O ódio racial que matou Bruno Candé vai continuar a matar, enquanto…

O assassinato de Bruno Candé, cometido a 25 de Julho de 2020, foi motivado por ódio racial, considera o Ministério Público, no despacho de acusação. O documento menciona alguns dos insultos racistas dirigidos ao actor pelo homicida Evaristo Marinho, que, apesar de ter assumido a autoria do crime, sempre negou ter agido por motivação racista. Uma alegação repetida pela PSP, que, mesmo diante de uma série de testemunhos em sentido contrário, se apressou a desligar o racismo deste homicídio. O caso vai estar em análise mais logo, n´ O Lado Negro da Força, hoje com a professora Ariana Furtado como convidada.

por Afrolink

Sim, o racismo mata. Não, nem todos os homicídios envolvendo pessoas de diferentes etnias têm motivação racista.

Feito este ponto de ordem, foquemo-nos no assassinato bárbaro de Bruno Candé. Apesar dos sucessivos testemunhos que, desde o primeiro minuto, apontam para a motivação racista do homicida Evaristo Marinho, a investigação policial não demorou a defender a tese de “uma desavença por motivos fúteis”.

Agora o Ministério Público vem reconhecer o óbvio: se alguém é assassinado enquanto ouve um chorrilho de insultos racistas, o crime tem motivação racista.

Negar esta evidência faz tanto sentido quanto defender a ideia de que podemos andar à chuva despidos de qualquer protecção sem nos molharmos. Negar esta evidência é ser cúmplice da violência racial.

Justiça por Bruno Candé

“Bruno foi morto por ser negro, foi morto por viver num país racista, num país que tolera, relativiza e normaliza práticas racistas, quer interpessoais, quer estatais”, assinala-se no manifesto “O Racismo matou de novo: Justiça por Bruno Candé”, divulgado no ano passado por uma dezena de associações anti-racistas, onde se incluem colectivos do movimento negro, como o INMUNE, a Plataforma Gueto, a Afrolis e a FEMAFRO.

Na mensagem, que acompanhou uma mobilização nacional de homenagem ao actor, evoca-se a memória de outras pessoas assassinadas e violentadas pelo racismo estrutural, como o estudante cabo-verdiano Luís Giovani, agredido até à morte em Bragança.

“Estas mortes e agressões são consequência da cumplicidade das políticas de Estado, nos seus discursos coniventes, nas suas práticas de reiteração e na sua recusa de criar leis de combate efectivo ao racismo”, defendem os colectivos, lembrando também o caso de Alcindo Monteiro, assassinado às mãos de neonazis, há pouco mais de 25 anos.

“Por cada vida que o racismo violenta e ceifa, ele autodenuncia-se, gerando um forte movimento que cresce todos os dias, juntando muitas outras vidas contra o racismo”, prossegue o manifesto, alertando para a iminência de novas vítimas do ódio racial.

O racismo vai continuar a matar, enquanto… 

“Enquanto expressões como “preto/a vai para a tua terra” e “é preto/a, mas…” forem discurso corrente, sem freio, nas trocas coloquiais, das ruas às caixas de comentários e ao parlamento, o racismo matará. Enquanto o Estado fingir que Portugal é um país étnica e culturalmente homogéneo, que não vê cores e onde não há discriminação em função da pertença étnico-racial, o racismo matará. Enquanto políticas de segregação étnico-raciais persistirem como realidades inamovíveis e irremovíveis das práticas de instituições de Estado, o racismo matará.  Enquanto não se descolonizar as narrativas, os imaginários e as políticas públicas de Estado com políticas de igualdade, a violência colonial, o racismo matará”.

A 25 de Julho de 2020 matou Bruno Candé Marques.

No despacho de acusação datado de 13 de Janeiro, noticiado pelo jornal Público, o Ministério Público (MP) acusa o homicida Evaristo Marinho de agir com a intenção de matar Bruno Candé e de lhe dirigir expressões nas quais se “referiu em concreto à cor da sua pele”. “O motivo foi, assim, «determinado», não só por uma discussão por causa da cadela do actor, «mas também pela cor e origem étnica» de Bruno Candé”, assinala o diário.

A mesma publicação, em artigo de Joana Gorjão Henriques, reproduz expressões de ódio disparadas contra o actor e citadas no documento do MP.  “Vai para a tua terra, preto!”, “Tens toda a família na sanzala e devias também lá estar”, “Fui à c*** da tua mãe e daquelas pretas todas! Eu violei lá a tua mãe!”, “Anda cá, que levas com a bengala, preto de merda!”.

Sim, o racismo mata.

Este tema vai estar em análise a partir das 21h30, no Facebook e no YouTube, n’ O Lado Negro da Força, o talk-show online das noites de quinta-feira. Com José Rui Rosário, Pedro Filipe, Paula Cardoso, Mariama Injai e Danilo Moreira.