Colectividades em luta: manifesto “Casa para Viver” sai à rua a 1 de Abril

“Colectividades, associações, cooperativas e espaços sociais sem fins lucrativos unem-se à luta essencial pela habitação”, saindo à rua no próximo dia 1 de Abril, às 15h, na manifestação “Casa Para Viver”. A mobilização, já confirmada em Lisboa e no Porto – e à qual todas as cidades são convidadas a aderir – está integrada na iniciativa “Housing Action Days 2023”, uma semana de acções e manifestações por toda a Europa pelo direito à habitação, coordenados pela European Action Coalition for the Right to Housing and the City. Porque, como se refere no apelo nacional, precisamos de “cidades vividas e não vendidas”. O Afrolink apoia este manifesto, que publica na íntegra.

Manifestação Europeia pelo Direito à Habitação – Manifesto

Foto de capa por Margarida Valença

As medidas anunciadas pelo Governo não nos convencem. Contra a loucura das rendas e a falta de acesso à habitação, vamos lutar até que toda a gente tenha Casa Para Viver!

No contexto da explosão dos preços das rendas e do crédito, do aumento drástico do custo de vida, da alimentação, das contas de energia, da pobreza e da precariedade, as nossas vidas foram atiradas para uma crise permanente. Não conseguimos pagar as nossas rendas ou suportar os nossos empréstimos bancários. Quem pode morar nas cidades portuguesas, hoje? As rendas em Portugal aumentaram 40% nos últimos cinco anos. Os preços das casas subiram 19% desde o ano passado. Os bancos, que penhoram as nossas casas, duplicaram os seus lucros. Enquanto isto, seguem-se os despejos e as expulsões das nossas casas para longe das nossas comunidades, ao mesmo tempo que florescem os negócios em torno do turismo, do alojamento local e da especulação.

Nós, que dependemos do nosso trabalho para viver, não conseguimos pagar as nossas rendas. Somos populações migrantes, negras e da comunidade cigana, que sofremos racismo e discriminação de forma histórica e sistemática e encontramos ainda mais dificuldade em arrendar casa. Somos jovens que não conseguimos sair de casa dos pais ou a ela temos de voltar. Somos estudantes que temos de deixar de estudar porque os quartos se tornaram impossíveis de pagar. Somos pessoas idosas que se veem obrigadas a abandonar casas e bairros onde vivemos uma vida inteira. Somos mulheres, com rendimentos baixos que corremos maior risco de situações de violência por falta de alternativa de habitação, e quando sozinhas com crianças e rendimentos baixos não temos onde morar e nos sujeitamos à sobrelotação ou tivemos de ocupar. Somos pessoas que sofrem discriminação no mercado de arrendamento pelos mais variados motivos, seja pela nossa identidade de género, pela nossa orientação sexual, por fazermos trabalho sexual, por usarmos substâncias psicoativas ou pela nossa condição física ou mental. Somos gente em precárias condições de vida, somos pessoas que habitamos os bairros, e muitas vezes temos de escolher entre pagar a renda ou pôr comida na mesa. Somos pessoas que já sofremos despejos ou vimos a demolição das nossas casas. Somos pessoas em precárias condições de saúde física e mental, as quais são agravadas por vivermos em sobrelotação, em casas degradadas ou sem condições mínimas de acessibilidade, em abrigos, em constante ameaça de despejo ou nas ruas.

O negócio imobiliário e o governo defendem o aumento da construção como solução para o problema da habitação. É falso! A história mostra que não é o aumento da oferta privada e da construção – que contribui para a emissão de gases com efeito de estufa – que vai baixar os preços. Eis a realidade portuguesa em 2023: ao mesmo tempo que existem 730 mil casas vazias no país, há 2 milhões de pessoas em situação de pobreza e mais de 50% da população em risco de miséria. A desigualdade social no acesso à habitação e a degradação das condições de vida não são inevitáveis leis da natureza. São o resultado de vivermos num sistema capitalista que tem como objetivo a maximização do lucro em vez de procurar garantir as necessidades básicas a todas as pessoas e, por isso, trata a habitação como um negócio e não como um direito básico. Neste sistema político e económico têm-se seguido anos e anos de desinvestimento público na habitação, juntamente com outras políticas concretas de quem nos governa: políticas como os ‘vistos gold’, os ‘residentes não permanentes’, ‘as medidas de atração dos nómadas digitais’, as isenções fiscais ao investimento imobiliário e à construção e reabilitação urbana de luxo, o controlo privado e não democrático do planeamento urbano e a diminuição do poder das e dos inquilinos com a liberalização através das rendas não controladas, a indiferença sobre os milhares de casas vazias existentes nas nossas cidades. Em suma, um problema de ausência de redistribuição e de justiça social.

Por tudo isto nos manifestamos em Portugal no dia 1 de Abril de 2023. Integramo-nos nos Housing Action Days 2023, uma semana de acções e manifestações por toda a Europa pelo direito à habitação, coordenados pela European Action Coalition for the Right to Housing and the City.

Saímos à rua por:

  1. DIREITO À HABITAÇÃO:

Significa casa digna para todas as pessoas. Queremos que parem os despejos sem alternativa digna e adequada. Queremos que parem as demolições das nossas casas. Queremos o fim da criminalização das pessoas que ocupam ou que resistem aos despejos. Queremos o aumento da habitação pública, social e cooperativa de qualidade que não implique nova construção sem fim! Queremos o controlo do mercado imobiliário e que se baixem as rendas já! Exigimos que o valor das rendas seja indexado aos rendimentos dos agregados familiares, nunca excedendo os 20%. Queremos o abaixamento e congelamento de juros e lucros dos bancos e impedimento de retirada de habitação de família pelos bancos e instituições financeiras. Queremos o fim real dos vistos gold, do estatuto do residente não habitual, dos incentivos para nómadas digitais e o fim às isenções fiscais para o imobiliário de luxo e para as empresas e fundos de investimento. Queremos a coletivização das casas vazias das empresas imobiliárias, fundos de investimento e grandes proprietários. Queremos o fim dos apartamentos turísticos, as casas são para habitar!

  1. DIREITO À CIDADE:

Significa o fim da privatização dos espaços públicos, o ordenamento democrático do território urbano e rural de acordo com as necessidades das e dos habitantes e do meio ambiente, o fim da guetização das pessoas mais marginalizadas e o seu pleno acesso aos centros urbanos, o fim da turistificação e da submissão da cidade ao mercado. Exigimos transportes públicos de qualidade, tempo e acesso à cultura, espaços verdes e sociais de qualidade. Exigimos compromissos sérios para combater os impactos das mudanças climáticas.

  1. FIM DA EXPLORAÇÃO E DO AUMENTO DO CUSTO DE VIDA:

Significa a fixação pelo Estado dos preços dos bens e serviços essenciais bem como a gestão coletiva e democrática dos setores essenciais, como a energia, a água, transportes públicos, comunicações e a própria habitação. Fim dos cortes de eletricidade. Aquecimento adequado, energia sustentável e conforto nas nossas casas. Fim da precariedade, dos baixos salários, das pensões de miséria, da degradação do Serviço Nacional de Saúde e do trabalho escravo e sem direitos!

Lisboa e Porto já se juntaram à manifestação Europeia. Organiza-te também na tua cidade!

Lisboa: 1 de Abril, 15h, Alameda

Porto: 1 de Abril, 15h, Batalha