José Semedo Fernandes enfrenta a violência policial com a lei, e a força BSF

Filho do já demolido Bairro de Santa Filomena, que se situava no centro da Amadora, José Semedo Fernandes encontrou aí o sentido de comunidade que o moldou para a vida, ao mesmo tempo que ganhou consciência de que, aos olhos da polícia, carrega na pele negra uma sentença: “Um preto é sempre um suspeito”, apontou-lhe em tempos um agente. Contra essa e outras injustiças, José fez-se advogado, tornando-se uma das figuras mais activas no combate ao racismo em Portugal. Para conhecer amanhã, a partir das 21h, n’ O Lado Negro da Força.

por Afrolink

Da janela da cozinha, Dona ‘Florzinha’ conseguia acompanhar o entra-e-sai no antigo Bairro de Santa Filomena. Ali, às portas do centro da Amadora, testemunhou agressões gratuitas da polícia contra miúdos que poderiam ser seus filhos. Por isso, de cada vez que se apercebia da chegada de mais um contingente, soltava o o grito: “Venham [para casa], porque eles vieram estagiar”.

Eles, os agentes, faziam do bairro um campo de treino para descarregar abusos de poder, repetidos impunemente. Tinham-se tornado sinónimo de violência racista e injustiça, fenómeno que, por cerca de 15 anos, marcou o dia-a-dia de José Semedo Fernandes, um dos filhos da Dona “Florzinha”. Ou, apresentado à moda da do bairro, o Tony da “Florzinha”.

A vivência, partilhada no programa Cidade Invisível, da Antena 1, influenciou o destino profissional deste herdeiro da comunidade de Santa Filomena, providencialmente encaminhado para o mundo do Direito.

Além de trabalhar em vários casos de racismo, nomeadamente envolvendo a Polícia e outras autoridades, o advogado tem-se notabilizado também pela acção em defesa de uma Lei da Nacionalidade que deixe de penalizar os filhos de imigrantes.

A lei “pinta o suspeito de negro”

Igualmente marcante tem sido a sua intervenção pela alteração do artigo 250.º do Código de Processo Penal, que, conforme vem apontando, “pinta o suspeito de negro”.

Por detrás da denúncia está a seguinte formulação: “Os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção.”

Apoiadas nesse articulado, as forças policiais sentem-se legitimadas para abordar, revistar e humilhar pessoas negras e de outras minorias étnicas, a quem não é reconhecido o direito de pertença a Portugal.

Essa prática foi vivida pelo próprio José que, ainda estudante e morador de Santa Filomena, foi interceptado à saída do bairro. A experiência, recordada em conversa com a jornalista Joana Gorjão Henriques – incluída na série “Racismo à portuguesa” do Público – confrontou o então miúdo com uma injusta realidade.

Interessado em perceber os fundamentos daquela abordagem policial, José Semedo Fernandes ouviu de um agente: “Um preto é sempre um suspeito”.

“A comunidade está em nós”

Apesar dessa e de outras más memórias relatadas ao Cidade Invisível – “Desde muito cedo fomos convivendo com vários tipos de injustiça”–, o Tony da Florzinha destaca como as relações em Santa Filomena o moldaram positivamente para a vida.

“Foi uma infância feliz. Ao crescer num bairro temos muito presente a questão de comunidade. Todos olham para os mais novos com um sentimento de protecção e educação”.

Mesmo após a demolição do Bairro de Santa Filomena, esse espírito não desapareceu, conta José, que transporta no seu endereço de email a morada de tantas aprendizagens, compactada na sigla BSF. Afinal, conforme faz questão de frisar: “A comunidade está em nós”.

Seguimos nela e com ela amanhã, em mais uma emissão d’ O Lado Negro da Força.

 

Para ver e directo no Facebook e no YouTube, a partir das 21h.