Os superpoderes que transformam
todas as mães em heroínas

Autora do projecto “Mãe para mim, mãe para ti”, desenvolvido como uma rede online de partilha de experiências de maternidade e de suporte feminino, Lectícia Trindade inspirou-se nas histórias que encontrou, e na sua vivência familiar, para escrever um livro infantil. Chama-se “Minha Mãe, Minha Heroína”, e foi lançado a 19 de Setembro, com redobrados motivos de celebração: nessa data assinala-se o dia da mulher de São Tomé e Príncipe, país de onde partiu, ainda criança, para viver em Portugal. Agora em Inglaterra, onde reside com o marido e os três filhos, Lectícia aprimora a veia de comunicadora, como apresentadora da RSTP.

por Paula Cardoso

Primeiro nasceu o Rafael. Os gémeos Miguel e Gabriel chegaram dois anos e meio depois, e com eles, veio também uma grande transformação familiar. “Mudámos, para Inglaterra porque eu e o meu marido estávamos à procura de melhores oportunidades profissionais”, conta Lectícia Trindade, desde 2017 estabelecida na cidade de Leeds.

“Na altura, o meu filho mais velho ainda não tinha três anos, os gémeos estavam com cinco meses, e, como eram todos tão pequeninos, decidimos que ficava em casa a tomar conta deles”.

Mãe a tempo inteiro, Lectícia encontrou na nova rotina uma estranha descontinuidade.

“Sempre fui uma pessoa muito activa, sempre gostei muito de trabalhar, e de me sentir útil e, de repente, por mais ocupada que estivesse a cuidar dos meus filhos, dava por mim a sentir-me tão inútil. Isso começou a afectar-me”, recorda a luso-são-tomense de 32 anos.

O confronto com as emoções da mudança, tantas vezes difíceis de gerir e digerir activou uma série de inquietações. “Passei a questionar-me: ‘Como é que será que as outras mães se sentem na mesma situação? Será que passam pelo mesmo?”.

“Mãe para mim, Mãe para ti”, ao cuidado de todas

Em busca de respostas, Lectícia embrenhou-se em pesquisas e leituras sobre o tema, e depressa transformou a sua necessidade de informação num projecto de comunicação.

Nascia assim o “Mãe para mim, Mãe para ti”, apresentado como “um espaço dedicado a todas as Mães que perderam os seus empregos (voluntária ou involuntariamente) no seguimento da maternidade, motivando e empoderando-as”.

Lançado em Março de 2019 como uma página no Facebook, o projecto ganhou, já neste ano, um lugar na grelha da RSTP, órgão de comunicação online e independente, fundado por jovens que, tal como Lectícia, têm raízes em São Tomé e Príncipe.

O próximo programa, marcado para as 19h do próximo domingo, 11, traz para a conversa Sara Duarte Pinto, convidada a falar “sobre os desafios de se ter um filho com Síndrome de Asperger”.

Os testemunhos renovam-se quinzenalmente – sempre em directo, a partir do site e das redes sociais da RSTP – e ajudam a desconstruir uma ideia monolítica e romanceada da maternidade.

“Da mesma forma que eu fiquei triste por sentir que em casa não estava realmente a trabalhar, outras mulheres passaram por situações difíceis a partir do momento em que foram mães. Acredito que se partilharmos as nossas experiências, não só podemos ajudar outras mães a dar a volta, como inspiramos outras pessoas a contar a sua história”.

Admiração feminina transformada em livro

De testemunho em relato, o “Mãe para mim, Mãe para ti” inspirou Lectícia a escrever o livro infantil “Minha Mãe, Minha Heroína”, lançado no passado dia 19 de Setembro.

Ouvi relatos de mães que engordaram imenso, porque uma pessoa, quando está em casa, começa a ter uma vida mais sedentária, em que come, come, come, e não faz exercício. Por outro lado, também conheci mães que emagreceram imenso por terem ficado com problemas hormonais”, assinala a autora.

Além dos problemas de peso, e dos conflitos com a imagem que daí podem resultar, pelo “Mãe para mim, Mãe para ti” já passaram experiências graves de saúde mental.

“Cheguei a entrevistar mães que, por causa da depressão, pensaram matar os próprios  filhos”, sublinha Lectícia, alertando para a importância de desenvolver o seu projecto como uma rede online de partilha de experiências de maternidade, de suporte e reconhecimento.

“Normalmente, quando vemos o que as mães fazem banalizamos, dizemos que é normal que o façam, que não é nada de especial. Mas, a cada história que encontro, o que vejo é que as mães são tão guerreiras, são tão fortes, que deveriam ser mais valorizadas na nossa sociedade”.

A homenagem às vivências da maternidade, presente nas páginas de “Minha Mãe, Minha Heroína”, promete, em breve, agregar vozes masculinas.

“Os pais também vêem o meu programa, e alguns até já pediram para serem entrevistados. Por isso, vou começar a convidar homens também”, antecipa Lectícia, lembrando que o maior ou menor envolvimento deles na parentalidade tem um impacto fundamental na vida familiar e individual das mulheres.

Da Enfermagem à Comunicação

No seu caso, por exemplo, o apoio e encorajamento do marido foram determinantes para concretizar o “Mãe para mim, Mãe para ti”, e resgatar o sentimento de realização.

A par do desenvolvimento do seu projecto, a são-tomense trabalha como produtora de conteúdos para as redes sociais de uma empresa portuguesa, e colabora com alguns portais informativos. É o caso do É Agora, onde publicou, no início da semana, um testemunho sobre “Ser Mãe Imigrante no Brexit”.

“Sempre gostei de comunicar, de me relacionar com as outras pessoas”, adianta Lectícia, que antes da mudança para Inglaterra, integrava a equipa do programa Bem-Vindos da RTP África.

“Também estive a fazer alguns trabalhos como repórter, para uma empresa angolana”, recorda a licenciada em Comunicação, formação que concluiu com especialização em Marketing, Relações Públicas e Publicidade.

Para trás ficaram os planos de uma carreira na enfermagem, influenciados pelo contexto familiar.

“A minha mãe é enfermeira, a minha tia é enfermeira, tenho mais duas primas que são. Então, cresci a pensar:  também vou ser enfermeira”.

A vontade aguentou até ao terceiro ano da licenciatura em Enfermagem, mas acabou por ceder diante da prática profissional.

“Como sempre gostei muito de estudar, o curso corria muito bem a nível teórico, mas depois ia para os estágios, ia para o hospital, para o centro de saúde, e ficava com medo, ficava a tremer. Percebi que não tenho muita destreza manual, e, nessa área, isso é essencial. Então comecei a ficar muito frustrada, e até tive de ser vista por psicólogos porque sentia-me stressada”.

Apesar da pressão familiar para não desistir da área da Saúde, Lectícia seguiu em frente com a decisão.

Páginas solidárias

“Eu sou uma pessoa muito audaciosa”, diz, sempre de páginas abertas para um novo capítulo.

“Já estou a trabalhar noutro livro, também infantil. Ao mesmo tempo, estamos a tentar passar o Nucas [protagonista de “Minha Mãe, Minha Heroína”] para uma animação. Vamos ver no que dá”. 

Enquanto esperamos pelas cenas animadas, podemos acompanhar o Nucas na história já publicada, cujas vendas revertem, parcialmente, para a missão Dimix.

“É uma associação que apoia crianças em São Tomé e Príncipe”, explica Lectícia, que, apesar de ter saído do país natal com apenas cinco anos, manteve sempre a ligação ancestral.

Não estranha, por isso, que “Minha Mãe, Minha Heroína” tenha sido lançado no Dia da Mulher de São Tomé e Príncipe, assinalado a 19 Setembro. Com superpoderes de homenagem.