Ordem para vestir bíquini, lei para despir hijab – venha o homem e escolha?

Nesta semana, o Comité Disciplinar da Federação Europeia de Andebol considerou “impróprio” o vestuário utilizado por atletas norueguesas, negando-lhes o direito de optarem por calções em vez de biquínis. Por isso castigou cada uma com uma multa de 150 euros, encaixando um total de 1.500 euros. Na semana passada foi a vez de o Tribunal de Justiça da União Europeia decretar que, nalguns casos, as empresas podem proibir as suas funcionárias muçulmanas de usarem o hijab. Duas situações distintas que têm em comum o atropelo a liberdades elementares, e que reflectem a patriarcal obsessão de capitalizar poder sobre os corpos femininos. Um tema pelo qual passaremos mais logo, n’ O Lado Negro da Força.

por Paula Cardoso

Naquele dia estava de calças de ganga que, à medida do uso partilhado – entre mim e uma das minhas irmãs – ficavam cada vez mais vestíveis, que é como quem diz: rasgadas. Tinha 16 ou 17 anos, seguia apressada para uma aula, quando, entre corredores, uma professora me atrasou a marcha. “Uma menina não se deve vestir assim”. O “assim” aparentemente incompatível com a minha condição feminina era orgulhosamente inspirado no look das icónicas TLC. Passo a descrever: calças largas – embora não demasiado –, boxers CK à espreita na cintura, e top de estilo algo desportivo a exibir o umbigo.

Aos olhos daquela professora, que não conhecia nem passei a conhecer, o meu vestuário era impróprio. Não pelas peças em si, mas por não combinar com o meu género. O problema, deu-se ao trabalho de me explicar, tinha que ver com o ligeiro rasgão no rabo que, embora totalmente coberto pelos boxers, não era adequado.

Ouvi a opinião, ignorei os conselhos de moda, e lembro-me de responder qualquer coisa do género: “Visto-me como quiser. Eu é que tenho de gostar”.

Talvez a conversa tivesse esticado, não fosse o toque de entrada, mas os poucos minutos que durou foram minutos de conversa a mais.

A professora, que na altura aparentava uma idade próxima da reforma, estava chocada com aquela situação: por um lado eu reservava-me o direito de escolher o que vestir, por outro lado exercia a liberdade de discordar da autoridade (ela).

Pelo direito de escolher

Nunca mais esqueci esse episódio, da mesma forma que guardo a lembrança de uma tentativa parental de me cobrir as pernas, quando tinha 14 ou 15 anos. Em casa, foi a primeira e única vez em que isso aconteceu, porque, entre a fúria da repreensão e a rebeldia própria da adolescência, expliquei que tinha o direito de escolher usar aquele vestido curto quando quisesse e as vezes que me apetecesse.

Descobri esta semana que esse direito de escolha é negado às atletas de andebol de praia, obrigadas, por regulamento federativo, a usar biquínis, por mais desconfortáveis que se sintam. E sentem-se.

Por isso, as jogadoras da Noruega decidiram contrariar as regras e competir de calções. Acabaram multadas em 150 euros cada, porque, ao que tudo sugere, os donos do jogo consideram que os seus corpos valem mais patrocínios se estiverem mais despidos. Calções? Só para os homens.

Com a discussão ainda no adro, não faltam sugestões – mais e menos criativas – para contornar o sistema. Uma deles propõe que todas invoquem razões religiosas – no caso muçulmanas – para cobrirem o corpo.

A proposta soa no mínimo irónica, uma semana depois de também a opção feminina de usar hijab ter ficado seriamente comprometida, pelo menos no reino profissional europeu. Isto porque o Tribunal de Justiça da União Europeia decretou que, nalguns casos, as empresas podem proibir as suas funcionárias muçulmanas de usarem o hijab.

Duas situações distintas que têm em comum o atropelo a liberdades elementares, e que reflectem a patriarcal obsessão de capitalizar poder sobre os corpos femininos. Um tema pelo qual passaremos mais logo, n’ O Lado Negro da Força.

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