Os papéis e as lutas de Hoji Fortuna pela igualdade e dignidade humanas

Tem experiência em teatro, cinema e televisão, percurso iniciado em Lisboa, mas impulsionado a partir de Nova Iorque, para onde se mudou em 2008. Quatro anos depois, foi distinguido pela Academia Africana de Cinema, com o prémio de melhor actor secundário, pela interpretação no filme “Viva Riva”, uma de várias produções que projectam o seu nome internacionalmente. Falamos de Hoji Fortuna, que junta aos créditos na representação um papel activo na luta pela igualdade e dignidade humanas. Com destaque para o combate ao racismo, um dos temas de conversa amanhã, n’ O Lado Negro da Força, onde se junta ao elenco de convidados.

por Paula Cardoso

Dez anos separam a partida de Portugal, em 2008, de um regresso indigesto ao país, relatado entre incontáveis ‘rounds’ de combate anti-racista. “Acreditei que muito havia mudado, até que em 2018 fui convidado a assistir a uns prémios de televisão, onde constatei a parca presença de pessoas parecidas comigo entre os nomeados”.

Na altura, conta Hoji Fortuna na sua página no Facebook, o desejo de “fazer barulho” acabou por esbarrar num receio que considera comum. “Sei que muitos são os actores negros com medo de fazer barulho publicamente em relação ao racismo predominante no audiovisual, com medo que se vejam privados do pouco trabalho que vai aparecendo”.

Hoje, três anos cumpridos desde aquele convite, o luso-angolano não só escreve e fala sobre o assunto, como promove uma petição pelo “Fim do Racismo na Televisão Portuguesa”, na qual denuncia mais um caso de racismo no mercado luso do audiovisual.

Em causa estão os Troféus Impala de Televisão 2021, nos quais o actor contabilizou 75 nomeações individuais, incluindo apenas uma de um profissional de etnia negra – o jornalista Cláudio França.

“Isto é consequência de práticas reiteradas no audiovisual português que privilegiam cidadãos brancos em detrimento de cidadãos negros, e configura uma situação de racismo institucional e estrutural”, sublinha Hoji, lembrando que “o audiovisual é a janela através da qual a sociedade se revê a si própria”.

Por medidas corajosas contra a invisibilização da comunidade negra

Além de contestar a narrativa oferecida pelos produtos audiovisuais, que persistem “em ostentar um privilégio da comunidade de etnia branca sobre a comunidade de etnia negra, invisibilizando esta última ou relegando-a para papéis subalternos e de humanidade”, o luso-angolano alerta para o seu efeito prejudicial.

“Esse tipo de práticas impacta a maneira como os cidadãos portugueses de etnia negra são vistos e percebidos pelo resto da sociedade portuguesa, e tem influência no modo como tais cidadãos são tratados”, lê-se na petição, que reivindica “medidas corajosas” para assegurar a aplicação dos princípios da igualdade e da equidade social, por um país mais justo.

Do texto da petição para a realidade, as vivências de Hoji, que se apresenta como feminista, ligado a grupos activistas pela igualdade e dignidade humana, fundamentam cada argumento.

“Há anos que me tenho dado conta do apagamento de pessoas negrxs no audiovisual, nomeadamente nos prémios, que são um reflexo do que se produz no audiovisual em Portugal. Foi em parte por essa razão que decidi emigrar para os EUA em 2008”, conta o actor, naquele relato publicado no Facebook.

“O tipo de trabalho que me estava a ser oferecido [em Lisboa] não era exactamente o que me fazia sentir orgulhoso da profissão que queria exercer ao mais alto nível”, assinalou Hoji na “LisbonTalks”, programa de conversas e masterclasses do IndieLisboa, que, na última edição, abordou a falta de representatividade na indústria do audiovisual.

Na mesma ocasião, o actor explicou que além da dificuldade de conseguir trabalho, se confrontou com a falta de acesso a papéis diferenciados, que permitissem “competir em pé de igualdade com as demais comunidades de actores para os prémios anuais, que depois acabam por ter repercussões em termos de mediatismo dos actores e do tipo de trabalho” que podem realizar.

Facto é que quatro anos depois da saída de Portugal, para Nova Iorque, Hoji foi distinguido pela Academia Africana de Cinema, com o prémio de melhor actor secundário, pela interpretação no filme “Viva Riva”.

Mais recentemente, o luso-angolano entrou numa produção de época na brasileira Rede Globo, e integrou o elenco de “Tribe of Europa”, a sua estreia num projecto Netflix. Entre planos de gravações, o actor aprimora a veia multilingue: para além de papéis em português, inglês e francês, já actuou em checo e húngaro. Pelo caminho, também escreveu e realizou a sua primeira curta-metragem, intitulada “Lisbon Affair”, que apresenta como uma “história de amor entre duas pessoas negras, algo raro na narrativa audiovisual portuguesa”.

Antes da estreia, é tempo de conversarmos n’ O Lado Negro da Força. Amanhã, às 21h!

Para ver no Facebook e no YouTube, a partir das 21h. 

 

O actor, no set de “Viva Riva” (cima)