Morada para resgatar vidas e lutas negras apagadas da memória de Lisboa

Que herança nos deixaram séculos de presença negra em Lisboa? O que os silêncios e apagamentos históricos subtraíram da nossa memória colectiva? O recém-lançado site do projecto “ReMapping Memories Lisboa – Hamburg” dá um importante contributo para encontrarmos respostas. Já visitaram?

Texto por Afrolink

Fotos de Rui Sérgio Afonso e ilustrações de Francisco Vidal

Conta-nos Joaquim Arena, conselheiro para a Cultura e Comunicação do Presidente da República de Cabo Verde, que “em 1889, a cabo-verdiana Andresa do Nascimento, que viria a ser a coquette mais famosa do seu tempo, a Preta Fernanda, começou a trabalhar como governanta em casa dos Cavalcanti”, na Rua do Poço dos Negros.

Já no século seguinte, continua Joaquim, “depois de participar na Exposição do Mundo Português, o compositor cabo-verdiano B. Leza, ficou hospedado numa rua a norte da Poiais de São Bento”. Estávamos na Lisboa de 1940, e um par de décadas mais tarde, “no início dos anos sessenta, no 1.º andar do número 152, da mesma rua do Poço dos Negros, Dona Joaquina, irmã de Nho Damatinha, começou a alojar jovens imigrantes cabo-verdianos em trânsito para a Holanda”.

Segundo o também escritor, esse acolhimento repetia-se “na Pensão Dona Maria, no início da Calçada da Estrela, da Dona Vi, a meio da mesma Calçada, da Dona Jô, na Avenida D. Carlos I e, numa outra, de um imigrante de Santo Antão, no início na Rua de São Bento, em frente à Praça do Palácio da Assembleia”.

A história lê-se no artigo “A melancolia dos eléctricos”, inserido na recém-lançada morada online do projecto “ReMapping Memories Lisboa – Hamburg”, que se propõe pensar “o modo como o colonialismo, a resistência anti-colonial e a presença africana são transmitidos na memória colectiva, nos vestígios materiais e no espaço público das cidades portuárias de Lisboa e Hamburgo”.

Evidenciar como as relações de poder de matriz colonial perduram até hoje

A iniciativa é promovida pelo Goethe-Institut Portugal, e procura “evidenciar como as relações de poder de matriz colonial perduram até hoje, e encontrar modos de inscrever outras histórias nos debates sobre as disputas de memória e estratégias de descolonialização das cidades europeias”.

Além de artigos, ensaios e reportagens “produzidos por uma diversidade de agentes culturais, investigadores, ativistas, escritores e jornalistas”, o novo site inclui cerca de duas dezenas de entrevistas a figuras como a deputada e activista Beatriz Gomes Dias, a socióloga Cristina Roldão, o etnólogo francês Jean-Yves Loude e o activista Mamadou Ba.

O projecto, com coordenação da editora e investigadora Marta Lança, apresenta ainda uma forte componente visual “com intervenções do artista Francisco Vidal e fotografias e vídeos de Rui Sérgio Afonso, complementados por imagens de arquivo”, descrevem os promotores.

Para conferir aqui, em português e alemão.