Para quando África? Uma reflexão ao encontro das lições de Joseph Ki-Zerbo

Que referências nos acompanham na nossa construção de negritude e africanidade? Quais os livros, filmes, séries, discografia ou palestras que nos ajudaram a desmontar a armadilha da história única? Publicamos, neste espaço, sugestões que espelham esse despertar identitário. A obra “Para quando África?” convida-nos a uma série de reflexões, a partir do pensamento de Joseph Ki-Zerbo, historiador, activista e político burquino, falecido em 2006.

por Afrolink

Vivenciou e pensou África. Como intelectual, activista, político e também filho, pai e marido. As múltiplas dimensões dos 84 de vida de Joseph Ki-Zerbo sobressaem na obra “Para quando África?”.

O livro, escrito a partir de entrevistas realizadas entre 2000 e 2002 pelo historiador René Holenstein, apresenta-nos, justamente, o que propõe a introdução: um trampolim para o futuro, a partir da memória.

Com reflexões sobre o passado escravocrata e colonial; o neocolonialismo e o neoliberalismo; a democracia, o autoritarismo e a corrupção; os direitos humanos e tantos outros capítulos fundamentais para a leitura e compreensão da História de África – e da humanidade –, “Para quando África?” prende-nos desde as primeiras palavras.

Começar e acabar pela História

“Sem identidade, somos um objecto da História, um instrumento utilizado pelos outros: um utensílio. (…) Na identidade, a língua conta muito. (…) A lenta asfixia das línguas africanas seria dramática, seria a descida aos infernos para a identidade africana”, lê-se no arranque da obra.

Debruçando-se sobre o lugar da História de África na historiografia geral, Ki-Zerbo recorda-nos que “África é o berço da Humanidade”, ressalvando: “Ninguém o contesta, mas muita gente o esquece”.

A par de uma conveniente amnésia em relação ao papel fundamental do continente africano, o intelectual burquino, falecido em 2006, destaca as distorções que lhe estão associadas.

“O Egipto é filho natural dos primeiros tempos de África como berço da Humanidade, embora se tenha tentado desligar o país dos faraós de África, pretendendo que faça parte do Médio Oriente”.

Atento ao que designa de “deformação da formação”, Ki-Zerbo partilha a impressão de que “a Europa não consegue conceber que África possa desempenhar um papel benéfico para a Humanidade.”

“Ninguém acha que há alguma coisa de positivo a tirar de África, exceptuando o folclore. Nisto, concede-se aos africanos um pouco de imaginação. É por isso que se deve começar pela História e terminar pela História”.

Porque, conforme nos recorda uma das suas célebres frases: “A África de que o mundo necessita é um continente capaz de ficar de pé, de andar pelos seus próprios pés. É uma África consciente do seu passado e capaz de continuar reinvestindo esse passado no seu presente e futuro.”

 

Joseph Ki-Zerbo nasceu em Toma (Burquina Faso), em 1922 e morreu a 4 de Dezembro de 2006. Historiador e político, publicou “História da África Negra”, e, entre outros títulos, dirigiu dois volumes da colecção da UNESCO “História Geral de África”.