Os dois deputados negros da Primeira República, por Pedro Varela

“Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes”, escreveu o jamaicano Marcus Garvey, um dos ícones maiores do movimento pan-africano. Retomamos aqui o seu pensamento para enquadrar as linhas que se seguem. Com actualização semanal, darão a conhecer, de forma sucinta, figuras e episódios que fazem parte do legado negro. Como João de Castro e José de Magalhães, aqui apresentados pelas palavras do investigador Pedro Varela.

João de Castro

José de Magalhães

por Pedro Varela

João de Castro e José de Magalhães foram os mais destacados dirigentes do movimento negro em Portugal de 1911-1933, liderando ao longo de duas décadas diversos jornais e organizações pan-africanistas. Para além disso, estes dois activistas foram eleitos deputados para o parlamento da Primeira República Portuguesa em 1918 e em 1922.

Em 1918, João de Castro foi o único deputado eleito pelo Partido Socialista Português (que não tem relação com o PS atual). Este era o partido mais à esquerda no espectro político da Assembleia e aí o único representante do movimento socialista, operário e sindical. João de Castro em intervenções no parlamento identificava-se como representante “socialista e indígena” e dirigia-se aos “socialistas, trabalhadores e os indígenas”.

Já José de Magalhães, que era um médico e professor do Instituto de Medicina Tropical, chegou a São Bento como representante da Liga Africana, a organização que trouxe W.E.B. Du Bois a Lisboa em 1923. Apesar de viverem desde novos em Lisboa, um deles ter nascido em Angola e outro em São Tomé, foram os dois eleitos pelo círculo de São Tomé e Príncipe onde existia um forte movimento pan-africanista.

Deixo aqui uns fragmentos de uma intervenção de João de Castro no parlamento no dia 5 de agosto de 1918:

“A minoria socialista, considera como fundamentais e, interessante, na hora presente, aos trabalhadores e aos indígenas, os seguintes problemas: O problema da guerra; as reformas de carácter económico e social; a questão constitucional ou da reorganização jurídico-política da nacionalidade, compreende as colónias; e, finalmente, o problema religioso. Relativamente à questão da guerra a minoria socialista, fiel à teoria da internacional, exprime a sua convicção, de que o interesse da causa humana dependerá muito da vitória das concepções sociais e políticas que constituem os fins pelos quais lutam as nações aliadas. 2º Quanto a reformas de carácter económico e social a minoria socialista declara apoiar as reclamações fundamentalmente socialistas formuladas pela União Operária Nacional […] 3° Tem a minoria socialista como princípio constitucional incontroverso duma democracia que o poder reside integralmente na colectividade donde deriva a soberania, base e fundamento de toda a autoridade legítima. Por isso a forma política do regime social deve ser a duma república federal parlamentar. Afirma, portanto, peremptoriamente que a acção imediata do Partido Socialista será de incidência irredutível sobre os seguintes objectivos constitucionais: a federação da metrópole e colónias, sob o sistema parlamentar, em regime republicano; a federação e autonomia dos municípios, na sua administração concelhia; e municipalização progressiva da produção. […] 4° Pela liberdade de consciência e do livre pensamento não pode o Estado privilegiar qualquer profissão religiosa e, muito menos, opor uma a outras. A separação da igreja do Estado é um princípio lógico, humanista e da paz para as consciências, porque é o reconhecimento da personalidade humana no seu justo anseio de emancipação psicológica. […]”,

Para saber mais sobre o movimento negro em Portugal de 1911-1933 ver:

  1. “As origens do movimento negro e da luta antirracista em Portugal no século XX: a geração de 1911-1933”, de Pedro Varela e José Pereira; 
  2. “Feminismo negro em Portugal: falta contar-nos”, de Cristina Roldão;
  3. “As origens do movimento negro em Portugal (1911-1933): uma geração pan-africanista e antirracista”, de Pedro Varela e José Pereira.
Antropólogo, doutorando e investigador júnior do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra.
Pedro Varela