Despejos sem lei: carta expõe abusos na gestão da habitação pública na Amadora

A Câmara Municipal da Amadora é acusada de gerir a habitação pública de forma abusiva, avançando com uma política de despejos ao arrepio da lei, no bairro do Casal da Boba. A prática está detalhada numa Carta Aberta, que o Afrolink divulga na íntegra, e onde se apresenta o caso de uma moradora de 80 anos, sob ameaça de ficar sem tecto porque recusa a mudança para um T0. “É inaceitável que se retire a casa a pessoas com mais 60 anos de idade, destruindo a sua rede de apoio na vizinhança, as suas memórias e afetos”, sublinha-se na carta, exigindo-se, entre outras reivindicações, que a autarquia “suspenda as decisões de execução fiscal e faça um trabalho de articulação com a Comissão de Moradores para que cada família possa ter uma proposta de regularização de dívida justa, com possibilidade de ser cumprida, com prestações adequadas aos rendimentos e despesas familiares e ao contexto atual de inflação e subida dos preços”. Subscrevemos!
Carta Aberta: “Otimizar a habitação” na Amadora, à custa de desalojamentos e transferências no Bairro Casal da Boba? 

Os moradores do bairro Casal da Boba estão a braços com graves problemas devido à forma abusiva como a Câmara Municipal da Amadora (CMA) faz a gestão da habitação pública, com ameaças de despejo por incumprimento de pagamento de acordos de regularização de dívida de rendas, impossíveis de cumprir, bem como decisões de transferência coerciva para adequação de tipologia habitacional. Tudo isto por carta, sem direito de resposta, sem escuta, sem respeito pelo direito constitucional da habitação e com uma total ausência de relação e proximidade que seria desejável entre senhorios e inquilinos que, neste caso particular, são o Estado e as e os cidadãos. A presidente da Câmara da Amadora chama a isto “otimizar o parque habitacional”.

De facto, há famílias com rendas em dívida. De facto, há casas com famílias que têm agregados menores do que a tipologia habitacional onde residem. No entanto, uma e outra situação têm circunstâncias concretas e não são resultado do abuso do direito à habitação pública. Os moradores devedores querem pagar as suas dívidas. Querem pagá-las com o dinheiro que lhes sobra depois de pagarem a renda, a água, a eletricidade, o gás, o passe, a alimentação e as despesas de saúde. É esse o dinheiro que têm para pagar as dívidas de rendas. Mas a CMA apresenta planos de pagamento de dívida em prestações, pré-determinados com 24 ou 48 prestações, numa carta fria, independentemente do rendimento das famílias.

Também há quem viva no bairro há mais de duas décadas, já ocorreram falecimentos de cônjuges e saídas de filhos que se autonomizaram. Segundo a Lei nº 32/2016 de 24 de agosto, que rege o contrato de arrendamento apoiado (a habitação pública), o senhorio “pode” fazer a transferência por desadequação de tipologia. “Pode” não é obrigar. “Pode” é propor e, se inquilino não aceitar, não é obrigado. Há o caso de uma moradora de 80 anos de idade a quem se deu um novo contrato de arrendamento para assinar, de uma casa T0 para onde essa moradora não quer ir, nem é obrigada, a ser transferida. Mas se não for, diz a CMA, fica sem casa. Sem teto. É inaceitável que se retire a casa a pessoas com mais 60 anos de idade, destruindo a sua rede de apoio na vizinhança, as suas memórias e afetos.

Perante isto, a Comissão de Moradores do Casal da Boba e os signatários desta carta exigem à CMA:

– que suspenda as decisões de execução fiscal e que faça um trabalho de articulação com a Comissão de Moradores para que cada família possa ter uma proposta de regularização de dívida justa, com possibilidade de ser cumprida, com prestações adequadas aos rendimentos e despesas familiares e ao contexto atual de inflação e subida dos preços;

– que reveja a minuta do seu contrato de arrendamento, nos termos da Lei e faça o ajustamento às alterações legislativas efetuadas desde 2016 que determinam a possibilidade de se efetuarem transferências, e não obrigatoriedade. Os munícipes têm direito à habitação arrendada e também ao habitat. Assim diz a Lei de Bases!;

– que ponha fim ao clima de ameaça e à comunicação burocrática indecifrável por carta. O conteúdo da comunicação escrita tem que ser explicado e adequado a uma população com baixa escolaridade;

No concelho da Amadora despejam-se uns ilegalmente para realojar outros, procurando assim não investir mais em habitação pública. Este tem sido o método adotado desde os primeiros realojamentos em 1993 no âmbito do PER até à presente data. Com o problema da habitação agravado por todo o país devido à especulação imobiliária, ao aumento de custo de vida e aos baixos salários deixando o direito à habitação na mão do mercado, prejudicam-se os grupos mais vulneráveis. São eles que ficam sem casas para que o Estado consiga continuar a não fazer qualquer investimento em habitação pública condigna!

 

Signatárias/os:

Alcinda Moreno (Moradora)

Ana Baessa de Pina (Moradora)

Cesária Armezinda de Oliveira (Moradora)

Francisco Ferreira (Morador)

Herminigildo Gonçalves (Morador)

José Santos Fortes (Morador)

Maria Varela (Moradora)

Pedro Lopes Fernandes (Morador)

Cesaltina Lopes (Comissão de Moradores):

José Baessa de Pina (Comissão de Moradores)

Nadine Rosário (Coletivo de Teatro Peles Negras, Máscaras Negras)

Raquel Salvador (Coletivo de Teatro Peles Negras, Máscaras Negras)

Xullaji, Nuno Santos (Coletivo de Teatro Peles Negras, Máscaras Negras)