Morreu Waldemar Bastos, a voz capaz
de “se elevar na expressão da dor”

O compositor Waldemar Bastos morreu ontem, dia 9, aos 66 anos. Autor de temas que se transformaram em hinos da resistência angolana, como “Velha Xica”, Waldemar é aclamado como um dos maiores embaixadores da música africana de língua portuguesa. Recordamos aqui algumas notas da sua dimensão internacional.

por Paula Cardoso

Antes de M’Banza Kongo ser reconhecida como Património Mundial da Humanidade, já Waldemar Bastos a colocava nos roteiros internacionais. Nascido nessa cidade do Norte de Angola, o músico, que morreu em Lisboa, notabilizou-se sobretudo nos palcos internacionais, tendo sido galardoado, em 1999, com o prémio de New Artist of the Year nos World Music Awards.

A dimensão internacional de Waldemar Bastos ficou bem expressa, entre outros momentos, na participação na edição inaugural dos “Aratani World Series of Global Music and Dance”.

O evento, que celebra a música e a dança dos quatro cantos do globo, apresentava, em Janeiro de 2015, Waldemar Bastos como uma das principais atracções.

“O guitarrista e cantor angolano dará um raro concerto em Los Angeles”, escrevia a publicação online “Broadway World”, na antevisão de “uma fusão de ritmos, que combinam o fado português, o semba angolano e o samba brasileiro”.

Na ocasião, os atributos de Waldemar Bastos foram também apontados com recurso a palavras  do The New York Times, que destacou a forma como o compositor “funde a efervescência da pop africana e brasileira, transcendendo a tristeza com brilho e graça”.

Os elogios multiplicaram-se na “Broadway World”, onde o trabalho do autor surgiu como “tão sensual quanto sensacional”. Numa apreciação crítica do repertório do artista, a publicação online frisava a importância do tema “Sofrimento”, descrito como “uma mensagem inspirada no seu próprio enclausuramento político”, que se transformou num “hino da luta popular pela liberdade”.

Ainda sobre o álbum “Pretaluz”, que inclui “Sofrimento”, o site informativo destacvaa a panóplia de “ritmos contagiantes de Angola”, incluindo a amplamente aclamada “Kuribota”, “canção que desperta o dançarino que existe em cada um de nós”.

Os créditos internacionais a Waldemar Bastos estenderam-se às páginas do jornal francês “Libération”, que elegeu o álbum “Classics of My Soul”, de 2012, como um dos três melhores discos de World Music desse ano.

 

A surpresa do Prémio Nacional de Cultura e Artes

De acordo com a crítica gaulesa, a distinção premiava a “voz dilacerante” do músico, capaz de “se elevar na expressão da dor, ao nível dos melhores intérpretes”.

No olhar do próprio autor, “Classics of My Soul” materializou um sonho antigo, de juntar os sons de África à música clássica europeia. A ideia concretizou-se a partir da união do quinteto de Waldemar Bastos, de música tradicional angolana, com a London Symphony Orchestra, dirigida pelo maestro britânico Nick Ingman.

Imortalizado em temas como “Velha Xica”, “Teresa Ana” ou “Muxima”, o compositor foi também o único não fadista a cantar na cerimónia de transladação, no Panteão Nacional, em Lisboa, do corpo de Amália Rodrigues.

As notas internacionais da sinfonia que foi a vida do compositor foram finalmente reconhecidas pelo estado Angolano, em 2018, com a atribuição do Prémio Nacional de Cultura e Artes.

Sem esconder a perplexidade pela distinção, Waldemar Bastos, admitiu, em entrevista ao jornal angolano Vanguarda, que “o desprezo” do Governo em relação ao seu trabalho o fez descartar qualquer hipótese de um dia receber o galardão estatal.  “Era algo que não ocupava o meu pensamento e não fazia parte dos meus horizontes. Era impensável, por isso tornou-se uma grande surpresa”.

Mais do que isso, talvez a prova de outra das afirmações ao Vanguarda: “A música não tem limites”. Por ela, Waldemar Bastos vive.