Pelo direito de ser “cidadã negra, e não uma negra acessoriamente cidadã”

Autora do livro “As Novas Identidades Portuguesas”, Patrícia Moreira, ou simplesmente Vany, encontrou na escrita um caminho para abordar as múltiplas expressões que o racismo assume na sociedade lusa. A via literária de combate a preconceitos étnico-raciais e micro-agressões diárias percorre-se, na obra de Patrícia, pelas histórias dos luso-cabo-verdianos Gregório e Ivanilsa, decalcadas de uma realidade ainda invisibilizada e silenciada. Para conhecer melhor amanhã, em mais uma emissão d’ O Lado Negro da Força.

por Afrolink

De tanto ser azucrinada com a pergunta “De onde és?”, invariavelmente indutora de tiques de inquisição até à ‘aprovação final’ – “És portuguesa? Mas, e os teus pais? E os teus avós? Ah, então és cabo-verdiana” –, Patrícia Moreira programou uma nova resposta.

“Pela força dessa insistência, de me quererem a dizer que a minha origem é cabo-verdiana, quando fui viver para França e me perguntavam a minha nacionalidade, eu dizia que era portuguesa de origem cabo-verdiana. Porque foi como me comecei a apresentar em Portugal. Portuguesa de origem cabo-verdiana”.

A partilha identitária, feita em entrevista ao Gerador, reflecte uma necessidade há muito identificada: “É preciso diferenciar nacionalidade e identidade. Quando falo de identidade, falo dos sentimentos de identificação e de pertença a um determinado grupo”, reflecte Patrícia, noutra conversa jornalística, a propósito do livro “As Novas Identidades Portuguesas”.

Publicado há um ano, o título marca a estreia da luso-cabo-verdiana na escrita, exercício entretanto alargado à participação na antologia  “Quarentena – Memórias de um país confinado”.

O recém-iniciado caminho de Letras não estava, contudo, nos planos da autora, a partir de 2019 desbravados a partir de uma nova consciência: é urgente debater o racismo em Portugal.

O exercício dialogante ocupa as páginas de “As Novas Identidades Portuguesas”, igualmente povoadas de expressões da cultura cabo-verdiana, que nos são dadas a conhecer a partir das histórias de Gregório e Ivanilsa, tal como Patrícia luso-cabo-verdianos.

Filha e neta de imigrantes cabo-verdianos, Vany nasceu e cresceu em Lisboa, mas foi na cidade francesa de Marselha que se licenciou em Ciências da Linguagem. A esta formação académica a autora junta o mestrado em Português Língua não Materna, concluído na Universidade do Minho.

Mais do que notas soltas numa biografia, o percurso no Ensino Superior ganha, nesta história, a dimensão de uma conquista geracional, impressa nas primeiras páginas d’“As Novas Identidades Portuguesas”.

Para além de dedicar o livro ao avô Gregório, falecido em 2016, a autora homenageia a avó Ana Maria Lopes Sanches, “a quem estas palavras chegam sem que possam ser decifradas”.

De uma História marcada por opressões para um presente que as continua a reproduzir, ainda que de forma dissimulada, a obra de estreia da luso-cabo-verdiana termina com um desejo para o futuro.

“Sinto a necessidade de escrever pelas nossas crianças (…) Para que a minha filha seja uma cidadã negra, e não uma negra acessoriamente cidadã, como no passado fizeram por nós”.

A história continua amanhã, a partir das 21h30, em mais uma emissão d’ O Lado Negro da Força.

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