Contra factos não há argumentos, a menos que a estrutura racista…

…se sinta ameaçada. Este é um resumo possível do resultado do concurso para a escolha do projecto que vai representar Portugal na 59.ª Bienal de Arte de Veneza, em 2022. Com argumentos insustentáveis, um dos quatro jurados conseguiu que o projecto da artista Grada Kilomba fosse eliminado, evidenciando, uma vez mais, como as estruturas de silenciamento das vozes negras operam: impunemente. Afinal, quem precisa de factos para sustentar uma decisão quando tem o suporte de um sistema racista? O tema vai estar em análise na segunda parte do Lado Negro da Força.

por Afrolink

Com uma projecção internacional admirável e indesmentível – acessível através de uma rápida pesquisa online –, o trabalho da artista multidisciplinar Grada Kilomba já esteve exposto em várias cidades, como Nova Iorque, Londres, Paris, Berlim, Basileia, São Paulo, Joanesburgo e Cape Town.

Mas para Nuno Crespo, um dos quatro jurados do concurso para a escolha do projecto da representação de Portugal na 59.ª Bienal de Arte de Veneza, em 2022, esse trabalho “não está comprometido com a dinamização e internacionalização da “cena” artística e cultural portuguesa.”

Sabendo nós que a internacionalização anda de mãos dadas com a intervenção de Grada Kilomba, resta-nos questionar o que entende Nuno Crespo com “cena artística e cultural portuguesa”. Uma cena branca? Uma cena que branqueia a História? Uma cena que nega a existência de racismo? Uma cena que defende que o problema do racismo é o anti-racismo?

Nuno Crespo não fundamentou porque não precisa de o fazer: como homem branco tem o privilégio de excluir só porque sim, ou por estar cansado de ouvir falar sobre racismo. Vai daí baixou de tal forma a classificação dada ao projecto de Grada Kilomba que anulou a excelente avaliação atribuída pelos outros três jurados.

Diz-nos eles que “(…) a ideia de racismo como ferida aberta foi já objecto de inúmeras outras abordagens; de modo que a proposta apresentada não deixa perceber como numa exposição poderá rever, criticar ou prolongar, essa ideia tão já discutida e mesmo exibida de múltiplas formas (…)”.

Num Portugal em que nem sequer se consegue reconhecer que existe uma ferida, talvez Nuno Crespo já tenha decidido que o racismo é uma fantasia e que, portanto, não vale a pena falar sobre isso.

Falemos então de mérito. “Ainda que a equipa técnica e artística seja competente, o mérito artístico da artista Grada Kilomba (…) não é satisfatório”, entende o especialista.

Bruno Leitão, curador que trabalha com a artista e que já recorreu da decisão, rebate: “Grada Kilomba  deve ser uma das principais artistas portuguesas do momento. Ela é certamente uma das mais aclamadas internacionalmente. O seu trabalho já foi exibido nas Bienais de São Paulo e Berlim e em grandes instituições do mundo todo e seu trabalho é, no momento, a imagem de marca do Palais de Tokyo nesta temporada.”

O problema não está seguramente no mérito nem na dimensão global de Grada Kilomba.

A filósofa brasileira Djamila Ribeiro escreveu, a propósito desta polémica, que a artista é demasiado grande para Portugal. Grada Kilomba é, de facto, demasiado grande para esta país. Mas é sobretudo demasiado negra.

O tema vai estar em análise mais logo n’ O Lado Negro da Força.

Para ver e ouvir  no Facebook e no YouTube, a partir das 21h.