Militante no que acredita, Lúcia Gomes encontrou no racismo a luta mais dura

Lúcia Gomes foi uma das advogadas que se bateu contra a violência policial racista no caso que ficou conhecido como “Esquadra de Alfragide”. A experiência trouxe-lhe “a batalha e a realidade mais dura” que viu e enfrentou, mas que nunca mais largou. “A minha aprendizagem não cessa de me mostrar o quanto há que mudar”, conta, apresentando-se como militante nas coisas em que acredita, compromisso que multiplica os seus combates, alargados às lutas das mulheres, às frentes trabalhistas e à defesa do exercício do direito de manifestação e liberdade de expressão. Estas e outras causas da sua vida estão hoje em destaque n’ O Lado Negro da Força.

por Afrolink

Numa altura em que as detenções “por manifestação ilegal” aconteciam “a toda a hora”, conforme faz questão de lembrar, Lúcia Gomes batalhou pelo direito de manifestação e liberdade de expressão de activistas e militantes.

A intervenção, conta, tornou-se especialmente activa no período 2007-2013, mas foi em 2015 que a advogada viu e enfrentou “a batalha e a realidade mais dura”: a violência racista.

O confronto aconteceu no caso da “Esquadra de Alfragide”, que remonta a 5 de Fevereiro de 2015. Lúcia integrou a equipa de defesa que representou seis jovens do bairro Cova da Moura num processo contra 17 agentes da PSP, acusados dos crimes de tortura, agressões e sequestro motivados pelo ódio racial. Oito acabaram condenados por agressões, injúrias e sequestro, ainda que apenas tenha existido uma sentença de prisão efectiva.

“Desde aí que estou nalguns desses casos, e a minha aprendizagem não cessa de me mostrar o quanto há que mudar”, adianta a advogada e ex-assessora parlamentar. 

Formada em Coimbra, “entre trabalhos”, Lúcia mudou-se do Porto para Lisboa aos 23 anos, experiência que reforçou a caminhada de luta.

“A minha vida sempre foi de sobrevivência, com uma mãe que transcendeu o pior lado da vida, e um pai que se tornou melhor amigo”.

Embora nunca tenha deixado de exercer advocacia, conta que sempre teve três ou quatro trabalhos para poder viver em Lisboa e apoiar a família.

“Em todos, cresci e aprendi muito”, sublinha, recordando que uma das ‘escalas’ laborais aconteceu numa junta de freguesia.

O seu currículo inclui também o trabalho com sindicatos – quer do privado quer da administração pública –, experiência que se tem sobrevivido à passagem dos anos.

“Hoje continuo a trabalhar com sindicatos, apenas como assessora, e com uma organização internacional de defesa de acesso aos cuidados de saúde às comunidades mais vulneráveis, particularmente com doenças infecciosas”.

Jornalismo, música e militância 

A par das lutas sindicais, Lúcia foca-se na consultoria ao jornalismo de investigação, e já integrou o “Projecto Inocência”, que nasceu em 2020 com o propósito de rever casos em que os condenados reiteram a sua inocência.

O seu compromisso com a Justiça está também ao serviço da luta das mulheres – que abraça desde 1998 –, e até tem assinatura literária.

“Tenho um livro para crianças sobre igualdade”, revela, acrescentando que a sua relação com a escrita também se estende à música, embora não se fique por aí. “Há álbuns editados com letras que escrevi”, refere, sublinhando o poder dessa expressão artística.

“O que me salva sempre é a música. Vinte anos depois, peguei na guitarra e voltei a cantar, para os meus gatos”, conta, adiantando que actualmente está a passar por uma fase de transição.

“Agradeço as outras todas que vivi, e a possibilidade de estudar sempre”.

Assumida obcecada por estatísticas e cuidadora, Lúcia faz questão de afastar algumas “leituras feitas” sobre a sua história.

“Embora crie a sensação generalizada de que provenho de uma família rica e urbana, é com muito amor que digo que sou neta de um mineiro e de um agricultor. Metade de mim é Arouca, a outra metade é transmontana”, assinala a advogada.

Pós-graduada em Direito do Trabalho, a que junta o Curso de Especialização em Igualdade de Género, Lúcia Gomes partilha o sonho de construir uma Grassroots Law, algo para conhecer hoje n’ O Lado Negro da Força.

Até lá, ficamos ainda a saber que a advogada não se considera activista, mas sim militante. “Militante nas coisas em que acredito”, explica, firme na sua intervenção: “Haja força e quem acredite”.

Juntem-se à conversa d’ O Lado Negro da Força, em directo, no Facebook e no YouTube.