Da infância de Dona Aldina nasceu um livro, fiel à tradição santomense

“Uma mão lava a outra, para que as duas fiquem limpas” é uma das lições que Aldina Espírito Santo destaca em “Estória da Tartaruga e do Tluqui Sum Deçu”, conto tradicional presente na sua infância em São Tomé e Príncipe, e que traz agora para Portugal, em duas versões: português e crioulo forro. O Afrolink foi conhecer esta história, lançada no início do mês, em Lisboa, numa iniciativa da associação Mén Non, em parceria com o projecto editorial Falas Afrikanas. Para honrar tradições.

por Filipa Bossuet

Ao quintal da sua antiga casa, em São Tomé e Príncipe, Aldina Espírito Santo vai buscar as memórias da primeira história que escreveu e ouviu, quanto tinha seis anos.

Dona Aldina, como é respeitosamente tratada, recorda as gargalhadas que dava “quase todos os dias”, das 17h30 às 19h00, quando a mãe, a avó e os amigos mais velhos da irmã contavam histórias à luz da lamparina de óleo de palma. “Era uma coisa muito gira, e eu acho que esse é um dos momentos mais felizes da minha vida”, refere.

A lembrança é partilhada na sessão de lançamento do livro “Soya di Tataluga ku Tluki-Sun-Dêsu”, a tal primeira história da infância de Aldina Espírito Santo, agora publicada com a sua assinatura.

A versão escrita do conto tradicional santomense, recém-apresentada no Centro de Recursos DLBC Lisboa, nasce de uma iniciativa da Mén Non – Associação das Mulheres de São Tomé e Príncipe, em parceria com o projecto literário Falas Afrikanas.

Presente no lançamento, o Afrolink junta-se aos avós, pais, filhos e netos que, na tarde de 5 de Junho, conciliam agendas para conhecer a história de Dona Aldina.

Dupla de fantoches para animar a história

À espera, vários exemplares de “Soya di Tataluga ku Tluki-Sun-Dêsu” ou, na versão portuguesa, “Estória da Tartaruga e do Tluqui Sum Deçu”, dão as boas-vindas, vendidos dentro de saquinhos de organza e pano africano.

O ‘embrulho’ especial serve não apenas para conservar bem as páginas, mas para evitar que os dois fantoches que as acompanham se percam. Afinal, foram costurados à medida dos dois personagens do conto – uma tartaruga e um pássaro –, para trazer uma animação extra ao livro.

É exactamente isso que demonstra a encenação produzida por Diana, estudante da ACT- Escola de Atores, e Otília de Sousa, responsável pela elaboração dos fantoches e co-fundadora da Mén Non, associação criada em 2009.

Cada uma com o seu boneco, devidamente encaixado nos dedos, Diana e Otília mostram como os fantoches podem ajudar a contar a história. O efeito de entretenimento comprava-se pela atenção das crianças: de frente para a representação, sentadas sobre um pano africano estendido no chão, ouvem o conto atentamente, narrado pela voz de Dona Aldina.

Sob o espírito de comunidade e entre comunidades

Publicado em português e crioulo forro – sem que uma língua seja a tradução da outra –, o livro narra a história de uma tartaruga sem asas para voar, e do pássaro Tluki Sum Deçu. Uma dupla que ensina, na leitura de Dona Aldina, que “não devemos ser mal-agradecidos”, e que “uma mão lava a outra, para que as duas fiquem limpas”.

A associada mais antiga da Mén Non defende que o livro é uma forma de criar uma ligação, “uma hora em que as pessoas se juntam, conversam sobre coisas e contam histórias”, contribuindo para preservar um espaço de encontro dentro da família, que descreve como “célula mais pequena de uma sociedade”.

Esse é também o entendimento de Ernestina Sousa, outra associada da Mén Non, que fez questão de marcar presença no lançamento de “Estória da Tartaruga e do Tluqui Sum Deçu”, acompanhada do marido e dos dois filhos, que têm um e quatro anos de idade.

Ernestina refere ainda a vontade de incutir em casa o gosto pela leitura de contos tradicionais de São Tomé e Príncipe, o país onde nasceu, hábito que vê como uma via para a aprendizagem de expressões da língua nacional.

“Estes eventos são sempre uma oportunidade para eles estarem em contacto mais directo, com a nossa história, e para conseguirem ver alguma semelhança, relativamente a outras crianças que possam encontrar aqui”, acrescenta a santomense.

No final da apresentação, batem-se palmas, que ecoam sob o “espírito de comunidade e entre comunidades” descrito no livro que Dona Aldina autografa, e que reflecte o legado das mulheres Mén Non. Aqui orientado para recuperar “referências culturais”, perpetuar a tradição oral e promover o património linguístico de S. Tomé e Príncipe.

 

O livro “Estória da Tartaruga e do Tluqui Sum Deçu” pode ser comprado directamente à Mén Non, através de encomenda pela página Facebook da associação

E também mediante encomenda à Falas Afrikanas