O destino informático de Izidro, campeão europeu na arte de discursar

Decidiu estudar Informática sem nunca ter posto as mãos “num computador a sério”. A escolha, feita no seu São Tomé e Príncipe de origem e concretizada em Portugal, abriu caminho para uma bem-sucedida carreira, hoje firmada no cargo de director de departamento, responsável pela gestão de cerca de 20 pessoas. Pelo caminho, Izidro Sousa acumulou experiência como programador, analista de sistemas e gestor de projectos, e aprofundou a formação académica, com um MBA e um mestrado. Mais recentemente, o são-tomense de 48 anos destacou-se também pela oratória, sagrando-se campeão europeu do International Speech Contest dos ToastMasters.

por Paula Cardoso

Mal tinha entrado na escola, e já o pequeno Izidro Sousa levava um recado para casa. “A professora mandou chamar a minha mãe que, como é natural, ficou toda preocupada”, recorda o então aluno do 1.º ano, de volta ao episódio que lhe encurtou a passagem pelo ensino primário.

“Nasceu aí a ideia de que estaria destinado a grandes desígnios”, conta o especialista em Informática, reconstruindo as palavras da professora: “Este menino está a perder tempo aqui, por isso vamos fazer uma experiência: vamos pô-lo a aprender o primeiro e segundo anos ao mesmo tempo, e ver se consegue”.

Mais de três décadas depois desse 2 em 1, que permitiu acelerar a passagem para o 3.º ano, Izidro acumula “saltos”.

“Fui sempre subindo degraus, sendo promovido e evoluindo”, assinala, com a memória fixada num dos marcos dessa progressão, vivido em 2001. Nesse ano, conta, ascendeu a coordenador de equipa, cargo muito cobiçado na firma onde trabalhava, “porque dava direito a viatura e telemóvel da empresa”.

Diploma de mérito do ISCTE

Os desafios profissionais continuaram, percorrendo as posições de programador, analista, coordenador técnico e gestor de projecto, até ao actual cargo de director de departamento, desempenhado numa empresa tecnológica do grupo CTT.

A par da vasta experiência profissional, que coloca diariamente ao serviço, na gestão de uma equipa de cerca de 20 pessoas, Izidro destaca-se pelo percurso académico.

Licenciado em Informática de Gestão pela Universidade do Minho, mestre em Gestão da Inovação pelo ISCTE Business School, o especialista é também titular de um Executive MBA pelo INDEG-ISCTE-IUL, percurso coroado com um diploma de mérito do ISCTE.

“Essa distinção foi muito importante para mim”, adianta, destacando o efeito reparador dos 18 valores que conseguiu no mestrado, já depois de ter concluído o MBA com nota 15.

“De certa forma, tinha deixado de acreditar em mim como estudante, e o regresso à faculdade mostrou-me que ainda sou capaz”, diz Izidro, recuando às memórias que motivaram o descrédito. 

“Comecei o primeiro ano de universidade muito bem, mas depois, entre Setembro e Dezembro, vieram as dificuldades, porque fiquei três meses à espera que me pagassem a bolsa. Isso criou um conjunto de desestabilizações, a vários níveis”, lamenta o antigo bolseiro, sem esquecer a perturbação gerada pela sucessão de atrasos. 

“Como há pessoas que têm de concluir o ano nesses meses, na chamada época de recurso, os valores das bolsas só eram pagos posteriormente, com a garantia de aprovação”.

A surpresa portuguesa 

Além dos constrangimentos financeiros, Izidro tinha de lidar com as saudades de São Tomé e Príncipe, de onde partiu sozinho em 1990, e para onde regressou 13 anos após a saída. 

“No meu tempo, não tínhamos universidades, portanto já sabíamos: ‘Se quiséssemos fazer formação superior, estava no nosso caminho sair do país”. 

Embora as preferências sobre o destino de estudos apontassem para outras direcções que não a portuguesa – “havia programas de cooperação, sobretudo da França, que permitiam que os estudantes voltassem a casa de férias todos os Verões. Mas com Portugal não era assim, sabia que, à partida iria ficar cinco anos sem regressar” –, Izidro acabou por encontrar aqui uma nova casa. 

“Amo isto de verdade, e sinto-me português”, diz, sem esquecer os desafios da adaptação, vividos aos 18 anos. 

“Terminei o 11.º em São Tomé, e ainda fiquei um ano parado antes de viajar, porque estava à espera que a situação da bolsa se desbloqueasse. Cheguei em Novembro, já com as aulas adiantadas, fiz o 12.º ano em Évora, e, apesar de ter sido o quarto melhor aluno na altura, em termos culturais foi o ano mais difícil de todos”.

Descascar a cebola com a prática 

Enquanto o sistema de ensino parecia compatível, o Inverno oferecia diferenças quase irreconciliáveis.

“Até aí, em toda a minha existência vestir uma camisa ou uma t-shirt na parte superior do corpo era o suficiente. De repente, vejo que tenho de ter todo um conjunto de peças de roupa”, recorda Izidro, acrescentando que eram tempos muito anteriores a pesquisas online.

“Nem sequer sabíamos o que vestir no Inverno, quais eram as peças certas e como as colocar. Então, fazíamos uma espécie de cebola”.

A aprendizagem, que hoje seria facilitada por um googlar cirúrgico, fez-se na prática, fórmula replicada mais recentemente, para resolver outro desajuste.

“Há vários estudos que dizem que 85% a 90% das pessoas têm algum desconforto em falar em público. Eu tinha muito, não apenas algum”, partilha o especialista, explicando que mesmo sem nunca ter tido problemas em colocar dúvidas numa sala de aulas, por exemplo, ou em intervir numa reunião, na hora de discursar para uma audiência paralisava.

“Nunca soube explicar esse medo, mas sempre tentei melhorar. Por isso, quando tirei o MBA, pedi dicas a três professores, que foram unânimes em dizer, cada um no seu tempo, que a solução é praticar, praticar, praticar”.

Campeão europeu na arte de discursar

Apesar de admitir que a recomendação soava descabida – “É como se estivesse a dizer que tenho medo de falecer, e me respondessem que a solução é falecer mais vezes” –, Izidro confessa que o conselho ficou ali a ecoar.

“Passado um tempo falaram-me nos Toastmasters, e eu pensei: é isso mesmo!”.

Apresentados como uma “organização sem fins lucrativos, reconhecida como a melhor no desenvolvimento de competências de comunicação e de liderança no mundo”, os Toastmasters International nasceram em 1924 nos EUA, e marcam presença em 140 países.

“Este é um projecto que se estende além das competências técnicas, contribuindo igualmente para um crescimento pessoal, social e emocional”, lê-se na morada portuguesa da organização, desde 2017 reforçada com a presença de Izidro.

A par de sessões semanais de trabalho, em que os membros são desafiados a apresentar discursos preparados, improvisados e de avaliação de outros palestrantes, a participação nos Toastmasters inclui uma vertente competitiva.

Empenhado em praticar mais e mais, o mestre em Gestão da Inovação arriscou entrar prova e, recentemente, sagrou-se Campeão Europeu do International Speech Contest dos ToastMasters. O título chega depois de ser tornado tri-campeão ibérico da prova, vitórias saboreadas em 2019, 2020 e 2021.

Activamente a acelerar caminhos

Para já sem planos de prosseguir nessa frente de disputa discursiva – descansando a oratória e favorecendo a ascensão de novas vozes –, Izidro não arreda fé da luta por uma sociedade mais inclusiva.

“Acho que existem várias formas de activismo e todas são necessárias. Eu tenho um activismo diferente, acho que tento racionalizar, perceber o contexto histórico, perceber porque é que algumas injustiças ainda existem”.

Nesse processo, o são-tomense de 48 anos congratula-se com algumas mudanças.  “Quando comecei como programador informático, trabalhava numa consultora e, por isso, ia muitas vezes ao encontro dos clientes. Lembro-me que entrava num banco e toda a gente olhava para mim porque era o único. Agora já vejo alguns miúdos negros a trabalharem como programadores e como outras coisas. Portanto, o caminho está a ser feito, mas podemos acelerá-lo, e é importante que o aceleremos”.

Como? Izidro recua a um exemplo de 2012, que se repete em 2021: perante um painel televisivo em que nenhuma das personalidades convidadas era não branca, decidiu agir.

“Enviei email a dizer que compreendia que o anfitrião não tivesse sensibilidade para isso, mas explicando que uma criança negra também tem o direito de olhar para a televisão e se sentir representada, de saber que o seu futuro não tem de passar por ter uma guitarra nas mãos ou umas chuteiras nos pés”.

Para mostrar que outros caminhos são possíveis, o especialista partilha aqui a sua história. Afinal, decidiu estudar Informática sem nunca ter posto as mãos “num computador a sério”. Na altura ainda a viver em São Tomé, Izidro, conta que descobriu essa paixão entre brincadeiras ao comando de um Spectrum ZX.

“Usava basicamente para jogar com os meus amigos o International Soccer, mas depois comecei a fazer alguma programação em Basic e foi amor à primeira vista”.  Já lá vão mais de 30 anos.