Joãozinho move destinos com “Duas Peças de Xadrez”, num tabuleiro de libertação

A partir do Centro de Experimentação Artística do Vale da Amoreira, o espaço que Joãozinho da Costa diz ser também a sua casa, o actor conta ao Afrolink como chegou a “Duas Peças de Xadrez”, a primeira obra de teatro da sua autoria. Inspirada em histórias do Bairro do Vale da Amoreira, no concelho da Moita, a criação estará em cena nos dias 23 e 25 de Junho, às 21h00, no Fórum Cultural José Manuel Figueiredo.

por Filipa Bossuet

“O que me fascina é deixar a minha pessoa de lado, e ir à procura da história de outras pessoas”, afirma o actor e agora encenador Joãozinho da Costa, quando questionado sobre o que o faz escrever, para além de representar. Nessa busca, as respostas encontradas apontam, na maioria das vezes, para a mesma direcção: “As pessoas não têm uma família estruturada”. 

A partir daquilo que observa e ouve, Joãozinho cria em palco, caminho que descobriu, em 2015, desde o primeiro contacto com o mundo da representação, na oficina de teatro ““Agora, faz tu!”, do actor Rui Catalão. A experiência aconteceu no Centro de Experimentação Artística do Vale da Amoreira, no concelho da Moita, quando ultrapassou “um período muito complicado” da sua vida, ao ter de desistir da licenciatura em Arquitectura, por não conseguir pagar as propinas.  

Da estreia na oficina de teatro até “Duas Peças de Xadrez”, a primeira peça de teatro da sua autoria, Joãozinho participou como actor nos espectáculos “E Agora Nós!”, “Assembleia”, “Hipnotismo, Amadorismo, Jornalismo”, “Último Slow” e “A Rapariga Manjako”, inspirado na sua história de vida, e no qual assumiu o papel de protagonista. 

“Antes desse processo de pesquisa para a peça, a minha relação com a minha cultura estava um pouco distante, e o personagem que interpreto demonstra isso: num determinado momento, ele estava a tentar fugir da sua própria cultura. Mas não tinha escapatória, porque quanto mais pensasse que estava longe, mais próximo ficava”, conta o actor, que nasceu e viveu até aos 12 anos na Guiné-Bissau, de onde transporta a herança cultural Manjako, presente na Ilha de Cacheu. 

A relação “mais vincada” com a identidade, bem como as experiências na faculdade e também no Algarve, onde viveu dois anos como jogador de futebol, e de onde trouxe perspectivas diferentes das do Bairro do Vale da Amoreira – morada de grande parte dos seus 30 anos de vida – sobem ao palco em “Duas Peças de Xadrez”. 

Em cartaz nos dias 23 e 25 de Junho, às 21h, no Fórum Cultural José Manuel Figueiredo, situado na Baixa da Banheira, a obra resulta de um desafio lançado a Joãozinho da Costa por Pedro Barreiro, programador no espaço Rua das Gaivotas 6.

Histórias do Vale da Amoreira: Da observação à criação 

“Duas Peças de Xadrez simboliza o facto de as pessoas, principalmente dentro dos bairros sociais, serem instrumentalizadas pela sociedade, como se fossem meros peões. O objectivo é trazer a realidade destes espaços e, ao mesmo tempo, dar uma perspectiva diferente daquela que é apresentada pelo sistema”, descreve o autor, alertando contra uma engrenagem opressiva, “que funciona para que façamos as mesmas escolhas, e paremos todos no mesmo sítio, que é fatal”.

Depois de ter despertado para outros caminhos, a partir das experiências universitária e algarvia, Joãozinho decidiu mostrar, em cena, que todos temos “a possibilidade de pensar por nós próprios”, e de nos libertarmos dos movimentos que o “tabuleiro” impõe.

A escolha de um destino de emancipação é vivida na peça por Kieza, uma jovem de 17 anos que não deixa que os inúmeros problemas dos seus irmãos, Quintino e Flaviano, a impeçam de continuar a estudar.

Com temáticas como a perda precoce da figura paterna, o abuso policial e o consumo de drogas, “Duas Peças de Xadrez” reflecte as observações que Joãozinho foi fazendo no Bairro do Vale da Amoreira.

“Uma das pessoas que inspirou a criação da peça foi presa, e quando saiu da cadeia estava completamente desfigurada. Isso mexeu comigo, quis saber o que aconteceu para deixar aquela pessoa naquele estado. Dessa pesquisa surge o personagem Quintino, um rapaz problemático que é sujeito a doses excessivas de um medicamento [indicado no tratamento de quadros de esquizofrenia], e que entra na prisão no momento em que Flaviano sai, o irmão mais velho que estava preso por assalto”.

Já Kieza, apresentada pelo autor como “estrutura da peça”, simboliza a “esperança, determinação e foco”, na ruptura com o sistema.

Além de assinar o texto e encenação de “Duas Peças de Xadrez”, Joãozinho da Costa integra o elenco de actores, alargado a Luís Mucauro e Rolaísa Embaló, enquanto os apoios à criação e dramaturgia dividem-se, respectivamente, por Madiu Furtado e Rui Catalão.

Da peça, falada em três línguas – Mandjako, Crioulo e Português –, podemos esperar “muita cultura”, garante o criador, adiantando que, quem vive ou viveu no bairro Vale da Amoreira também vai encontrar “uma identificação muito grande com as vivências”.

Para o futuro, Joãozinho tem planos de levar a peça “Duas Peças de Xadrez” a mais espaços, e transformá-la em minissérie. Ao mesmo tempo, prepara outra obra teatral, intitulada “Filho de Txon”, em português “Filho da Terra”, e que se encontra em fase de pesquisa. A cada acção apresentada, o criador faz questão de destacar o trabalho de equipa envolvido. “Quando digo que tenho projectos, é porque temos. Falo sempre em mais pessoas, nunca apenas em nome próprio”.

 

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