Na linha de jogo de Maria Tavares, a bola dá muitas voltas à vida

Na infância e debutar da adolescência, entretinha as férias com as transmissões televisivas de mundiais de futebol e Jogos Olímpicos. Já em adulta, aproximou-se de outras modalidades, como o andebol e o ténis, entre experiências em França, Portugal, Cabo Verde, Moçambique e Angola. Agora em Lisboa, cidade de nascimento, Maria Tavares Malfoy assenta carreira na gestão desportiva, através da Warrior Vocation, a empresa que criou, de portas abertas para o mundo.

por Paula Cardoso

Uma viagem de metro, por túneis parisienses, trocou as voltas ao destino de Maria Tavares Malfoy. Recém-formada em Turismo e Relações Públicas, numa escola reputada pelo acesso privilegiado ao universo da aviação, hotelaria e produção de eventos, a então aspirante a assistente de bordo esbarrou numa notícia: o Paris Saint-Germain estava a reforçar a actividade desportiva, com a abertura de um espaço de restauração dentro do próprio estádio.

“Na época, em 2001, não era uma coisa comum”, recorda Maria, que, a partir das páginas de um jornal de distribuição gratuita, decidiu mudar de rota.

“O meu sonho era viajar e ser paga por isso. Então, quis ser hospedeira de voo. Mas calha que termino o curso [na École Internationale Tunon de Paris], a 3 de Setembro de 2001, dias antes dos atentados de Nova Iorque”.

Desvio de rota para o Paris Saint-Germain

Sem hipóteses de entrada no mercado que, até, aí se revelava promissor – “Tentei todas as companhias aéreas, mas toda a gente estava a demitir, não a contratar” –, mas com um sentido de oportunidade bem apurado, a luso-cabo-verdiana dirigiu-se prontamente para o Paris Saint-Germain.

“Por um lado pensei: ‘Não tenho nada a perder’, por outro, senti: “Tenho de entrar neste clube. Então, fui até lá oferecer o meu trabalho”.

De um dia para o outro, cerca de dois meses antes de completar 22 anos, a contratação estava consumada. Integrada na ala “hiper VIP” do restaurante, Maria, nascida em Lisboa há 40 anos, passou a lidar com grandes empresários, dirigentes desportivos e craques de futebol.

“Como estava na recepção, eu é que recebia toda a gente”, conta, lembrando que o à-vontade no inglês, espanhol e português foi fundamental para estreitar ligações. “Ainda por cima, na época, a equipa de futebol tinha sete brasileiros. Acabei por me dar bem com todos, e de fazer boas amizades que duram até hoje”.

A experiência, vivida à margem de deslumbramentos – “estava ali para trabalhar, não para tirar fotografias ou pedir autógrafos, como fazem as fãs” – espicaçou uma mudança de vontades.

“Um belo dia, uma pessoa disse-me: ‘Olha tu ficas aqui a trabalhar e daqui a cinco anos és alguém. Aquilo fez-me pensar: ‘Porque é que vou esperar cinco anos?”.

Gestão desportiva e febre televisiva

Mesmo com um salário chorudo, mais ainda para quem estava no início da vida adulta, o questionamento trouxe várias tomadas de consciência. “Percebi que tudo o que se fazia dentro do clube, desde as ideias à organização de eventos, à escolha de quem convidar, passava, dentro daquela estrutura, em primeiro lugar pelo dono da marca do restaurante, depois pelo responsável da logística e, logo a seguir por mim. Então, pensei: vou sair, estudar e garantir o meu diploma. Porque naquela época a conversa era toda: diploma, diploma, diploma”.

Apesar do prestígio da formação em Turismo e Relações Públicas, equivalente ao grau de bacharelato, na altura o diploma não era reconhecido pelo Estado porque a escola – privada – ainda não tinha sido homologada.

A má surpresa, aliada à experiência no Paris Saint-Germain, determinou o movimento seguinte: a entrada no curso de Gestão Desportiva da CMH – International Hospitality Management School. 

“Na época, toda a gente se estava nas tintas para uma formação em sport management. Aliás, era o segundo ano em que estava a acontecer. Posso dizer que em 24 pessoas na turma, 22 eram rapazes”.

Minoria, num ambiente predominantemente masculino, Maria destacou-se pela presença no Europeu de Futebol realizado em Portugal. O mesmo país do seu debutar desportivo.

“Lembro-me de ter 9 anos e, ainda na Damaia, onde vivia, passar o Verão todo a ver os jogos do Mundial de Futebol. Ficava ali vidrada. Aliás, via tudo quanto era desporto, atletismo, Olímpicos, tudo”. 

A febre desportiva não abrandou com a mudança familiar para Paris: “Nós chegamos a França em 92, ano dos Jogos Olímpicos de Barcelona, e, em vez de ir para a rua apanhar sol, passear no parque, eu só queria ficar em casa para ver as corridas”. 

Não estranha, por isso, que, anos mais tarde, todos os caminhos profissionais da luso-cabo-verdiana se cruzem com o desporto.

A presença no Euro 2004

“No curso de gestão desportiva, tínhamos de fazer o estágio de fim de ciclo para validar o diploma. Já que estava a decorrer o Euro 2004, e como eu falo português, decidi tentar uma vaga, contactando directamente a UEFA”.

Por email, com o mesmo espírito de iniciativa que lhe abriu as portas do Paris Saint-Germain, Maria não teve de esperar mais do que um par de minutos pela resposta.

“Disseram que estavam a desenvolver um programa com o IPJ [Instituto Português da Juventude] de Portugal. Acabou que fui seleccionada para fazer parte de um grupo de 38 pessoas, recrutadas no mundo inteiro para fazer parte da organização do Euro”.

A boa notícia, recorda a hoje gestora desportiva, espalhou-se num ápice: “Em dois dias, a escola inteira sabia quem eu era”. Mais do que isso, a história tornou-se um cartão-de-visita da instituição, que começou a usá-la para atrair novos estudantes.

“Sem querer, fui a primeira pessoa a dar fama para a escola”.

Além do trabalho no Europeu de futebol, enquadrado no apoio à imprensa, a passagem por Portugal incluiu uma experiência de voluntariado na final da Taça de Portugal, bem presente nas memórias pelo encontro com o treinador José Mourinho.

“Para mim tudo aquilo era privilégio. Foi uma experiência espectacular, da qual guardo amigos jornalistas até hoje”.

De volta a Paris, e ainda com três meses de estágio para completar – o mesmo tempo que permaneceu ligada ao Euro, mas metade do período exigido para terminar o curso –, Maria encontrou uma nova oportunidade na agência de comunicação Pascale Venot.

“Tinha a singularidade de dar trabalho só a mulheres, de trabalhar só com assessoras de imprensa. Então havia a ala de beleza e cosmética, a ala de fashion, de moda parisiense. Mas, dentro da empresa, havia também um pelouro ‘Turismo e Desporto’”, explica Maria, a partir daí iniciada em actividades de golf, vela, sky e passeios de iate.

Seja qual for o programa desportivo, as ligações à imprensa são uma constante, fruto de uma preferência enraizada em aspirações infantis.

O desejo de correr mundo

“Lembro-me de ver o Jornal das 8 e de prestar atenção a uma jornalista que estava sempre a mudar de cidade. Um dia dizia que estava em directo da Moscovo, noutro em Itália, depois em Paris…então, perguntei à minha mãe como é que aquilo era possível. Daí ela explicou que ela viajava para cobrir os acontecimentos. A partir daí, disse: ‘Vou levar isso para o meu mundo, que é o desporto”.

A escolha de uma via profissional para os estudos secundários – em vez de uma vertente dita ‘literária – acabou, contudo, por hipotecar os planos jornalísticos.

“Já nos meus 16, 17 anos tinha muita vontade de conhecer o mundo. Como o liceu literário estava a dois minutos da minha casa, era só atravessar a estrada, decidi que precisava de mais”.

O distanciamento da morada familiar cumpriu-se enquanto se aprimorava noutra paixão: o design de moda.

Ainda até tenho modelitos das coisas que cosi na minha turma”, conta, acrescentando que sempre teve facilidade no ofício por influência materna.

“Foi canja, porque a minha mãe tinha uma máquina de costura, e eu já sabia usá-la”.

A ligação africana 

Apesar de não ter seguido um caminho profissional na moda, o acompanhamento das últimas tendências também já entrou em campo por ‘convocatória desportiva’. 

O desafio incluiu o contacto com andebolistas angolanas, de passagem pela França, numa fase em que Maria enriquecia o currículo na France Sport Association. 

“Tinha de verificar se estava tudo certo com o estágio, os quartos, a alimentação etc, e, a determinada altura, quando as miúdas ganharam confiança começaram a pedir dicas de moda e beleza”. 

A consultoria extra implicou mesmo momentos de personal shopper. “Bastou a primeira perder a vergonha, para todas começarem a fazer o mesmo”. 

A experiência, fundamental para a France Sport fidelizar a clientela angolana, foi também essencial para a gestora começar a alargar a rede de contactos até ao mercado africano, destino de progressão profissional por cerca de oito anos. 

Primeiro em Cabo Verde, depois em Angola, também com ligações a Moçambique, a presença de Maria mede-se por uma série de ‘troféus’. 

O padrinho Eusébio

A começar pelo arquipélago onde está mergulhada a ancestralidade familiar: viveu em solo cabo-verdiano de 2009 a 2011, período marcado, entre outros momentos, pela organização do 1.º Torneio Internacional de Futsal na Praia. O evento, realizado pela sua própria empresa de eventos desportivos, a R.I.SPORTS, contou com a presença do Sport Lisboa e Benfica, e foi apadrinhado pelo eterno Eusébio da Silva Ferreira. 

Já a ligação a Angola estreitou-se sobretudo a partir de 2012, quando se mudou para Luanda. Aí, representou o clube Progresso Associação Sambizanga, inserida na direcção de marketing, e também integrou a Federação Angolana de Andebol, como directora do Departamento Internacional.

Os créditos estendem-se ainda à colaboração com a Federação Angolana de Futebol, num percurso em que se pode destacar a participação na Feira Internacional de Luanda e a contratação do treinador cabo-verdiano Lúcio Antunes, ambos ao serviço do Progresso do Sambizanga. 

“Inicialmente ninguém percebia o que estávamos a fazer num evento de negócio, mas, no final, o nosso stand [Progresso do Sambizanga] até foi nomeado para um prémio, o Leão de Ouro”. 

A experiência africana, entremeada pela iniciação na maternidade – Maria é mãe de duas crianças –, foi interrompida por motivos familiares, que precipitaram o regresso a França, em 2015. 

Aqui, estreou-se no elitista torneio de ténis Roland Garros onde, uma vez mais, trabalhou com jornalistas.

“As pessoas que encontrei estão lá há gerações, aquilo passa de pais para filhos. Foram 15 dias de mata-mata, só não abandonei aquilo porque sou eu, mas fizeram-me sentir como um OVNI”.

Vocação de guerreira 

Desde logo, a empresária recorda que teve de oprimir o penteado. 

“No currículo estava com tissagem, o cabelo liso. Na entrevista apareci de cabelo curto. Disseram-me que era muito hardcore, muito punk, e aconselharam-me a tratar disso”. 

A má experiência fez Maria riscar qualquer possibilidade de aproximação à Federação Francesa de Ténis, e repensar a permanência em Paris. 

Portugal tornou-se o destino natural. Através da sua empresa Warrior Vocation, a gestora procura cumprir uma vocação descoberta no Paris Saint-Germain. 

“Gosto de cuidar dos outros. No PSG percebi que podia aplicar isso ao desporto, cuidando das preocupações dos atletas, para que apenas se tenham de preocupar com o desempenho em campo”. 

A par do foco nos desportistas, a Warrior Vocation está igualmente orientada para responder às necessidades das instituições, além de se distinguir pela produção de conteúdos e de eventos. Sempre na linha da bola.