Ser, mas não parecer racista: como despachar o despacho da PSP?

As “normas relativas ao aprumo, apresentação e uso de uniforme” da PSP foram revistas, após 12 anos sem actualização, reconhecendo, ainda que de forma implícita, a existência de tatuagens racistas entre os efectivos da corporação. Mas, em vez de determinar a expulsão dos seus ‘agentes do ódio’, a Polícia optou por lhes dar seis meses para apagaram as provas do crime. O que isto nos diz sobre o funcionamento desta força de segurança? A discussão segue mais logo, a partir das 21h30, em mais uma emissão d’ O Lado Negro da Força. Hoje com a cantora Bárbara Wahnon como convidada.

por Paula Cardoso

Se à mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer, aos agentes da PSP – aparentemente – basta que pareçam não ser racistas, porque, na realidade, o que os impede de o ser?

A avaliar por um despacho divulgado nos últimos dias, os polícias racistas ao ponto de tatuarem o ódio na pele têm luz verde para continuar na corporação, desde que, no prazo de seis meses, apaguem os símbolos supremacistas que carregam no corpo.

Pior do que isso: se já é incompreensível que uma força de segurança, com a missão de zelar por todos os cidadãos, consinta em manter nas fileiras agentes que consideram que há pessoas superiores e pessoas inferiores, é inadmissível que os processos de recrutamento permitam a inclusão de novos agentes do ódio.

Uma Polícia de aparências, para manter adormecidas as consciências?

Um combate sério ao racismo exige políticas de tolerância zero à discriminação. Ou será que, na PSP, se prefere viver de aparências, em vez de se alertar consciências para o problema da infiltração de elementos da extrema-direita na organização?

O tema vai estar em debate a partir das 21h30, n’ O Lado Negro da Força, o talk-show online de todas as quintas-feiras, no qual o Afrolink marca presença.

Hoje com Bárbara Wahnon como convidada, e como sempre em directo – via Facebook ou via YouTube –, a emissão vai analisar outros dois temas que também deram que falar nos últimos dias.

No caso da PSP, falta perceber que proibir “em qualquer parte do corpo as tatuagens que contenham símbolos, palavras ou desenhos de natureza partidária, extremista, rácica ou que incentivem à violência” não inibe as acções de natureza partidária, extremista, rácica ou que incentivem à violência. E é sobre as acções que importa intervir.

Mesmo sabendo que a inspectora-geral da Administração Interna, Ana Cabral Ferreira, lançou o Plano de Prevenção de Práticas Discriminatórias, para prevenir situações de racismo e xenofobia no seio das forças de segurança, continuamos sem perceber, em concreto, o que está a ser feito para combater o problema, enunciado por vários organismos internacionais.

A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa, por exemplo, assinala, num relatório publicado em 2018, que “são inúmeras as acusações graves de violência racista cometida por agentes da polícia”, em Portugal.  Apesar disso, a instituição nota que “nenhuma autoridade reuniu sistematicamente estas acusações, e procedeu a um inquérito eficaz para determinar se são ou não verdadeiras. Isto levou ao medo e falta de confiança na polícia, particularmente entre as pessoas de origem africana”.

O documento divulgado pelo Conselho da Europa expressa ainda o receio de que alguns agentes da polícia simpatizem com grupos nacionalistas, da extrema-direita e neonazis que, por sua vez, “infiltram a polícia”.

Os avisos europeus combinam-se com alertas igualmente audíveis em Portugal, mesmo contra todas as tentativas de silenciamento.

Que o diga Manuel Morais. No âmbito de uma tese de mestrado em Antropologia, sobre o “policiamento de zonas urbanas sensíveis”, o agente documentou, de forma inequívoca, as fundações do racismo na PSP.

“Então, não sabes que eles [criminosos] são todos pretos ou ciganos?”

Diante da questão: “Acha que a etnia tem ligação directa com o crime?”, mais de 90% dos efectivos responderam afirmativamente. “Então, não sabes que eles [criminosos] são todos pretos ou ciganos?”, ouviu dos colegas.

Esta e outras conclusões foram partilhadas por Manuel Morais, em entrevista ao DN, na qual foi taxativo. “Há elementos das várias forças de segurança que exteriorizam as suas ideias racistas e xenófobas, usam tatuagens e simbologias neonazis, pertencem a grupos assumidamente racistas. Isto é do conhecimento de todos e, infelizmente, as organizações nada fazem para expurgar estes “tumores” do seio das forças de segurança. Pergunte-se à Inspecção Geral da Administração Interna, à PSP, à GNR, à Guarda Prisional ou a qualquer outra força: o que fazem quando são detectadas estas situações? Nada, não fazem nada.”

Apesar das evidências – a que se junta um relatório do Comité Anti-Tortura do Conselho da Europa apontando que, em Portugal, “a imposição de maus tratos, particularmente contra estrangeiros, incluindo com o propósito de obter confissões, não pode ser considerada uma prática infrequente” –, os negacionistas ou minimizadores de plantão continuam a assobiar para o lado.

Entre várias declarações de titulares de cargos públicos desvalorizando o problema da infiltração de racistas nas forças de segurança, juntam-se agora as do porta-voz da PSP, Nuno Carocha, a propósito da caça às tatuagens.

Embora admita que “haja pessoas que tenham este tipo de tatuagens em zonas não visíveis”, o responsável acredita que “será um número reduzido de pessoas”, sem esclarecer de onde vem essa convicção.

Ao Público, Nuno Carocha explica, contudo, que “o objectivo desta norma não é resolver um problema”, para logo a seguir admitir que, afinal, “com esta norma, tentamos resolver desde já o problema preventivamente”.

Como se ter ou não ter uma tatuagem fosse sequer um vislumbre de solução.