Descolonizar este lugar à beira-mar enxovalhado – o alerta Joacine

O autocolante à porta do gabinete da deputada Joacine Katar Moreira na Assembleia da República (AR) reflecte muito do que tem sido a sua intervenção política. Nele lê-se “Descolonizar este lugar”, manifesto indissociável, entre outros posicionamentos, de dois dos últimos projectos de resolução que apresentou no Parlamento – um referente a sete painéis presentes na AR, o outro relativo às colecções públicas. Concorde-se ou não com as propostas, elas estão fundamentadas e cabem inteiramente no edifício da Democracia. Ainda assim, assistimos nos media a várias tentativas de as desvirtuar, e de as apresentar como um delírio de quem já deveria ter voltado para a sua terra. Pelo contrário, o apelo de um dirigente da extrema-direita para “desconizar” a AR, feito a partir da manipulação daquele autocolante à porta de Joacine, continua à espera de uma contestação digna desse nome. Como se as ideias não tivessem lugar na Casa das Leis, enquanto o ódio tem convite para entrar e ficar. Até quando? Analisamos mais logo n’ O Lado Negro da Força.

Texto por Paula Cardoso

Numa rápida pesquisa online, encontro três notícias sobre a mais recente manifestação de ódio da extrema-direita na Assembleia da República (AR). Para quem não sabe do que falo, fica a contextualização: de visita ao Parlamento, um dirigente chegano vê na mensagem “Descolonizar este lugar”, colada à porta do gabinete da deputada Joacine Katar Moreira, uma oportunidade para contrapor, documentando a sua vontade de “Desconizar este lugar”.

Sendo “este lugar” a AR, e cona uma palavra grosseira que se usa para definir o órgão genital feminino, a proposta de “desconizar” está completamente alinhada com a vontade chegana de castrar mulheres. Ainda assim, não ficar enojado com mais esta demonstração de misoginia – agravada pelo racismo-nosso-de- cada-ataque-a-Joacine-Katar-Moreira – é, na minha leitura, inconcebível.

Feito o enquadramento, retomo o ponto de partida: numa rápida pesquisa online, encontro três notícias sobre a mais recente manifestação de ódio da extrema-direita na Assembleia da República (AR). Apenas três, reforço: uma no Jornal de Notícias (que ouviu Joacine); outro no Observador, e outra no Notícias ao Minuto, que, entre outros elementos, reproduziram as declarações de Joacine ao Jornal de Notícias.

Continuo a busca noticiosa e descubro, nas redes sociais, um texto da deputada do PS, Isabel Moreira, publicado no Facebook, e um tweet de Daniel Oliveira, comentador político. De resto nada. Ou quase nada, se considerarmos agregar às reacções uma e outra manifestação de repúdio de cidadãos sem responsabilidades políticas.

“Todos os cidadãos têm de se sentir representados na Assembleia”

Pesa, por isso, sobre este assunto um silêncio desconcertante, a fazer ecoar em mim, mais uma vez – e têm sido demasiadas nos últimos tempos – uma das inquietações partilhadas por Martin Luther King: “O que me preocupa não é o ruído dos maus, mas o silêncio dos bons.”

Como vejo perfeitamente onde estão os maus que se dizem “de bem”, mas não consigo vislumbrar os bons, decido olhar para o outro lado.

O que encontro? Se o ódio racial e a misoginia  da extrema-direita – reiteradamente dirigidos a Joacine Katar Moreira – grassam quase sem contestação, as ideias da deputada para descolonizar o espaço público têm suscitado vários movimentos de indignação.

Fica um exemplo: enquanto só encontro três notícias online sobre “desconizar este lugar”, a pesquisa relativa à proposta de Joacine de “contextualização histórica crítica das pinturas do Salão Nobre da Assembleia da República” conduz-me a várias páginas de resultados. Paro na terceira, depois de navegar por inúmeros artigos que reforçam a necessidade identificada por Joacine Katar Moreira, e partilhada em entrevista ao Público.

“Não podemos ter uma visão do mundo que aceita e que normaliza a superioridade de uma cultura sobre outra na sala de visitas da casa da democracia sem uma explicação. Não podemos”, reiterou a deputada ao jornal, acrescentando: “Todos os cidadãos têm de se sentir representados na Assembleia e ela deve dar o exemplo quando se trata de condenar a violência colonial e a herança que ela deixou na sociedade, nas mentalidades.” 

Porque quando falha a Assembleia na defesa da democracia, falhamos todos.

Um tema ao qual voltaremos mais logo, n’ O Lado Negro da Força. Para ver a partir das 21h, no Facebook e no YouTube