Os fantasmas escravocratas e o racismo institucional à solta no ecrã

Queriam debater a “A Influência da Escravatura no Sistema e o Racismo Institucional”. Foram silenciados à moda do “tempo da velha senhora”: criminosa e cobardemente. Aconteceu com a Associação de Estudantes da Escola Secundária de Camões no último dia 18 de Fevereiro, num evento organizado em colaboração com “A Fonte”, rede de alunos africanos na diáspora. Acontece sempre que pessoas negras ousam questionar a ficção histórica dos “descobrimentos” e do “bom colonizador”. Também por isso assumimos o nosso lugar de fala. Amplificado, a partir das 21h30, n’ O Lado Negro da Força.

por Paula Cardoso

Uns insistem em negar o crime. “Racismo? Em Portugal? Isso é ficção do anti-racismo”, vociferam. Outros reconhecem que o crime aconteceu, mas não aceitam que as vítimas reivindiquem a justa reparação. “Ainda estão a reclamar por algo que aconteceu há séculos? Já tiveram muito tempo para ultrapassar!”, papagueiam.

Também não falta quem esteja tão desesperado em provar “inocência” que insista em ocultar as provas das atrocidades: “Rever o ensino da História, porquê? Os portugueses deram novos mundos ao mundo, e temos muito orgulho nisso.”.

Vale tudo menos reconhecer que a ocupação violenta de territórios, o comércio transatlântico e escravização de seres humanos, a violação de mulheres e crianças, a animalização de milhões de pessoas e tantas outras barbáries nunca foram aceitáveis.

Vale tudo menos reconhecer que o sistema em que vivemos reproduz relações de poder fundadas na escravatura, reforçadas no colonialismo e perpetuadas com o capitalismo.

Vale tudo menos analisar o porquê de os negros continuarem a ser empurrados para servir mas nunca para reflectir.

Não admira por isso – embora nunca deixe de ser chocante – que todas as tentativas que façamos, no sentido de questionar a ficção histórica dos “descobrimentos” e do “bom colonizador”, e de reivindicar o direito a falarmos na primeira pessoa, provoquem um profundo mal-estar.

Também não estranha que quem se fez nação a partir da negação do negro tenha dificuldade em lidar com a afirmação do negro.

Imagens de suásticas e de pessoas negras violentadas a ocupar o ecrã

Foi exactamente isso que ficou demonstrado – uma vez mais – no passado dia 18, num evento promovido pela Associação de Estudantes da Escola Secundária de Camões, com a colaboração da rede de alunos africanos na diáspora “A Fonte”.

Instantes depois de iniciarem uma discussão no Zoom sobre “A Influência da Escravatura no Sistema e o Racismo Institucional”, os estudantes foram visitados por agressores ao estilo do “tempo da velha senhora”.

“Houve uma invasão de mais do que uma pessoa com ataques racistas e neonazis, imagens de suásticas e de pessoas negras violentadas a ocupar o ecrã e vozes em inglês a dizer “preto volta para África”, “preto cala-te” ou a imitar o som de macacos”, lê-se no Público.

O acto “cobarde e racista”, conforme assinalou a Direcção do Liceu em comunicado, motivou a apresentação de uma queixa ao Ministério Público por parte do estabelecimento de ensino.

A Polícia Judiciária também deverá investigar o sucedido, avança o Público, que ouviu alguns dos presentes nessa sessão Zoom.

“Depois do que aconteceu fizemos uma publicação e alguém escreveu ‘Angola é nossa’”, partilhou uma estudante.

O alerta para uma escalada do ódio ressalta também do relatório ‘Estado de Ódio: Radicalismo da extrema-direita na Europa’.

O documento, publicado na semana passada, lembra que nenhum país está imune ao fenómeno.

“As excepções vão desaparecendo ao longo do tempo e na verdade os riscos da extrema-direita europeia são ubíquos e podem acontecer em qualquer país se existirem as circunstâncias certas”.

Chega?

A discussão prossegue mais logo, a partir das 21h30,  n’ O Lado Negro da Força, o talk-show online das noites de quinta-feira, que pode seguir no Facebook e no YouTube. Com José Rui Rosário, Pedro Filipe, Paula Cardoso, Mariama Injai e Danilo Moreira.