Não é sonho nenhum, é Dino D’Santiago a concretizar a nossa crioulização

Imaginou uma carreira como professor de História da Arte, e também como arquitecto ou ilustrador. Mas é na música que Dino D’ Santiago projecta a assinatura profissional, impulsionada em 2003 com a participação no programa televisivo “Operação Triunfo”. Seguiram-se 11 anos de ligação aos Expensive Soul, marcados pelo amadurecimento de uma identidade musical firmada no Soul, Hip-Hop e RnB. Agora a solo, o autor dos álbuns “Mundu Nôbu” e “Kriola” afina a voz e as composições contra a discriminação, e coloca em evidência que “somos todos crioulos”. Amanhã é dia de o recebermos n’ O Lado Negro da Força. A partir das 21h.

por Paula Cardoso

O jeito para ilustrar, aliado ao espírito empreendedor, improvisou o ‘negócio’: “Muito do dinheiro que ganhava durante o ciclo era fazendo desenhos do Dragonball, que vendia aos meus colegas”, contou, Dino D’ Santiago, numa das inúmeras entrevistas que deu a propósito do lançamento-surpresa de “Kriola”, o seu mais recente álbum.

O disco, apresentado a 3 Abril do ano passado, sem uma única nota de aviso prévio, trouxe ao de cima a pró-actividade já evidenciada nos tempos de estudante.

“A última vez que estive em Londres, a finalizar o disco, havia essa ideia de o lançarmos a 17 de Abril. O disco estava pronto, mas quando regresso a Lisboa, o país entra em quarentena, já não consigo ir para o Algarve ter com a minha família e fico pensativo”, adiantou Dino em entrevista ao Público, reconstituindo as reflexões que ditaram a opção de lançar “Kriola” em pleno confinamento.

“Tornou-se nítido para mim que esta era a altura certa [para apresentar o álbum]. As pessoas estão em casa e vão ouvi-lo da forma que a mim faz sentido — do início ao fim, enquanto cozinham, estão sentadas a reflectir, a dançar ou a treinar”, prosseguiu o artista, na conversa com o Público.

“Sinto que este disco traz uma energia boa”, acrescentou o músico, desde o primeiro momento peremptório em descrever “Kriola”, como o seu trabalho “mais activista de sempre”.

A urgência activista

Mais de um ano depois do lançamento-surpresa, o ‘selo activista’ expande-se muito além da discografia na trajectória de Dino D’ Santiago.

Com uma intervenção anti-racista cada vez mais pública, o cantor e compositor vem transformando o seu espaço mediático numa frente de luta contra todas as formas de discriminação, em defesa de um mundo mais inclusivo.

“Porque o nosso silêncio é o grande criminoso do século XX!”, escreveu o músico no Instagram, em protesto contra o que diz ser uma “epidemia global chamada “Bairros de lata” e que “já conta com 889 milhões de seres desumanizados!”.

Por detrás das palavras encontra-se uma notícia vinda de Angola: o desalojamento de 600 famílias, na sequência de um incêndio num bairro que, já antes das chamas, não oferecia as menores condições de habitabilidade.

“É URGENTE que nos abracemos como Nações verdadeiramente Unidas e que de OUTROS passemos a NÓS”.

Somos todos crioulos

Mais do que apelar à acção colectiva para que possamos transformar a realidade que nos rodeia, Dino dá o exemplo com a sua intervenção.

Co-artífice do movimento “Sou Quarteira”, fundado pela Associação Beyond, o músico decidiu arregaçar as mangas e contribuir para o desenvolvimento e elevação dos talentos dessa cidade algarvia, onde nasceu e cresceu.

Mais recentemente, lançou as sementes do projecto Lisboa Criola, expressão da multiculturalidade que faz questão de celebrar: “Somos todos mistura. Somos todos crioulos”, adiantou naquela entrevista ao Público.

Voz activa em defesa da diversidade humana, o artista faz questão de sublinhar o orgulho nas origens. “Honro muito a minha raiz portuguesa, que me deu a língua que falo, e a minha raiz cabo-verdiana, que me deu a alma para me exprimir sem receio. Esse casamento enriqueceu-me e tento passar isso para todos”, destacou, em entrevista à Forum Estudante.

A consciência e valorização dessa identidade plural, que passou a reconhecer e a acolher a partir de uma das viagens a Cabo Verde, contrasta com o sentimento de desenraizamento que marcou os primeiros anos de vida.

“Em criança sempre me senti o mais feio, pobre, ignorante e preterido, por vários motivos que me limitavam a auto-confiança, os sonhos”, reconheceu Dino na sua página no Instagram, partilhando dores que vem transformando em amores e refrões.

“Era domado por um temor a Deus, fruto de uma severa educação Católica e somente hoje, como adulto, graças a uma busca por um entendimento de quem realmente Sou e qual o meu propósito, que aumentou ainda mais com o nascimento do meu filho, é que tenho a coragem de finalmente abraçar o Dino que ficou no passado com tanto por dizer”.

Do puto que “escondia todas as fotografias, para não sofrer a olhar para os lábios grandes e cabelo rijo”, sobressaem não as feições, mas as lições.

“Hoje sei que a Música deu-me a Liberdade de Expressão que tanto desejei naquela prisão infantil. O Palco é o altar onde me confesso e realizo”.

Para trás ficaram os planos de uma carreira como professor de História da Arte, e também como arquitecto ou ilustrador, definitivamente ultrapassados a partir da participação no programa televisivo “Operação Triunfo”, em 2003.

“Para ser sincero, o mais importante foi quando o Virgul, em 2004, chegou à casa dos meus pais e disse ‘os Expensive Soul estão a precisar de uma voz, posso levar o Dino?’”.

O momento de viragem, partilhado no portal Espalha Factos, abriu caminho a 11 anos de ligação aos Expensive Soul, marcados pelo amadurecimento de uma identidade musical firmada no Soul, Hip-Hop e RnB.

Agora a solo, o autor dos álbuns “Mundu Nôbu” e “Kriola” afina a voz e as composições no fortalecimento da crioulização.

Em cartaz amanhã, n’ O Lado Negro da Força.

Para ver e directo no Facebook e no YouTube, a partir das 21h.