Música de integração: a pauta que afina o futuro feminino, com eco nos bairros

Originário dos EUA, o Beats by Girlz aterrou em Portugal no ano passado, disposto a criar oportunidades de emprego na indústria musical, para mulheres jovens e adultas. A missão quer chegar a todos os ‘palcos’, apelando à colaboração de associações de bairro e centros comunitários, para integrar comunidades femininas marginalizadas de Lisboa. Um projecto que, este Verão, oferece aulas gratuitas a alunas a partir dos 12 anos.

por Paula Cardoso

“A música pode mudar o mundo”, sentenciou o aclamado compositor alemão Ludwig van Beethoven.

A História dá-lhe razão, prolífica que tem sido em transformações – e até revoluções – entoadas a partir de canções e concertos de protesto.

E se a música tem força para reconfigurar o destino de nações inteiras, o que será que pode fazer por cada um de nós?

A professora americana Erin Barra-Jean, que ensina  no reputado The Berklee College of Music, acredita no efeito empoderador da música e, por isso, fundou o Beats by Girlz.

O projecto, iniciado em 2013 nos EUA, na sequência de um workshop realizado dois anos antes, aterrou no ano passado em Portugal, por acção da britânica Emma Ashton.

Coordenadora da pauta lusa do Beats by Girlz, Emma explica ao Afrolink o que está em cartaz: “Proporcionamos a jovens mulheres o acesso, as ferramentas e o acompanhamento para desenvolverem o interesse – e em última instância a capacidade de construir uma carreira – em produção, composição e engenharia musical”.

A missão, acrescenta a responsável, é concretizada a partir de “um currículo não tradicional de tecnologia musical”, orientado para promover a equidade de género, “numa área onde as mulheres se vêem pouco representadas”.

A invisibilidade feminina tem sido documentada pela Universidade do Sul da Califórnia, no estudo anual “Inclusion in the Recording Studio” (Inclusão no Estúdio de Gravação). Segundo a versão mais recente desta pesquisa, que analisou o top Hot 100 da Billboard e as nomeações para os Grammy de 2020, as mulheres representam menos de um terço de todos os intérpretes, 12,5% dos compositores – num universo de 800 músicas –, e 2,6% dos produtores – numa lista de 500 canções.

A desigualdade torna-se mais gritante quando olhamos para a realidade das mulheres negras, destinatárias de apenas oito em 1.093 créditos de produção.

 

Procura-se alianças com comunidades periféricas

Em busca de uma maior representatividade e diversidade – que inclui o acolhimento de géneros não binários –, o Beats by Girlz Lisbon quer chegar a populações desfavorecidas.

“Estamos no processo de contactar centros comunitários, associações de bairro, escolas em zonas desfavorecidas, líderes associativos e também projectos cujos objectivos estejam alinhados com os nossos”, revela Emma, sem esconder a dificuldade de atrair o público das periferias.

“Já conseguimos falar com uma escola, mas a comunicação é lenta”, lamenta a coordenadora da morada portuguesa do Beats by Girlz, apelando à construção de pontes comunitárias.

“Se algum grupo estiver interessado nos nossos cursos, pode contactar”, desafia Emma, nesta fase ocupada com a formação de Julho e Agosto.

“Este Verão vamos dar alguns cursos grátis, que visam proporcionar oportunidades musicais a crianças de comunidades marginalizadas de Lisboa”, adianta a responsável, realçando que a formação não requer quaisquer conhecimentos prévios na área, e está aberta a meninas a partir dos 12 anos.

 

Cada curso tem a duração de uma semana, e dá às participantes a oportunidade de produzir uma faixa de música, num estúdio profissional, onde poderão aprender várias competências musicais, como composição, mixagem e masterização.

“As aulas são baseadas no software Ableton, o padrão usado por produtores e compositores na indústria de música electrónica”, adianta a professora, sublinhando que “aprender Ableton cria muitas oportunidades”.

Vocação inclusiva com oportunidades de emprego

Desde Maio de 2019 em Lisboa, o Beats by Girlz formou cerca de 130 alunas na capital portuguesa, embora nem todas tenham frequentado sessões regulares. “Algumas só assistem a uma ou duas aulas”, nota Emma, insistindo na necessidade de abrir caminho até aos subúrbios, depois de no Verão passado as turmas de Verão apenas terem atraído participantes de Lisboa e Carcavelos.

Além do foco inclusivo do Beats by Girlz Lisbon, a coordenadora insiste no seu impulso profissional. “Um dos objectivos mais importantes é criar oportunidades de emprego na indústria musical, em forma de estágios, treino adicional a longo prazo, e trabalhos de ensino e formação”.

No horizonte de possibilidades, destaca-se também a hipótese de apresentações ao vivo, através de parcerias, nesta fase interrompidas por causa da pandemia.

“Acho que o Beats by Girlz tem um grande potencial, e pode caminhar em várias direcções”. Ao encontro de mais e melhores oportunidades para elas. Com música.