Justiça para Cláudia Simões, e todas as vítimas da violência policial racista
por Afrolink
Ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria agravada. Estes são os crimes pelos quais agentes da PSP acusados de agredir Claúdia Simões vão ser levados a tribunal.
A decisão da juíza de instrução do Tribunal da Amadora, conhecida na semana passada, surge mais de dois anos depois de o caso se ter tornado público, a partir de um vídeo partilhado nas redes sociais.
Nessas imagens, vê-se o agente da PSP Carlos Canha a agredir Cláudia Simões, numa paragem de autocarros da Amadora, acto que deveria merecer o repúdio de qualquer ser humano, e uma firme condenação da corporação.
As imagens do rosto desfigurado da sobrevivente, que teve de receber tratamento hospitalar urgente depois de ser encaminhada para a esquadra do Casal de São Brás, deveriam acentuar esse repúdio e agravar essa condenação. Mas, aos olhos do então responsável máximo da PSP, Magina da Silva, (entretanto de saída da corporação) o polícia limitou-se “a cumprir as suas obrigações e as normas que estão em vigor na PSP”.
As declarações do ex-director nacional da PSP, de que não houve “qualquer infracção” no vídeo da detenção de Cláudia Simões, foram proferidas pouco depois da agressão, e são bastante reveladoras das abordagens policiais – e criminosas – utilizadas pelos agentes.
Aliás, o Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública também não se coibiu de comentar o caso, desta feita a partir do comportamento de Cláudia Simões que, para se defender, mordeu o agente que a imobilizava. Num post publicado no Facebook, e pouco depois apagado, a organização insinuava que Cláudia Simões padecia de doença grave. “As melhoras ao colega e espero que as análises sejam todas negativas a doenças graves. Contudo a defesa da cidadã está a começar a ser orquestrada pelo ódiomor [sic] de brancos”, lia-se nesse post.


Enquanto essa estrutura sindical exibia imagens dos arranhões e outras marcas alegadamente resultantes do suposto comportamento violento de Cláudia Simões – que chegou a ser ouvida como arguida, tendo sido, entretanto, ilibada –, a mesma lidava com as dores – físicas e psicológicas – do encontro com o agente Carlos Canha.
“Face deformada por hematomas extensos”
“O relatório de urgência do Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), onde Cláudia Simões entrou a 19 de Janeiro às 22h18, sinalizou-a como “muito urgente”, vítima de agressão, com “face deformada por hematomas extensos””, informa o Público, que, em Outubro de 2021, noticiava a intenção do Ministério Público (MP) de levar os agentes Carlos Canha, João Carlos Cardoso Neto Gouveia e Fernando Luís Pereira Rodrigues a julgamento por causa das agressões a Cláudia Simões.
“Num despacho de acusação de 30 de Setembro [2021], o MP acusa Carlos Canha dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria agravada contra Cláudia Simões. Aos outros dois agentes que estavam no carro aquando das alegadas agressões de Carlos Canha, o MP acusa, cada um deles, de um crime de abuso de poder e de nada fazerem para impedir que Canha agredisse Cláudia Simões”, prosseguia o Público na notícia, reproduzindo excertos desse despacho.
No documento “o MP descreve que “no trajecto de cerca de 3km entre a R. Elias Garcia e a esquadra do Casal de S. Brás”, para onde Cláudia Simões foi conduzida, o arguido Carlos Canha, “aproveitando-se do facto de a ofendida se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha”, disse-lhe: “Agora é que te vou mostrar, sua p***, sua preta do c*****, seu c*****, sua macaca.” Fazia-o “enquanto lhe desferia vários socos na cara”. Ao mesmo tempo, “e enquanto se tentava proteger, baixando a cara para não ser atingida”, o agente Carlos Canha dizia-lhe: “estás a baixar a cara, c*****” e “ainda por cima esta p*** é rija”. Segundo o MP, à saída da viatura junto à esquadra, Carlos Canha desferiu também em Cláudia Simões “um pontapé que a atingiu na testa”.
Importa recordar que tudo começou por causa de um passe esquecido, para não esquecermos que a violência policial não precisa de pretexto.
Resta-nos esperar para saber se o contexto racista das agressões vai ser reconhecido em tribunal, lembrando que também existe um processo judicial contra a Cláudia, acusada de agredir o agente Carlos Canha. Uma decisão que repudiamos, ao encontro do que que se dispõe na Carta Aberta “Criminalizar Vidas Negras para Absolver o Sistema”.