Doula a quem escolher: a experiência para um parto positivo, cheio de opções

O nascimento do primeiro filho despertou Carolina Coimbra para a importância de uma rede de suporte que acompanhe as mulheres durante a gravidez, o parto, e após a saída da maternidade. A experiência, vivida há três anos, foi de tal forma impactante que a mãe do pequeno Alexandre se especializou em prestar esse apoio, tornando-se  “A minha, a nossa Doula Carolina”.

por Paula Cardoso

Se o vosso parto desse um filme, de que género seria? A pergunta, colocada no plural para incluir os pais neste grande ecrã, parecia destinada a uma única resposta na estreia de Carolina Coimbra na maternidade.

“Todas as histórias que ouvia eram horríveis, muito más mesmo”, rebobina a hoje mãe do Alexandre, parando numa série de relatos de drama e terror. “Começa com a mulher a planear um parto natural, passa por indução, passa por epidural, e no final acaba em cesariana”, resume, já salva desse desfecho angustiante.

“Decidi que não iria passar pelo processo de dor e sofrimento que me iam contando, por isso comecei logo a procurar informação”.

Determinada em viver a gestação consciente de todas as fases, chegar à maternidade segura das suas escolhas clínicas, e não descurar os cuidados pós-parto, Carolina encontrou tudo o que procurava numa única figura: a doula.

“Até aí tinha uma ideia meio distorcida. Para mim as doulas eram para pessoas que queriam partos em casa, para pessoas mais alternativas”, admite.

Movimento Parto Positivo

A leitura inicial, definitivamente afastada a partir da descoberta do Positive Birth Movement (Movimento Parto Positivo), deu lugar a uma nova visão, hoje convertida numa missão de vida.

“O meu pós-parto foi muito difícil. Fez-me perceber a importância do acompanhamento especializado”, nota a mãe do pequeno Alexandre, há cerca de ano e meio dedicada a retribuir todo o apoio que recebeu.

“Fiz a formação de doula porque acho muito importante que cada vez mais mulheres tenham acesso a uma rede de suporte”.

Socióloga de formação, com experiência profissional em consultoria informática, e actualmente ocupada também com a gestão de um turismo rural, a lisboeta de 34 anos apresenta-se cada vez mais como “A minha, a nossa Doula Carolina”.

A identidade plural explica-se na primeira pessoa: “Eu sou a Carolina, doula para a mãe, mas também para o pai e para os irmãos, por isso, escolhi este nome, serei a doula de toda a família”.

Apoio na gravidez, parto e pós-parto

Com um acompanhamento que pode durar toda a gravidez e prosseguir após o nascimento dos bebés, a especialista disponibiliza informações sobre a gestação, opções clínicas para o parto, partilha dicas práticas – por exemplo, para gerir refeições, tarefas domésticas e cuidados neonatais –, e providencia massagens e actividade de relaxamento, entre outros serviços.

Seja qual for a oferta, a “minha e nossa doula” destaca um dos grandes benefícios: a adequação do suporte a cada caso.

“Acaba por ser uma preparação para o parto personalizada, e, além disso, a doula está sempre disponível para a família.”

A diferença foi comprovada durante a própria gravidez, na busca por cuidados pré-natais. “A minha experiência com a preparação para o parto fez-me valorizar ainda mais o apoio individual”, assinala, já à espera do segundo filho.

Apesar de reconhecer a mais-valia do contacto com outras famílias, a doula constata que as dinâmicas próprias dos grupos tendem a expor clivagens. “Podemos passar uma sessão a falar de coisas sobre as quais não temos tantas dúvidas”.

A antiga consultora informática explica que optou por um serviço privado, em vez de recorrer ao centro de saúde, na esperança de que esse trabalho preparatório pudesse ser mais personalizado, algo que não se confirmou.

O poder de escolher o parto

Por isso, a partir das 15 semanas de gravidez, a doula passou a ser a escolha de eleição, não apenas para evitar mais um filme de terror sobre a gestação e o parto, mas também para despertar novas consciências e, com elas, sensibilizar todos para a adopção de outras práticas clínicas.

“Consegui perceber porque é que muitas das outras pessoas com quem fui falando tiveram más experiências. Isso acontece porque, infelizmente, a maior parte das mulheres não está informada sobre o próprio corpo”, defende a doula, educada e reeducada a partir do Movimento Positive Birth.

Originário do Reino Unido, o projecto chegou a Lisboa em 2016, para, uma vez por mês, promover encontros focados numa “experiência positiva de nascimento”.

Pode ser no hospital, em casa, com ou sem intervenção médica, o importante, sustenta o movimento, é que a mulher ocupe o centro, que seja ela a decidir onde e como tem o seu bebé.

“Significa um parto onde a mulher sente que tem liberdade de escolha, acesso a informação fidedigna, e que está em controle da sua experiência, poderosa e respeitada. Um parto em que ela até pode pensar com algum nervosismo, mas sem medo ou receio, e que depois chega a gostar, e mais tarde a lembrar com orgulho e prazer”, descreve o Positive Birth, na sua apresentação online.

Combater excessos cirúrgicos

Das palavras à prática, Carolina encontrou nesses encontros pilares de conhecimento que, em conjunto com o acompanhamento da sua doula, a deixaram segura para defender as suas preferências.

“Antes, não tinha ideia de como funcionava o nosso corpo, desconhecia as hormonas que produzimos durante o trabalho de parto, não tinha mesmo ideia nenhuma. E o que acontece é que quando não sabemos nada acabamos por aceitar o que os médicos escolhem para nós, e nem sempre temos de o fazer. Tomamos por necessários procedimentos que muitas vezes não o são”, assinala a socióloga.

Um exemplo clássico dos excessos cirúrgicos é a episiotomia, prática já desaconselhada pela Organização Mundial da Saúde.

“Tornou-se normal os médicos ou parteiras recorrerem a um corte no períneo [região entre o ânus e a vagina], para terem uma maior abertura para a saída do bebé”, aponta Carolina, acrescentando que essa é uma de muitas opções que continuam a ignorar a dor e sofrimento da mulher.

“As consequências da episiotomia são muito más. Por um lado, as mulheres podem ficar incontinentes, por outro, isso também pode prejudicar a relação sexual”, nota, alertando para os efeitos colaterais sobre o prazer feminino.

Rede de suporte emocional

A par do suporte sobre procedimentos clínicos, e para lidar com uma série de questões práticas relacionadas com a gravidez, parto e pós-parto, a doula sublinha que o apoio emocional é fundamental.

“Da minha geração, quase todos cresceram com avós por perto, tias/os, primas/os. Fomos criados por uma ‘aldeia’”, observa Carolina, na sua página profissional, lembrando que o que antes era regra hoje se tornou excepção.

“Os avós ainda trabalham, as tias/tios e as/os primas/os também estão a trabalhar, a maior parte das pessoas estão longe umas das outras, umas porque emigraram, outras porque mudaram para cidades diferentes, outras porque simplesmente o tempo livre para ajudar já não é o mesmo, é cada vez mais escasso”.

Formada pela Nurturing Birth para ajudar a preencher o desfalcado retrato de família – que no seu caso inclui a irmã mais velha noutra cidade, e a mãe e a irmã mais nova noutro país –, Carolina realça que não há poses universais.

“O que funciona para uma mulher não tem de funcionar para outra”, destaca, alertando para um trabalho de consciencialização individual.

“Com o meu trabalho, quero contribuir para que todas as mulheres estejam informadas, e para quem saibam que podem escolher o parto que vão ter, seja ele no público ou no privado”.

 

Resistência hospitalar

O cenário está ainda longe da realidade, desde logo porque a maioria das mulheres dá à luz em hospitais públicos, onde o papel da doula nem sequer é reconhecido.

“As equipas clínicas não nos consideram parte do processo. Nalguns casos, acham que estamos a tentar tirar o seu trabalho, quando a nossa única motivação é ajudar”.

A resistência nesse acolhimento acaba por desviar muitas mulheres do hospital da área de residência, como aconteceu com Carolina, que, apesar de viver a 10 minutos de uma maternidade, escolheu ter o filho na Margem Sul do Tejo, para garantir a presença da doula na sala de parto.

“A forma como temos os bebés define muito a relação que vamos desenvolver com eles a seguir”, defende, focada em humanizar a experiência. “Apesar de termos de ser fortes, estamos muito frágeis”.

A diversidade cultural e a saúde materna

A par de uma maior sensibilidade para as questões clínicas associadas à gravidez e ao parto, a doula alerta para o peso das diferenças culturais neste contexto.

Num artigo publicado na página da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto, à qual está ligada, a socióloga observa que existe a ideia de que as mulheres negras “são fortes e aguentam bem as dores”.

Além disso, “em Portugal, as mulheres imigrantes e de grupos de minoria étnica tendem a ter mais bebés prematuros e/ou de baixo peso”, refere Carolina nesse texto, intitulado A Diversidade Cultural e a Saúde Materna.

Citando conclusões de dois estudos, a doula explica que isso acontece por “desconhecimento sobre o funcionamento do sistema de saúde”, levando a que “a vigilância e o acompanhamento à gravidez” surja tardiamente.

Esta realidade é agravada pela pobreza e discriminação social, e ainda pela falta de preparação “dos/as funcionários/as das instituições de saúde acerca das leis vigentes, que incluem os imigrantes no acesso gratuito à saúde materno infantil”.

Em busca de mais dados para influenciar uma mudança, Carolina lançou um repto nas redes sociais. “Seria muito interessante podermos estudar mais a área da saúde materna em Portugal nas mulheres negras. Alguém se sente desafiado?”.

Cerca de três meses depois, quatro especialistas responderam ao repto. O resultado, confia a doula, vai trazer nova e importante luz sobre esta temática. Para que o filme do parto saia de uma vez por todas dos cartazes de terror.