“Chegou a hora de saber quem somos como negros, para educarmos as crianças com uma identidade forte e segura”

Formadora e consultora educacional, Georgina Angélica partilha com o Afrolink o foco da sua intervenção: “Tenho a visão e missão de empoderar educadores, africanos e não só, tanto a nível pessoal como profissional, e assim contribuir para uma educação mais feliz, equitativa, e com mais representatividade”.
por Paula Cardoso

“Como me vou valorizar se não me vejo representada naquilo que estou a aprender na escola?”.  Atenta aos efeitos da invisibilização negra sobre a construção da identidade na primeira infância, Georgina Angélica – a voz entre as aspas de interrogação – posiciona-se.

“Chegou a hora de sabermos bem quem somos como negros, para educarmos as nossas crianças com uma identidade forte e segura de quem são”, defende, realçando o impacto potencial desse processo para a auto-estima dos mais novos.

“As crianças não nascem a sentirem-se diferentes umas das outras. Isto depois é passado. E é passado como? É passado nas famílias, numa estrutura e sistema educativo que está super ultrapassado, e também nos media”, nota a formadora e consultora educacional, alertando contra a proliferação de narrativas de medo e de ódio em relação ao que é diferente.

“Há um trabalho que tem de ser feito, a nível pedagógico, cultural, social, político e económico, e que tem de começar já. Não podemos chegar a 2030 e ainda nos estarmos a debater com essas mesmas questões”.

Empenhada em ser parte dessa mudança, Georgina lembra que “a missão é muito maior do que qualquer um de nós”, ao mesmo tempo que “é um legado que iremos deixar a todas as crianças, das nossas famílias e não só”.

“Se, desde cedo, todos se virem representados nos livros, nas actividades, nos temas que são abordados, vão perceber que todos têm capacidades, que todos têm direito às mesmas oportunidades”, acredita a consultora, confiante no poder da formação para gerar esta força transformadora.

 

“Tenho a visão e missão de empoderar educadores, africanos e não só, tanto a nível pessoal como profissional, e assim contribuir para uma educação mais feliz, equitativa, e com mais representatividade”.

O propósito inspirou a criação da marca “Georgina Consultora”, no terreno em Angola há cerca de um ano, e em processo de implementação em Portugal.

“É interessante, regressar ao país ao fim de tantos anos fora, e perceber que ainda há tanto trabalho a ser feito, e não só ao nível da educação infantil”, observa a formadora.

Inglaterra, EUA e Itália na rota de especialização profissional

Portuguesa com raízes em Cabo Verde, Georgina emigrou por mais de uma década, dividida por cerca de quatro anos em Inglaterra e quase oito em Luanda.

Nesse período, juntou à licenciatura em Sociologia do Trabalho, com especialização em Políticas de Recursos Humanos, pelo Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, a formação em Educação Infantil em Inglaterra, pela London Metropolitan University.

A formação académica inclui ainda uma Pós-graduação em Intervenção Social com Crianças e Jovens em Risco pela Universidade de Serviço Social de Lisboa.

Aos Estudos Superiores, a consultora junta vários cursos e seminários internacionais. Com destaque, entre outros, para os ensinamentos sobre a Pedagogia de Reggio Emilia (Itália), o Papel das Artes na Educação (EUA, Nova Iorque), a Educação Pré-escolar (EUA, Miami) e as formações online em Princípios de Mindfulness e Fundações para a Felicidade no Trabalho.

 

“Estamos numa era em que precisamos de estar abertos a novas abordagens, até mesmo de tudo aquilo que já foi estudado”, defende Georgina, alertando para a necessidade de actualização do sistema de ensino.

“A aprendizagem no sentido mais técnico é importante, mas a criança não se vai recordar do educador pelo alfabeto que aprendeu com ele. O que vai ficar nas suas recordações é a forma como a fez sentir”, explica a especialista, enquanto introduz o conceito de diferenciação pedagógica.

“Trata-se de reconhecer a individualidade de cada um, porque não podemos ter as mesmas estratégias para todas as crianças”.

O apelo à abordagem diferenciada é um dos pilares da intervenção desta profissional, estrategicamente focada na primeira infância.

“Se a fase crítica do desenvolvimento infantil acontece dos zero aos seis anos, não se percebe que continuemos a apostar no ensino apenas a partir da primária”, aponta, defendendo um maior investimento no sistema pré-escolar.

Para começar, a consultora sublinha a necessidade de se valorizar o educador de infância, afastando-se a ideia de que o seu papel é acessório, porque “apenas” brinca.

“A importância das brincadeiras como estímulo à aprendizagem é reconhecida até mesmo ao nível das neurociências”, nota Georgina,  lamentando que esta continue a ser uma realidade ignorada, desde logo pelos pais, que, com a entrada dos filhos no pré-escolar, descarregam uma série de pressões nos educadores. “Já sabe o alfabeto? Já está a ler? Já está a escrever?”.

Segundo a formadora educacional, “é preciso passar a informação de que não se saltam etapas”, demonstrando-se que “aprendemos melhor se nos estivermos a divertir”.

Capacitação técnica e desenvolvimento emocional

Ainda assim, “mesmo que os profissionais tenham consciência disso,  muitas vezes deixam-se levar pelos pais”, observa a consultora, determinada em contrariar essa tendência com a oferta de formações que vão além da capacitação técnica.

“Trabalhar o desenvolvimento emocional é fundamental, porque sei – pelos meus estudos e pela minha experiência pessoal – que as emoções têm impacto em tudo na nossa vida”.

No caso da Educação Infantil, esse efeito torna-se ainda mais preponderante porque influencia outras histórias, ainda por cima em processo de construção.

“Por isso não basta focar na parte profissional. É preciso perceber como a pessoa se sente, como se desenvolveu emocionalmente, como viveu a infância, aquilo que teve impacto menos positivo nessa fase, aquilo que lhe foi dito pelos adultos à sua volta, e como eles se comportavam”, descreve Georgina, explicando que esse exercício retrospectivo é vital para um educador reconhecer as implicações de ter menores ao seu cuidado. 

“Promover estratégias que ajudem as crianças a se auto-conhecerem, a lidarem com as suas emoções, a aceitar o outro, a respeitar opiniões e escolhas diferentes das suas, parte de um trabalho que nós adultos e educadores temos de fazer connosco mesmos”.

Até à criação de uma escola que tenha como centro a família e o aluno. Com recursos à medida de cada necessidade.