Que influência teve a ministra da Justiça na escolha do procurador europeu?

“Francisca Van Dunem chegou onde chegou sem recurso à escada partidária ou à trepadeira televisiva. Fê-lo pelo mérito da competência profissional, cultivando a seriedade de carácter e norteada pelo único bem não transaccionável para quem presa a integridade: o seu bom nome. Não mente, não atropela e não é desleixada, nem é justo que disso seja apelidada”, assinala Myriam Taylor, empresária e activista pelos Direitos Humanos, na sua análise à polémica sobre o procurador europeu.

Myriam Taylor é empresária de impacto social, public speaker e activista pelos Direitos Humanos. Tem como objectivo mudar o Mundo e transformá-lo num lugar onde as gerações futuras não tenham de enfrentar as mesmas dificuldades que teve como criança negra e mulher. Myriam nasceu em Albufeira e é filha de pais angolanos que se fixaram no Algarve em 1976 como refugiados da guerra civil em Angola.  

Myriam Taylor

Francisca Van Dunem, ministra da Justiça 

por Myriam Taylor

Reza a história que, antes de condenar Jesus a pedido do Sinédrio e das multidões, Pilatos terá lavado as mãos porque não lhe encontrava culpa alguma!

Passados mais de dois mil anos, não obstante a informação disponível e necessária para um julgamento justo, verificamos que os mesmos fenómenos de mesquinhez, manipulação e populismo continuam a sobrepor-se ao exercício do pensamento razoável e individual.

Os episódios relacionados com a escolha para a Procuradoria Europeia vindos recentemente a público e que envolvem o nome da ministra Francisca Van Dunem são disso um exemplo.

Dos factos em causa:

– A Procuradoria Europeia é um órgão recém-criado, composto por Procuradores de cada um dos Estados-Membros e que iniciou funções em 2020;

– Aberto o concurso para escolha do Procurador representante, o Estado Português designou o órgão tutelar dos candidatos, para a sua avaliação e classificação, ou seja o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP);

– Concluída a tarefa do CSMP, o resultado foi transmitido ao Ministério da Justiça que o apresentou à Procuradoria Europeia;

– Após apreciar os nomes apresentados por Portugal, o Comité de Selecção Europeu reordenou os candidatos de modo diferente do resultado obtido no concurso nacional, emitindo parecer que favorecia outra pessoa e gerando a divergência;

– Por isso, o Ministério da Justiça submeteu a questão ao Conselho Europeu;

– O Conselho Europeu pediu justificações adicionais sobre o candidato preferido por Portugal;

–  Esclarecimentos esses que geraram a carta de toda esta polémica remetida pelo Governo à Representação Permanente de Portugal junto do Conselho Europeu.

 SENDO CERTO QUE:

– Apesar de apreciar o Curriculum dos candidatos, o parecer do Comité não é vinculativo, sendo prerrogativa de cada um dos Estados Membros a última palavra sobre o candidato que o vai representar;

– Nenhuma das razões invocadas na carta constituiu critério de avaliação na classificação dos candidatos;

Visto que todo o enumerado pertence ao domínio público, dispensa os meus comentários. Por outro lado, é também do domínio público que esta polémica se prende com duas afirmações não exactas contidas na carta justificativa, a respeito da pessoa que o Estado Português escolheu para o representar junto da Procuradoria Europeia e que a Sra. Ministra da Justiça reconheceu como lapsos imputáveis ao seu Ministério, entretanto corrigidos.

Considero lamentável a ocorrência de erros, principalmente em se tratando de declarações que vinculam o Estado. Contudo, tendo acontecido, que mais restará senão controlar os eventuais danos?

 

Do que tenho lido e escutado até aqui, ninguém lançou suspeição sobre a virtude do concurso nacional, nem questionou o mérito do nomeado para o exercício do cargo. De resto, de acordo com critérios objectivos e quantificáveis, o candidato escolhido pelo Conselho Superior do Ministério Público era o mais bem posicionado.

Então, porquê crucificar a ministra?

Que influência teve ela no resultado do concurso?

Recuso-me a acreditar que estejamos na presença de um caso de chauvinismo, pois sei que Portugal é muito maior do que aquilo que alguns dos seus protagonistas querem fazer parecer. Não obstante, recorro à linguagem popular para afirmar que a Ministra Francisca Van Dunem é “presa por ter cão e presa por não ter”, e pergunto-me se o problema se prenderá com género. Ou será outra coisa??

Goste-se ou não, sei que sempre existirão Caifás, de cuja sobrevivência depende a eliminação, literal ou figurada da sombra dos seus adversários; sei também que a história reserva um lugar para aqueles que os levam a sério, por executarem os seus planos.

Mas o que não se compreende é a gratuitidade do manchar de uma imagem.

Num tempo em que é normal pessoas de carácter duvidoso assumirem a posição de arautos da moral pública; quando a mentira faz manchetes e à verdade que lhe corresponde é reservado apenas o espaço de roda pé; quando os “favores” constituem a verdadeira moeda de troca num mundo de valores à deriva; quando se torna comum o usufruto de glórias imerecidas, ou se alcança a superfície pelo sacrifício de companheiros de naufrágio, poucos atribuem valor a uma pessoa de bem.

Pior do que isso: tão-pouco a reconhecerão!

Ao que me é dado saber, Francisca Van Dunem chegou onde chegou sem recurso à escada partidária ou à trepadeira televisiva. Fê-lo pelo mérito da competência profissional, cultivando a seriedade de carácter e norteada pelo único bem não transaccionável para quem presa a integridade: o seu bom nome.

Tenho-a na conta de pessoa digna, portadora de justeza de princípios e cumpridora dos seus deveres. Não mente, não atropela e não é  desleixada, nem é justo que disso seja apelidada.

Incomodam-me as injustiças e não tenho paciência para aqueles que, em nome de interesses populistas ou de calendário, muitas vezes escusos, lançam mão de afirmações incendiárias, não se importando com a honra de pessoas idóneas.

Ultrapassam-se deselegâncias cometidas no discurso político e pode-se condescender com o despropósito da linguagem fóbica; mas acho imperdoável o insulto vindo donde se esperaria probidade, respeito, tratamento digno dos cidadãos e sua avaliação responsável, com base no histórico de provas dadas.

Enfim, voltando à história: haverá sempre vítimas de assassinatos e personagens, como Brutus, inesperadamente fora do contexto.