Venceremos! – com as ideias de Sankara, ao encontro do ‘País dos Íntegros’

No dia em que se assinalou o 33.º aniversário do assassinato de Thomas Sankara, executado a 15 de Outubro de 1987, a editora Falas Afrikanas lançou, em Lisboa, a obra “Venceremos”, que reúne seis discursos emblemáticos do lendário líder pan-africanista. Intemporais.

por Paula Cardoso

“As ideias não se matam. As ideias não morrem”. As palavras, proferidas por Thomas Sankara a 8 de Outubro de 1987, dias antes de ser assassinado, ganham vida na obra “Venceremos!”, lançada ontem, em Lisboa, pelo projecto editorial Falas Afrikanas. 

Com prefácio do historiador Jean-Michel Mabeko-Tali, o livro reúne seis discursos emblemáticos do lendário líder pan-africanista, escolhidos e adaptados para o português por uma equipa de igual número de tradutores. 

Mamadou Ba, dirigente da SOS Racismo, assina “A nossa Casa Branca fica no Harlem Negro”. A escritora e artista Gisela Casimiro traz “Uma frente Unida contra a Dívida”, enquanto a professora universitária Catarina Martins, partilha a “Homenagem a Samora Machel”. 

Já José Rodrigues Santy Jr., que tem no percurso vários projectos de consciencialização social na Guiné-Bissau, apresenta-nos o “Discurso de Thomas Sankara perante a Assembleia Geral das Nações Unidas”, pronunciado a 4 de Outubro de 1984. 

Por sua vez, Sónia Vaz Borges, “historiadora militante e interdisciplinar”, na sua própria definição, coloca em português “A Libertação da Mulher: uma exigência do futuro”.

Finalmente, Apolo de Carvalho, que se apresenta como um “estudante na grande universidade da palavra ensinada à sombra dos baobá” – conforme a “fórmula cunhada pelo grande tradicionalista maliano Amadou Hampâté Bâ” –, cunha o discurso que Thomas Sankara planeou fazer no dia em que foi executado. 

Romper com o rótulo de “Che Guevara Africano” 

Presentes no lançamento da obra, esta quinta-feira, 15 de Outubro, Raja Litwinoff, responsável pela direcção editorial, Mamadou Ba, Gisela Casimiro e José Rodrigues Santy Jr. uniram vozes, em nome de toda a equipa, para projectar a herança do lendário líder pan-africanista, justamente no dia em que se assinalou o 33.º aniversário do seu assassinato.  

A data inspirou homenagens em várias cidades do mundo, e, em Lisboa, ficou marcada não apenas por uma tertúlia de apresentação do livro “Venceremos”, mas também pela sua presença na montra de diversas livrarias que se juntaram ao memorial.  

 

Para trás ficou mais de um ano de trabalho colaborativo, conforme José Rodrigues Santy Jr. recordou na sua intervenção, centrada no legado de Sankara.

“Mesmo tendo falecido muito cedo [aos 37 anos], em pouco tempo ele deixou uma marca no mundo”, destacou o guineense, defendendo que, por mais que possa ser “elogioso” descrever o antigo Presidente do Burkina Faso como “o Che Guevara Africano”, aquilo que fez é mais do que significativo para merecer o reconhecimento em nome próprio. Sem comparações.

José Rodrigues Santy Jr. apontou alguns momentos-chave na vida de Sankara, lembrando a sua liderança na revolução que viria a rebaptizar o antigo Alto Volta como Burkina Faso, o “País dos Homens Íntegros”.

“Se não somos do Burkina Faso não conhecemos quase nada do país. Parece insignificante, mas deu-nos um homem com esta magnitude”, nota José, recordando a dimensão mundial do antigo Chefe de Estado.

“Identifico-me com Sankara, não somente por ter sido o Presidente do Burkina Faso, mas pela posição a nível global, porque não quis apenas dar a voz ao povo do Burkina Faso”.

Para ilustrar o seu entendimento, José partilhou parte do discurso que escolheu traduzir. “A Nova Ordem Económica Internacional inscreve-se simplesmente ao lado de todos os outros direitos dos povos, o direito à independência, à livre escolha de formas e estruturas de governo, como o direito ao desenvolvimento. E, como todos os direitos dos povos, ele conquista-se na luta e através da luta dos povos. Nunca será o resultado de um acto de generosidade de nenhuma potência”.

“Condensado do que representa a luta pela libertação do homem e da mulher negros” 

A consciência sobre o papel da intervenção política, evidenciada nos discursos de Sankara, é salientada por Mamadou Ba.

“Ele percebia que não há possibilidade de fazer nenhuma alteração das relações de força numa sociedade enquanto uma parte dela ficar sujeita à exploração ou à dominação. A revolução para ser revolução tem de ser total”, realçou o activista, depois de ler um excerto da obra, marcado pela exaltação feminina.

“O Sankara é um condensado do que representa a luta pela libertação do homem negro e da mulher negra. Ele colocou o negro e a negra de onde sempre foram tirados pelo capitalismo e pelo imperialismo, dizendo que nós fazemos parte da construção dos arquivos da Humanidade”.

Para o dirigente da SOS Racismo, a par da consciência política, o líder pan-africanista distinguia-se por ter “uma consciência verdadeiramente diaspórica”.

 

Ao contrário das actuais lideranças africanas, que considera “frouxas, covardes e vendidas”, Mamadou nota que, à semelhança de outros grandes revolucionários africanos, Sankara conseguiu perceber que “um dos piores inimigos da afirmação da nossa condição não é só imperialismo, mas também os traidores”.

Segundo o activista, o antigo Presidente, “conseguiu fazer essa leitura, e tentar criar condições para terminar com isso”.

Como exemplo do seu diferencial, Mamadou aponta um discurso “absolutamente notável”, proferido numa altura de conflito com o Mali. No pronunciamento, não incluído em “Venceremos”, Sankara dirigiu-se à nação, para comunicar que tinha recusado uma oferta de armas da França.

“O que ele disse aos franceses foi: Para vencer os malianos, preciso de vencer a fome. Em vez de me oferecerem armas, ofereçam-me tractores, se tiver mais comida consigo convidar os meus irmãos malianos, à volta de uma mesa para resolvermos as nossas contas. Isto é de um tipo absolutamente de outro mundo. Porque se fosse qualquer outro lacaio aceitaria as armas, faria uma guerra contra os seus próprios irmãos”, reforçou o dirigente anti-racista.

“Poderíamos passar aqui anos e anos a falar do Sankara. Sankara Vive!”, rematou Mamadou Ba, devolvendo-nos àquela frase de 1987: “As ideias não se matam. As ideias não morrem”.

A prova disso é a vida que, mais de três décadas depois da sua morte, continua a pulsar da sua obra.

“Produzir em África, transformar em África e consumir em África”

“(…) meus caros irmãos, com o apoio de todos, poderemos criar paz em casa. Poderemos igualmente utilizar os nossos imensos potenciais para desenvolver África, porque o nosso solo e subsolo são ricos. Temos recursos suficientes e um mercado enorme, muito vasto de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Temos capacidade intelectual suficiente para criar, ou pelo menos usar, a tecnologia e a ciência, onde quer que as encontremos”.

As palavras, extraídas do discurso “Uma Frente Unida Contra a Dívida”, situam-nos na 25.ª Conferência da Cimeira dos Países Membros da Organização de Unidade Africana (hoje União Africana) e chegam-nos com o cunho de Gisela Casimiro.

A escritora e artista leu parte dessa intervenção na tertúlia de lançamento de “Venceremos”, em que o sentido de colectivo de Sankara ficou, uma vez mais, evidenciado.

“Os bastões e facas que adquirimos são inúteis. Tornemos também o mercado africano o mercado dos africanos. Produzir em África, transformar em África e consumir em África. Vamos produzir o que precisamos, e consumir o que produzimos, em vez de importá-lo”.

A intervenção, de 29 de Julho, de 1987, termina com um grito de libertação: “A Pátria ou a Morte! Venceremos!”.

A obra “Venceremos!” pode ser comprada às Falas Afrikanas

Mais informações sobre a vida de Thomas Sankara disponíveis em ww.thomassankara.net