Estátuas à presença africana em Lisboa, num roteiro de visitas com História

A pé ou de tuk tuk, pela zona ribeirinha da capital portuguesa, pelas suas colinas, e pelos bairros Alto e do Mocambo, as visitas guiadas “Espaços da Presença Africana em Lisboa”, realizadas pela Associação Batoto Yetu Portugal, revelam-nos figuras e lugares ainda sem expressão nos currículos de História, mas já com estátuas e placas num roteiro de celebração ancestral. Em construção!

por Afrolink

O nome de Marquês Sá da Bandeira pronuncia-se na estátua que desde 1884 fixa morada na Praça D. Luís I, junto ao mercado da Ribeira, em Lisboa. Aos seus pés, sem identidade legível, uma mulher de andar parcialmente agrilhoado carrega uma criança ao colo.

Dela se diz que representa todos os escravizados de África, leitura que ressalta das correntes que ainda conserva, e do facto de o monumento homenagear a figura que, a 10 de Dezembro de 1836, proibiu o tráfico de escravos em todas as possessões portuguesas.

Mas se a referência a Marquês Sá da Bandeira é facilmente verificável em manuais de História, as menções à mulher são bem reveladoras da invisibilização da herança africana no ensino em Portugal.

Além de surgir destituída da sua pertença étnica – os traços faciais em nada nos sugerem estarmos na presença de uma pessoa negra –, nem no momento da libertação a pretensa escravizada tem direito à sua individualidade.

Presença Africana em estátua e placas

Para reverter este e outros apagamentos históricos, a Batoto Yetu Portugal realiza as visitas guiadas “Espaços da Presença Africana em Lisboa”, roteiro que, em breve, será enriquecido com a colocação de placas identificativas nas ruas, e também “uma ou duas estátuas” sobre essa herança, indica José Lino.

Segundo o coordenador de projectos da associação, todos os passos estão a ser dados para que, até ao final do ano, esses testemunhos do legado afro povoem o espaço público da capital portuguesa.

O responsável sublinha que todas essas referências do passado resultam do trabalho desenvolvido em articulação com a historiadora Isabel Castro Henriques, investigadora e autora que há quase cinco décadas estuda as ligações dos africanos com a sociedade portuguesa.

A par do contributo da especialista para converter a presença africana em Lisboa em visitas guiadas, há também um livro que a documenta, e que pode ser adquirido através da Batoto Yetu.

Pelas suas páginas percorrem-se os circuitos que integram o programa de passeios, inaugurado em 2016, com três opções: Lisboa Ribeirinha; Lisboa das Colinas; e Do Bairro Alto ao Bairro do Mocambo.

Ao trio de alternativas, que podem ser feitas a pé ou de tuk tuk, junta-se ainda a possibilidade de personalizar as visitas, pensadas para grupos, mas também ajustáveis à medida de uma pessoa.

Novo capítulo histórico à vista

Sejam quais forem as preferências, o objectivo é “dar a conhecer a africanidade de Lisboa, dispersa numa pluralidade de memórias e de vestígios visíveis e invisíveis nos dias que vivemos”.

A intervenção, revela a Batoto Yetu, visa igualmente educar estudantes para um legado ainda sem espaço nos currículos portugueses.

“Durante o ano lectivo 2018/2019, a Associação promoveu visitas guiadas a título gratuito junto de alunos do 2.º e 3.º ciclo da Casa Pia de Lisboa”, indica a Batoto Yetu no seu site, acrescentando que a intervenção junto dos estudantes pretende contextualizar “melhor a sua aprendizagem sobre a História de Portugal”.

Para o futuro, José Lino antecipa a abertura de novos capítulos.

“Sabemos pouco sobre o período anterior ao século XV, que também tem uma forte presença africana, com um impacto bastante interessante”, assinala, lembrando que há muita herança para resgatar antes da escravatura e colonialismo.

“Há que falar de onde vêm as pessoas, sobre o que tinham antes e o que aconteceu para chegarmos aí”, complementa.

Enquanto as novas páginas não se abrem, as visitas que cobrem o período a partir da Lisboa quinhentista prosseguem. “Podem ser marcadas a qualquer dia e a qualquer hora”, convida José.

Para agendar visitas guiadas com a Batoto Yetu enviem email com dia, hora e número de participantes para batotoyetu@gmail.com