“Rastros de Resistência – Histórias
de luta e liberdade do povo negro”

Que referências nos acompanham na nossa construção de negritude e africanidade? Quais os livros, filmes, séries, discografia ou palestras que nos ajudaram a desmontar a armadilha da história única? Publicamos, neste espaço, sugestões que espelham esse despertar identitário. A obra “Rastros de Resistência – Histórias de luta e liberdade do povo negro”, do autor brasileiro Ale Santos, apresenta-nos narrativas de homens e mulheres que devem ser conhecidos e reconhecidos como heróis.

por Paula Cardoso

A princesa angolana Zacimba invadia navios negreiros, enquanto o Dragão do Mar se destacava pela fúria abolicionista, e as minas de Ouro Preto testemunhavam a aparição de uma realeza negra. De figura em acontecimento, por capítulos apagados da História, o livro “Rastros de Resistência – Histórias de luta e liberdade do povo negro” ajuda-nos a resgatar, conforme escreveu o rapper Emicida, o nosso “tesouro escondido”.

No prefácio da obra de Ale Santos, o músico brasileiro recorre a uma poderosa analogia para explicar o vazio que se criou na construção identitária dos negros, a partir da usurpação do seu legado.

“Alguma vez na vida você já pensou em como seria se uma maldição antiga o destituísse de seu reflexo? Imagine como seria mirar espelhos, rios, metais e olhares e não conseguir enxergar a si mesmo. Já imaginou se sua única referência a respeito do seu existir fosse uma sombra? Que embora ela o acompanhasse por todos os lugares, nunca conseguiria fazer justiça a tudo o que você realmente é e, pior, como sua única bússola, você com o tempo acreditaria que toda a sua existência se resume a uma imprecisa sombra perseguidora?”.

A fraude histórica

As distorções da imagem negra, desfocada por séculos de silenciamento e apagamento, fabricados por ideologias supremacistas brancas, são indissociáveis do nascimento do racismo, conforme ressalta a obra de Ale Santos.

“Para que a escravidão desse certo e tivesse aceitação, ela precisava de ter um respaldo moral, uma justificativa para que aqueles que usufruíam dos escravos pudessem fazê-lo de consciência tranquila. E para minimizar o estrago causado pela exploração, os esclavagistas construíram uma realidade imaginada ao “coisificarem” homens e mulheres negros”, assinala-se em “Rastros de Resistência – Histórias de luta e liberdade do povo negro”.

Depois de explicar as origens do mito da superioridade racial – suportado pela religião e pela ciência –, e como o mesmo operou para ocultar o nome de milhares de heróis africanos, Ale Santos parte para o resgate de narrativas de homens e mulheres que devem ser conhecidos e reconhecidos.

Como os já referidos Dragão do Mar e Princesa Zacimba, a que se juntam, entre outras, as referências ao “trono de ouro do Império Axânti”, à “astúcia do líder quilombola Benedito Meia-Légua” ou a “Del Valle, a mãe da pátria argentina”.

A falácia de que “os próprios negros se escravizaram”

A par de nos apresentar figuras negras com um legado incrível, Ale Santos – que se notabilizou a partir de publicações afrocentradas no Twitter –, analisa alguns desvios discursivos.

“Em uma época em que as redes sociais se tornam campos polarizados de discussão, a polémica em torno do racismo e da escravidão volta à tona, quase sempre apresentada com a falácia de que ‘os próprios negros se escravizaram’”.

Mas, afinal, “qual a diferença entre escravidão africana e o racismo europeu?”.

Consciente de que “as histórias não são apenas um pedaço de cada povo antigo”, mas sim “pedras fundamentais para reconstruir novos impérios culturais africanos pelo mundo”, Ale Santos dá um contributo fundamental para essa reconstrução. Rastro a rastro!

Ale Santos, autor de “Rastros de Resistência – Histórias de luta e liberdade do povo negro”