“O racismo matou de novo”, mas será que existe mesmo?

Numa semana em que mais um homem negro foi mortalmente baleado pela Polícia em Portugal, depois de ter sido perseguido, ao que tudo indica, apenas por ter a cor suspeita, talvez Teresa Pizarro Beleza consiga perceber – já que um ‘boneco’ não chegou – porque é que questionar: “Mas o racismo existe mesmo?” é, no mínimo dos mínimos, uma afronta.

Corpo docente da recém-suspensa Pós-graduação em Racismo e Xenofobia

Venham as retóricas e os contorcionismos argumentativos que vierem, nada se aproveita depois de um “não sou racista, mas…”, a minha versão-resumida do texto publicado pela coordenadora do Observatório do Racismo e da Xenofobia (ORX) no jornal Público da passada segunda-feira, 21.

Garante Pizarro Beleza que vários professores, “incluindo racializados”, foram convidados para ministrar a pós-graduação em Racismo e Xenofobia, apresentada nas últimas semanas com um corpo docente exclusivamente branco. A sua “presença seria natural e essencial”, assinala a responsável do ORX, acrescentando que “esses professores não responderam aos convites”.

Estará a coordenadora do Observatório interessada em saber porquê? Ou é mais fácil apontar para fora do que olhar para dentro?

Estará Teresa Pizarro Beleza familiarizada com a prática racista da tokenização? Alguma vez se deu ao trabalho de escutar as pessoas que, desde o dia 1, apontam fundadas críticas à sua liderança?

Pior do que a incapacidade de reconhecer um erro, que vejo sempre como uma possibilidade de aprendizagem, é a total falta de disponibilidade para ouvir e dialogar. 

Como entender que diante de questionamentos legítimos, a liderança do Observatório do Racismo e da Xenofobia decida não responder, optando, sobranceiramente, por se pronunciar a partir da coluna de opinião de um jornal?

Que leitura fazer de alguém que, não tendo percurso que se conheça no estudo de questões raciais – nem académico, nem activista, nem vivencial – não só decide ocupar um lugar de especialista na matéria, como ignora quem efectivamente o é?

Em que bolha de privilégio vive uma pessoa que aceita assumir um cargo que resulta de propostas apresentadas por pessoas racializadas para combater a violência e opressão que, não só estudam, como vivem na pele?

Se o racismo contido nessas práticas não parecer óbvio, espero que, pelo menos, o sentido retórico e provocatório dos questionamentos seja evidente.

Espero também que, aqui chegados, não seja preciso recorrer a títulos mais longos para fazer passar a mensagem. Mas, antecipando essa necessidade, aqui vai um: “O racismo matou de novo”, mas será que existe mesmo? – dos currículos bestas-bestiais às alienações raciais, que venha o Observatório e escolha.

Paula Cardoso

Jornalista, Fundadora da rede Afrolink e Autora da série de livros infantis Força Africana.

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