía a ideia de uma mulher negra. Mas em nenhum momento Gil Vicente parece indicá-lo”, assinala-se ainda na sinopse, ponto de partida para um conjunto de reflexões.

“Resultará essa conclusão [sobre a pertença étnica da personagem] de um preconceito de interpretação e de leitura? Como se olha para este texto com quinhentos anos à luz das questões do racismo e do feminismo, que ele próprio hoje convoca, e que são prementes? Que caminho fizeram este texto, a cidade e Maria Parda – até hoje?”.

Seguimos na rota dessas deambulações. Agora por Lisboa, e depois também por Tondela, Ponte de Lima, Vinhais, Ourém, Viana do Castelo, Ponta Delgada e Funchal.