Dói, dói, um tapinha já dói? E as palavras, quanto pesam de violência e trauma?

Já muito se disse e escreveu sobre a bofetada (soco, dizem alguns) que o actor Will Smith deu ao comediante Chris Rock na última cerimónia dos Óscares. Mas, leituras passionais, estruturais, julgamentos e especulações à parte, quanto se reflectiu sobre os excessos verbais que, a pretexto de risadas, nos habituámos a consentir? Da mesma forma que Chris Rock deveria ser capaz de fazer humor sem explorar a alopecia de Jada Pinkett Smith – doença que está na origem do seu look capilar –, também o marido desta, Will Smith, deveria ser capaz de expressar o seu desagrado sem recorrer à estalada. Entre o deveria isto e o deveria aquilo, alguém está em condições de “cantar vitória”? Analisamos mais logo n’ O Lado Negro da Força.

por Paula Cardoso

O problema está na insensibilidade da piada, que nem sequer teve graça, aponta-se de um lado. Que sirva de exemplo, para que os humoristas percebam que não vale tudo em nome da comédia.

Não, esperem! Afinal o problema está na reacção à piada, manifestamente desproporcional, assinala-se de outro lado, entre manifestos pela liberdade de humorizar. O que seria da comédia se cada pessoa que se sentisse atacada ou ofendida desatasse à estalada ao comediante?

Nada disso, ouve-se também! O problema está na tentativa de legitimar a violência, a pretexto da salvaguarda “cavalheira” de uma tal de honra de uma dama ofendida.  Onde é que já se viu saírem em defesa de um homem que agride “apenas e só” porque a mulher revirou os olhos a uma piada?

Não! Outra vez não, atira-se igualmente! O problema está em colocar o episódio na ordem do dia, quando o mundo está cheio de “problemas de verdade”. Então e a guerra na Ucrânia acabou?

A sério? Mas então, discute-se ainda, não se vê logo que o problema está na circunstância de não suportarmos ver uma mulher negra ser defendida de um ataque? Afinal, ela aguenta tudo, porque é “guerreira”.

Cada um assente na sua verdade absoluta, todos os problemas se cruzam num festival de julgamentos sumários de condenação, sem que se considere a humanidade como circunstância atenuante.

Seja porque tudo aconteceu em directo perante milhões de espectadores. Seja porque Will Smith é exemplo para outros tantos. Seja porque Chris Rock já andava a abusar há demasiado tempo. Seja porque é inadmissível que a organização não o tenha encaminhado o Will Smith para a rua. Seja porque é incompreensível que o actor ainda tenha subido ao palco para receber o Óscar. Seja porque a Jada Pinkett Smith é que deveria ter assumido as suas dores, em vez de instigar o marido a fazê-lo. Seja porque quem vai à cerimónia dos Óscares deve ir com jogo de cintura para lidar com piadas corrosivas. Seja porque somos todos perfeitos juízes do comportamento alheio. Mas, e quando o desacerto nos toca?

Porque é que somos tão assertivos e velozes a condenar a violência física – e bem –, e insistimos em minimizar a violência verbal?

O confronto que aconteceu na noite dos Óscares já deu muito que falar – inclusive um pedido de desculpas de Will Smith –, mas quanto de escuta se activou em nós?

Vale tudo em nome do humor? O que é uma “piada inocente”? Um punho causa mais dor que um punhado de palavras ofensivas?

Acredito que não. A reflexão prossegue mais logo n’ O Lado Negro da Força.

Para ver a partir das 21h, em directo no Facebook e no YouTube.