Contra o racismo educar, educar – a acção de Anizabela Amaral em directo

Nascida em Angola há 50 anos, Anizabela Amaral é mãe de três rapazes, de 9, 13 e 15 anos, mas não se limita a educar os filhos: está sempre a postos para explicar, a quem quiser aprender, como podemos agir contra o racismo e todas as formas de discriminação. A missão pedagógica, iniciada no SOS Racismo, depois de se formar em Direito, expande-se no mundo online, num canal que ficaremos a conhecer amanhã, em mais uma emissão d’ O Lado Negro da Força. Até lá, recordamos aqui a conversa publicada no ano passado no Afrolink, e trazemos um novo ângulo à sua história, agora contada na primeira pessoa. Ora leiam!

por Anizabela Amaral

Cheguei a Portugal em junho de 1975 e festejei o meu 4.º aniversário no aeroporto enquanto esperávamos por um voo, entre milhares de pessoas que se aglomeravam nesse local.

Filha de pai português da região de Aveiro e mãe angolana do norte de Angola, de uma cidade que se chamava à época Vila Salazar. Atualmente chama-se Ndalatando.

Já em solo português acolheu-nos a família paterna na região de Aveiro, enquanto a minha mãe procurava um trabalho compatível com o que tinha em Angola, já que era professora.

Andei no infantário da pequena vila e fiz lá a 1.ª classe.

Mudei para a Póvoa de Santa Iria porque a minha mãe conseguiu colocação na função pública, na Faculdade de Ciências e Tecnologia, em funções de secretariado.

Estudei até ao final do ciclo preparatório na Póvoa de Santa Iria e iniciei o 7.º ano no Monte da Caparica onde estudei até ao 12.º ano, pois o trabalho da mãe mudou para a margem sul e conseguimos uma casa no Bairro do Picapau Amarelo, no Monte da Caparica.

Desde os 16 anos tive sempre trabalhos sazonais no turismo, restauração, animação noturna, tudo e mais alguma coisa.

Da faculdade de Direito para o SOS Racismo

Não estudava nada e tinha bons resultados, mas para entrar na universidade não resultou. Fui para uma universidade privada estudar direito em 1989, onde estive dois anos até se tornar impossível prosseguir os estudos.

Soube que umas vagas especiais para alunos provenientes dos PALOPS na universidade pública tinham ficado desertas, e mandei uma carta para lá a explicar a situação. Chamaram-me para uma entrevista e mudei da privada para a pública.

As dificuldades económicas para estudar era muitas e inscrevi-me no curso noturno para poder trabalhar de dia. Mantive diversas atividades em que já tinha experiência e comecei a trabalhar em estudos de mercado.

Terminei o curso em outubro de 1995, fiz o estágio de advocacia que concluí em julho de 1997. Em simultâneo fiz uma pós-graduação de estudos europeus no ano letivo de 1996/97.

 

Exerci advocacia de 1996 a 1999, incluindo o período de estágio.

Assim que terminei o curso em 1996, fiz-me sócia e voluntária do SOS. Mantinha algumas fontes de rendimento ao fim-de-semana.

Entre 1996 e 1998 o SOS criou o projeto Centro de Atendimento Informativo, com uma linha verde destinada a receber denúncias de situações de discriminação racial e prestar aconselhamento. Editámos uma Coletânea de Direito de Estrangeiros e um guia prático Guia de direitos e deveres dos estrangeiros.

Também promovemos ações de formação sobre direito de estrangeiros destinadas a assistentes sociais, técnicos de associações, juristas, polícias…

Dinamizava debates em escolas, quase sempre acompanhada no início e, quando não era possível, tinha que ir sozinha, o que me gerava muita ansiedade por causa das perguntas dos miúdos.

Entre abril de 1998 e novembro de 1998 participei numa formação em representação do SOS Racismo promovida pelo Conselho da Europa para empoderar jovens de minorias étnicas nos respetivos países. Na sequência disto surgiu o projeto “argumento para uma BD” que era como o meu bebé.

Também coordenei o Projeto Emprego Jovem que visava orientar os mais novos em matéria de educação, formação e emprego até junho de 2000. 

A educação antirracista como missão

Em setembro de 1999 iniciei um estágio para aceder à função pública, como oficial de justiça no tribunal da Moita. Passados 4 meses, ingressei e iniciei funções no tribunal de Almada. Assim que consegui o vínculo comecei a concorrer para a carreira técnica superior e tentava tudo, independentemente do Ministério.

Em 2003 consegui finalmente uma colocação numa área que não tinha nada a ver com o que eu tinha feito até à data (Instituto para a Inovação da Formação, extinto em 2006. Fiz muita formação para me adaptar e terminar o ano de estágio obrigatório com sucesso.

Fui fazendo sempre muita formação em período noturno, como formação de formadores e outras, que achava importantes para enriquecer o meu C.V. Estava constantemente a ser excluída de concursos porque não tinha os certificados que contavam na ponderação curricular.

Desde 2005 estou a trabalhar como jurista na área da proteção de dados pessoais, depois de ter concorrido a vários concursos internos na função pública para mudar de organismo, já que queria desempenhar outro tipo de funções.

Atualmente? Tenho uma postura de aproximação de muitos projetos que vou apoiando com a sua divulgação e sensibilização para que um maior número de pessoas se junte à causa antirracista. Procuro aliados que estejam interessados em escutar o que temos para dizer.

O facto de algumas pessoas me pedirem conselhos sem saberem por onde começar na desconstrução do racismo e xenofobia, fez-me pensar que devia criar um agregador de conteúdos em formato muito acessível, com vídeos de palestras, conferências, etc. sobre educação antirracista. Cada vez que alguém me contactava, tinha que andar à procura do documentário de Jane Elliott ou de Robin DiAngelo. Também me pedem conteúdos para crianças.

Refleti sobre a necessidade de uma espécie de biblioteca para agregar o que me fazia sentido e o meu filho de 9 anos criou-me um canal de YouTube, ensinou-me a carregar os vídeos, criou o banner, enfim, foi o meu maior aliado e deu-me imenso apoio. Ele tem uma conta e é o meu primeiro subscritor.

Nunca anunciei publicamente que tinha este canal agregador de conteúdos mas irei fazê-lo no Lado Negro. Não me movo por número de seguidores ou visualizações mas pela utilidade que cada conteúdo possa ter para quem os visualiza. Eu mesma vou fazendo a minha auto-formação e ampliando o meu conhecimento ouvindo quem mais sabe.

Futuro? Esperar um pouco mais para os rebentos ganharem asas e voltar à estrada para concorrer e procurar algo de que goste mais. Não se consegue conciliar a maternidade com três filhos e certas atividades profissionais, pelo menos da forma como quero estar presente.

 

O testemunho continua em directo, amanhã, a partir das 21h, n’ O Lado Negro da Força, no Facebook e no YouTube.