Pelos cabelos de Talaku nasceu uma marca, que cresce entre fios de Amor
Entre o que aprendeu sobre educar uma criança negra numa família totalmente branca, e aquilo que começou a viver e a sentir, Neus Rubau precisou de uma espécie de “reprogramação” a partir do momento em que adoptou Talaku. Dos comportamentos racistas que começou a identificar, aos conflitos de identidade da filha, Neus ganhou outra consciência racial, e novas necessidades, como aprender a cuidar do cabelo afro. Uma história que hoje se conta com loja online, serviço de consultoria personalizado, e uma marca própria: a Curly & Roll.
Neus, na apresentação em Lisboa, fotografada por Vivian Machado
De mochila às costas, e com a filha pela mão, Neus Rubau não tinha uma rota nem um mapa, mas sabia que tinha de partir de Girona em busca de orientação. Completamente perdida, socorreu-se, para começar, das duas únicas lojas que, na vizinha e maior Barcelona, pareciam abrir algum caminho.
“Na minha cidade não havia nada, mesmo nada”, recorda ao Afrolink, de volta ao desespero que sentia por não conseguir dar resposta a uma necessidade muito concreta: cuidar do afro de Talaku, a sua filha.
Hoje, muitas idas e vindas depois, esta é uma história que se conta com marca própria: a Curly & Roll, lançada a partir da experiência da Talaku.es, loja online baptizada à letra do nome da criança que trocou às voltas ao destino de Neus.
Até à adopção de Talaku, quando a menina tinha três anos, a família era integralmente composta por pessoas brancas, quase na totalidade sem literacia étnico-racial.
Não era o caso de Neus que, para melhor acolher a filha, originária do Quénia, decidiu informar-se sobre a sua identidade africana e negra, através da ligação a colectivos que se dedicam a esse trabalho de consciencialização.
“Tudo aquilo que me avisaram que iria acontecer aconteceu”, partilha, referindo-se a um quotidiano de microagressões racistas. Os episódios acumulam-se no baú das memórias, de onde a espanhola retira uma interecção num parque infantil.
“Um dia, a Talaku veio ter comigo a dizer que as meninas não queriam brincar com ela por ser negra. Aquilo marcou-me”.
Entre o que aprendeu sobre educar uma criança negra, e aquilo que começou a viver e a sentir, depressa Neus percebeu que iria precisar de uma espécie de “reprogramação”.
Contrariando o instinto mais primário, de confrontar as mães das crianças com o comportamento das filhas, a empresária optou pela via pedagógica.
“Em vez de apontar para o racismo, perguntei às meninas porque é que não queriam brincar com a Talaku, se era apenas por ter uma cor diferente. Acho que aí perceberam que aquilo não fazia sentido, e, pouco depois já estavam todas a brincar”.
Questionar para transformar
Se a ‘voz da razão’ dessa história fosse negra, e não branca, o desfecho teria sido o mesmo? Teriam as crianças ouvido, sem que as suas mães interferissem? Neus nunca parou – nem pára – de fazer perguntas.
Na viagem que se habituou a fazer a Barcelona, por exemplo, para abastecer a mochila de produtos capilares, o questionamento era constante. O que comprar? Como se utiliza este frasco? Em que quantidades?
As respostas foram chegando à velha moda do “aprender fazendo”.
“Ia experimentando no cabelo da Talaku, e fui procurando informação no YouTube”.
Aos poucos, a insistência e prática começaram a dar resultados: além de encontrar o seu método para cuidar do afro da filha, Neus começou a partilhar, com outras famílias, as suas aprendizagens.
Primeiro de modo informal, em grupos de pais adoptivos e projectos de literacia racial, aos quais já estava ligada, e depois através da loja.
A Talaku.es nasceu em 2013 e, no final do ano passado apresentou-se em Portugal, mercado onde pretende expandir o alcance.
“Em Espanha o produto já está estabelecido, e a vender muito bem”, nota Neus, destacando uma das novidades do projecto: o desenvolvimento de uma marca própria e vegana. “Estamos em 100 salões de cabeleireiro com os nossos produtos Curly& Roll”.
A oferta, disponível na loja online – onde 2% da vendas revertem para ONG’s –, deu resposta a uma contrariedade que, com o crescimento da Talaku.es, se acentuou: a incapacidade de a loja repor stocks de artigos que não produz.
“Ter a nossa marca permite-nos responder melhor à oferta, e os nossos produtos têm a versatilidade de funcionar para todos os tipos de cabelo, do mais cacheado ao mais crespo”.
Mais do que falar sobre os benefícios do catálogo Talaku, Neus faz questão que os mesmos sejam comprovados, e, por isso, a apresentação da Curly& Roll em Lisboa aconteceu com a presença de Elizabeth Acosta, do salão Elizabeth Rizos.
“Queremos que os profissionais em Portugal tenham formação nos nossos produtos”, antecipa a espanhola, sem nunca perder de vista o lugar da aprendizagem.
“Hoje a Talaku já tem 17 anos e decidiu alisar o cabelo”, conta, afastando imediatamente qualquer leitura derrotista ou desencantada.
“A minha filha sempre gostou muito de fazer penteados. Sei que está a adoptar um novo visual, não por rejeitar a sua identidade ou por querer ser aceite, mas porque diz que quer uma alternativa mais prática”.
A motivação faz toda a diferença, sublinha Neus, de volta ao dia em que, com apenas quatro anos, Talaku tentou “limpar” a cor, esfregando o rosto com saliva.
“Nada nos prepara para isso, mas temos de ser capazes de reagir e educar as nossas crianças para aceitar e amar quem são, e como são, e não verem nada de errado nas diferenças”. Todas especialmente humanas.
Elizabeth Acosta, do salão Elizabeth Rizos, fotografada por Vivian Machado