O Exército da Beatriz Victória, unido em busca de dadores de medula

Em Março foi diagnosticada com leucemia mielóide aguda (LMA) e, cerca de três meses depois, recebeu a notícia de que iria precisar de um transplante de medula óssea. Enquanto espera por um dador que seja compatível, Beatriz Victória, de cinco anos, mobiliza um exército de apoiantes com o poder de salvar vidas. Saiba como fazer parte!

por Paula Cardoso

Entre amigos e familiares, cerca de 80 contactos unem forças no WhatsApp. Nos locais de trabalho dos pais, centenas de pessoas aderiram à campanha e, no Facebook, mais de 1.600 seguidores acompanham a sua história. Aos cinco anos, Beatriz Victória mobiliza um exército de apoiantes para combater a leucemia mielóide aguda (LMA), que lhe foi diagnosticada em Março.

Em busca de um dador de medula compatível desde Julho, mas apenas desde Setembro na lista de transplantes, a “princesa guerreira”, conforme a mãe apresenta, enfrenta uma luta contra o tempo.

“Cada dia e cada minuto contam”, lembra a progenitora, que falou ao Afrolink em nome da família.

“O nosso propósito é sensibilizar as pessoas para esta necessidade, porque, na verdade, não é só a Beatriz que precisa de um dador de medula. Existem várias outras crianças e adultos que também precisam”, adianta Cláudia Tavares, lembrando que quando a campanha da pequena Bia começou, já outra estava a decorrer.

“O importante é que as pessoas doem, que se inscrevam como dadores de medula”, insiste, apelando a um maior envolvimento da população negra, tendo em conta a influência da pertença étnica para a compatibilidade.

O peso da herança genética

“Segundo os registos de potenciais dadores do Bethematch.org [nos EUA], apenas 23٪ dos Afro-Americanos ou negros vão, provavelmente, encontrar um dador compatível”, percentagem que sobe para os 77% no caso da população branca, recorda Cláudia, numa das publicações partilhadas no Facebook.

No mesmo post, a gestora da “Campanha Beatriz Victória” reforça o repto: “Temos de aumentar a nossa representatividade como potenciais dadores de medula óssea. Nós somos a esperança de muitos negros que estão a lutar contra o cancro e aguardam por um dador compatível”.

A par do obstáculo da herança genética, Cláudia confronta-se com os entraves processuais, despidos de transparência. 

“Para mim, que estou fora do sistema, faria sentido que a Beatriz fosse referenciada para a UTM [Unidade de Transplante de Medula], logo em Março, quando tivemos o diagnóstico. Dessa forma, havendo necessidade de um transplante, o trabalho de casa já estaria feito e, se calhar, agora conseguiríamos avançar imediatamente para o transplante”.

Em vez disso, conta a mãe, a “princesa guerreira” começou por ser considerada uma paciente standard. “Nestes casos, eu assumo que existe 50% de hipóteses de se curar a doença só com quimioterapia, e 50% de hipóteses de se ter de avançar para transplante. Então, porque é que não se trabalha desde logo nas duas opções?”.

A necessidade de campanhas de sensibilização

As incompreensões prosseguem: se o transplante se tornou uma realidade em Julho, porque é que apenas em Setembro a família recebeu a confirmação do início do processo de busca por um dador compatível para a Beatriz, necessário para entrar em lista de espera?

Além de estranhar a opacidade de procedimentos,  Cláudia reclama uma maior sensibilização colectiva.

“Eu própria, achava que por estar inscrita como dadora de sangue, também constaria da lista de dadores de medula. Só com esta situação percebi que não”, assinala, defendendo que os próprios laboratórios deveriam ser mais pró-activos.

“Se alguém aparece para doar sangue, como é que não se aproveita para falar da necessidade de dadores de medula? É apenas necessário tirar um pouco mais de sangue”.

Cláudia defende, a par de uma maior sensibilização colectiva – “será que as pessoas têm noção da importância de se registarem numa base de dados, ou acham que basta responder quando há um pedido?” –, uma maior preparação dos profissionais de Saúde para o despiste de doenças oncológicas.

“A Beatriz, um mês antes de ser diagnosticada, começou a ter alguns sintomas. Por exemplo, acordou com o olho inchado. Nós fomos ao oftalmologista no próprio dia e nada. Ela tinha a gengiva inchada, nós fomos ao dentista e nada. Ela teve febre, nós fomos ao pediatra e nada. Na verdade, fomos a vários especialistas, até que estranhámos ela voltar a ter febre e começar com uns calafrios que nunca tinha tido”.

A desvalorização inicial do quadro clínico da criança terminou com a ida a uma clínica, onde os exames revelaram uma alteração nos glóbulos brancos, e ditaram o tratamento hospitalar.

“Na madrugada de 9 para 10 de Março fomos para hospital da Estefânia. Foi aí que diagnosticaram a leucemia e disseram que a Beatriz tinha de iniciar o tratamento imediatamente. Ela começou o antibiótico ainda na Estefânia e, no dia seguinte, demos entrada no IPO [Instituto Português de Oncologia]. Desde que tivemos o diagnóstico, foi tudo super rápido”, recorda a mãe.

Rede de suporte profissional

Desde Março sem contacto com outras crianças, os dias da pequena Beatriz começaram a viver-se entre o hospital e a casa, rodeada de desenhos – uma das paixões – e sempre com o acompanhamento parental.

“Entrei de baixa porque, nesta situação, não dava para continuar a trabalhar”, diz Cláudia, que interrompeu a rotina diária de coordenadora de loja online, ao serviço de uma multinacional.

“Não tenho qualquer pressão da minha entidade empregadora em relação a isso. Pelo contrário, tenho todo o apoio do mundo e o mesmo acontece com a empresa do meu companheiro. Desde o primeiro momento, deixaram-nos muito tranquilos para gerir a situação mais complicada das nossas vidas”.

O suporte profissional sobressai igualmente da mobilização dos colegas para se inscreverem como dadores de medula, através de campanhas realizadas no contexto laboral.

A cada demonstração de apoio, os pais de Bia, Cláudia e João, renovam e fortalecem esperanças.

“Nem todos podem ser dadores de medula, porque há regras, como a idade, por exemplo. Mas se todos partilharem a campanha, nunca se sabe o que pode acontecer. Entre os nossos contactos, pode estar alguém compatível com um doente a precisar de um transplante”.

O poder da alimentação

O esforço de mobilização continua contudo a partir sobretudo dos pais, que, para além de se desdobrarem em apelos, também não olham a meios para criarem a própria rede de entreajuda.

Foi a partir desse canal de apoio que a família da “princesa guerreira” descobriu a nutricionista Magda Roma, especialista em doenças oncológicas.

“Coincidência ou não, desde que a Beatriz começou a seguir o plano alimentar da Dra. Magda, os efeitos secundários dos tratamentos reduziram completamente. Nem parece a mesma menina”.

Em vez de ficar internada três a quatro semanas, como nos primeiros ciclos de quimioterapia, no último ciclo, a pequena Bia já pôde recuperar as defesas em casa.

“A Beatriz tem uma energia incrível, uma luz enorme, exactamente como vêem nas fotos que partilhamos na campanha no Facebook”, destaca a mãe, incansável nos apelos.

Hoje pela Beatriz, amanhã por qualquer um de nós e dos nossos”.  Num “exército da vitória”.

Não sabe se está registado como dador de medula?

Envie um  email para cedace@ipst.min-saude.pt com o nome completo e data de nascimento

Deseja inscrever-se?

Consulte os locais para doar em: http://www.dador.pt/onde-dar/lista-de-recolhas

ou em
https://www.apcl.pt/pt/informacoes/seja-dador-de-medula