
DANÇA, CANTA, PARTILHA VIVÊNCIA ANCESTRAL, E DÁ-SE A OUVIR NA GULBENKIAN – ELA É NARA COUTO
Nascida no bairro baiano do Curuzu, que apresenta como o “mais negro fora de África”, Nara Couto fez carreira como bailarina antes de soltar a voz nos palcos. “As pessoas achavam que eu tinha que cantar um pouco mais forte, mas eu tinha a Sara Tavares como referência. E a Sara cantava sobre amor e sobre a leveza”. A influência abriu caminho para “Outras Áfricas”, projecto onde se afirma como “diplomata cultural”. No próximo sábado, 5 de Julho, é dia de a ouvirmos e aplaudirmos no Jardim de Verão da Gulbenkian, onde actua às 17h, já depois de ter trazido para Portugal, a sua “Vivência Ancestral”. Sempre ligada à força do Candomblé.
EM DESTAQUE
Valdeth Dala nasceu e cresceu em Angola, onde viveu até 2023, quando se mudou com a família para Portugal. A experiência confrontou-a com a brutalidade do racismo, realidade sobre a qual a jovem de 19 anos reflecte neste texto, inspirada no caso de Maria Luemba.
Ladis Baltazar e David Luemba, pais de Maria Luemba, jovem angolana de 17 anos encontrada morta em circunstâncias suspeitas no passado dia 12 de Junho, em Sever de Vouga, Aveiro, recordam a “luz própria” e “alegria contagiante” da filha, num texto em que partilham “O que Maria representava” para ambos. As memórias, lidas na manifestação do último domingo, 29 de Junho, já depois do enterro, realizado na véspera, ouviram-se entre apelos à Justiça. “A forma brutal como a tiraram de nós é uma ferida aberta, profunda”, sublinham, garantindo: “Lutaremos até ao fim para que a verdade apareça, para que os culpados sejam responsabilizados, e para que o nome da Maria nunca seja esquecido”. Firmes, Ladis e David, reiteram: “A justiça será o nosso acto de amor por ela, agora que já não podemos protegê-la com os nossos braços”. Sensibilizados com a solidariedade que têm recebido, os pais de Maria agradecem “todas as manifestações de carinho, solidariedade, apoio e orações”, e notam que “esse calor humano tem sido um abraço invisível”, que os tem sustentado e dado forças para continuar. O Afrolink partilha a carta na íntegra.
Pela segunda temporada a caminho do pequeno ecrã, o projecto “Contado por Mulheres”, uma produção da Ukbar Filmes em parceria com a RTP, sobressai pela ausência de diversidade. “Salta à vista que nem uma das mulheres escolhidas para ambas as temporadas do projecto é negra ou racializada, uma mulher com deficiência, ou uma mulher trans”, denuncia-se numa carta aberta dirigida à Ukbar Filmes, à RTP, e às 20 realizadoras que integram esse projecto. O Afrolink divulga a carta na íntegra, subscrita por mais de 430 pessoas, e que levanta questões fundamentais. Desde logo, estará a Ukbar Filmes disponível para assumir a falha “e tomar medidas com vista a corrigir os moldes de produção da segunda temporada e subsequentes, de forma a reflectir a pluralidade das mulheres artistas em Portugal?”.
Sem a presença de jornalistas na sala de audiências, que deixaram de acompanhar o processo ao ponto de terem ignorado o início do julgamento, o caso do assassinato de Ademir Araújo Moreno, cruelmente agredido em Março de 2024, evidencia como as vidas negras (não) importam nesta sociedade. A desvalorização das agressões que sofremos, ardilosamente transformadas em narrativas que nos demonizam e nos responsabilizam pelos nossos próprios homicídios, tem agora no Tribunal de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, nos Açores, um novo palco. É aqui que a defesa de Adriano Silva Pereira, apontado por inúmeras testemunhas como o assassino de Ademir, tem recorrido a incontáveis “armadilhas” de retórica para eliminar a acusação de “ódio racial”, presente desde os primeiros relatos do crime, cometido à porta de uma discoteca, na ilha do Faial. O jogo de palavras – apurou o Afrolink junto de uma pessoa que assistiu à segunda sessão do julgamento, na passada terça-feira, 17 – cai no absurdo de fazer de um “você” fundamento de absolvição. Para Elísio Lourenço, advogado do arguido, importa apurar se o seu cliente apregoou “Não tenho medo de pretos”, ou “Não tenho medo de vocês, pretos” para determinar se o assassinato teve motivação racial. Falando à imprensa – que apesar de não se ter dado ao trabalho de acompanhar a sessão, apareceu no final para registar declarações –, o jurista confirmou que Adriano Silva Pereira “assumiu ser o causador da morte, porque foi ele que desferiu o soco que veio a revelar-se fatídico”, mas reduziu o acto bárbaro a “uma rivalidade apenas, mais nada”, ainda que “haja componente de se tratar de brancos ou negros”. Não é isso, contudo, que indicam vários testemunhos recolhidos pela acusação, convergentes na descrição do arguido como um racista empedernido. A próxima sessão está marcada para dia 2 de Julho, e, com ela, renasce a esperança de que a Justiça seja feita. “Para mim, ele teria que apanhar no mínimo 20 anos”, considera ao Afrolink Lurdes Ferreira, a viúva de Ademir, que recorda o marido como “uma pessoa carinhosa, amigo do amigo, sempre de bem com a vida”. Morreu por ser negro.
A empresária de impacto social Myriam Taylor reflecte sobre o conceito de “judaico-cristianismo”, neste artigo de opinião que o Afrolink publica. “Após o Holocausto, e com a fundação do Estado de Israel em 1948, as democracias ocidentais – sobretudo os Estados Unidos – começaram a usar a expressão “judaico-cristã” para justificar alianças geopolíticas, especialmente durante a Guerra Fria”, nota a activista pelos Direitos Humanos. “O termo tornou-se uma ferramenta de propaganda”, prossegue Myriam, assinalando que o mesmo associa “valores como liberdade, moralidade e democracia a uma suposta herança comum judaico-cristã — em oposição ao comunismo ateu ou ao “mundo islâmico””. Mais do que identificar o problema, a empresária aponta a solução: “Abrir caminho para uma teologia da justiça que também enfrente a opressão dos palestinianos, o racismo religioso e a exclusão dos outros povos da narrativa de salvação”.
Retratados em noticiários televisivos e páginas de jornais como “os atacantes” do motorista da Carris que sofreu queimaduras graves durante os protestos contra o assassinato de Odair Moniz, Pedro Quadros e Wilson Mendes tornaram-se “presas fáceis” de uma investigação que se assemelha a uma perseguição. Detidos preventivamente a 28 de Novembro de 2024, apresentaram, dias depois, a 9 de Dezembro, provas e testemunhas que os retiram do local do crime, para onde as autoridades decidiram que tinham de ser arrastados. “Quiseram mostrar trabalho, e acabaram por prender dois inocentes que culparam à toa”, aponta Pedro, enquanto Wilson ilustra bem as fragilidades do processo: “Chegaram [à minha casa] a perguntar mais pelo meu irmão, porque disseram que eu, ele, e mais uns oito indivíduos teríamos feito aquilo. Mas o meu irmão vive fora de Portugal há 2 anos”. Os dois amigos, com quem o Afrolink falou em momentos distintos, por estarem impedidos de comunicar entre si, foram libertados em Março e em Maio, mas continuam a ter a sua imagem presa ao ataque que quase matou o motorista Tiago Cacais. Exigem, por isso, que se faça justiça, provando a sua inocência, e movendo uma acção contra o Estado. “O mundo sabe o que o motorista contou. Neste caso, acho que foi o que lhe disseram para contar, para tentar arranjar o culpado”, assinala Wilson, demonstrando uma empatia que nunca lhe foi dirigida. “Eu entendo a parte dele. Mas se realmente quer arranjar justiça, não é culpando qualquer um. Não é assim que é feita justiça”.
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ÚLTIMOS ARTIGOS
“O que acontece quando o mundo deixa de seguir o guião? Como podemos pensar e planear, num ano em que os nossos modelos de interpretação e acção parecem colapsar, perante uma realidade global cada vez mais imprevisível? Que ferramentas, individuais e colectivas, teremos que inventar para construir um futuro estável e próspero, entre tanta turbulência?”. No próximo domingo, dia 22 de Junho, às 15h, na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, Selma Uamusse e Catarina Marques conversam com Georgina Angélica e Paula Cardoso sobre essas e outras interrogações, num episódio ao vivo d’ O Tal Podcast. Os lugares são limitados, por isso garanta hoje mesmo os seus bilhetes.
Inaugurada no passado dia 18 de Junho, no salão da Sociedade Nacional de Belas-Artes, em Lisboa, a exposição colectiva “Muungano (1975–2025): 50 Anos de História, Arte e Cultura de Moçambique Independente” apresenta “uma homenagem visual à memória, resistência e vitalidade” do país que, no próximo dia 25, celebra cinco décadas de Independência.
O Mbongi 67, em Queluz, abre-se no próximo domingo, 22, para uma oficina de livros alinhavados, dinamizada pela artista transdisciplinar Raquel Lima e pela “artista-etc” Deisiane Barbosa, e direcionada para “mulheres negras interessadas em artes, livros, literatura e contação de histórias”.
A Livraria da Travessa, no Príncipe Real, em Lisboa, apresenta, na próxima quarta-feira, 25 de Junho, às 19h, uma conversa com a autora, filósofa, activista social e educadora brasileira Djamila Ribeiro, a partir da sua obra “Cartas para a Minha Avó”.
Depois da estreia no ano passado, o MILímetro – que se apresenta como um festival pluridisciplinar programado por jovens – está de volta no próximo sábado, 21 de Junho, para a segunda edição. O Beato Innovation District, em Lisboa, será o palco de toda a programação, que acontece das 14h à meia-noite. A entrada é grátis.
O livro “Afroeuropeans: Identities, Racism, and Resistances” – traduzível para “Afroeuropeus: Identidades, Racismo e Resistências” – foi recentemente publicado pela editora Routledge, podendo ser adquirido online, também em formato digital. Editado por Cristina Roldão, Raquel Lima, Pedro Varela, Otávio Raposo, Ana Raquel Matias, a obra resulta, em parte, da 7.ª Conferência Afroeuropeans, realizada em 2019, em Lisboa.