A vida de Georgina Ribas deu esta obra de arte, e isso vê-se no Brooklyn

A “Gala Black History Month”, organizada pela Embaixada do Canadá em Portugal, em parceria com a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e também com a Câmara Municipal de Lisboa, homenageou, no passado dia 19 de Fevereiro, quatro personalidades que marcaram e continuam a marcar a História Negra em Portugal. A atleta Naide Gomes e o músico Tito Paris subiram ao palco para receber as suas distinções, a que se juntaram mais duas, atribuídas a título póstumo: coube a um dos filhos de Johnson Semedo receber o tributo ao pai, enquanto a homenagem a Georgina Ribas foi confiada à rede Afrolink.

Entrega da obra de Brian Amadi, de homenagem a Georgina Ribas, a Carlos Lopes e Claúdia Oliveira, nossos anfitriões de muitos e bons momentos no Brooklyn

Pelo segundo ano consecutivo, a Embaixada do Canadá em Portugal realizou a “Gala de Homenagem do Black History Month em Lisboa”, de tributo à presença negra no país, através do reconhecimento de personalidades que se destacaram e continuam a destacar na história portuguesa.

Uma das individualidades distinguidas a título póstumo, no passado dia 19 de Fevereiro, foi a musicóloga Georgina Ribas, figura ímpar do feminismo negro no país, ainda pouco conhecida – e até desconhecida por muitos.

Para realçar o inestimável contributo da pioneira professora de música, a Embaixada do Canadá convidou o artista multidisciplinar Brian Amadi a imortalizá-la em quadro, desafio criativo que agora pode ser apreciado em Lisboa.

Apresentada na noite da Gala, a obra de arte foi entregue à rede Afrolink, enquanto iniciativa que, desde a primeira palavra publicada, assume o propósito de visibilizar vidas e projectos de pessoas negras em Portugal. Com este compromisso, o quadro que celebra o legado de Georgina Ribas foi oferecido ao Brooklyn, situado na Praça da Alegria. Mais do que um restaurante, o Brooklyn é um pólo de cultura, onde a presença negra ocupa lugar de destaque. Não apenas nas paredes, vestidas de referências da nossa História, mas também no menu, onde se pode saborear um pouco de Cabo Verde, e ainda na programação de eventos, sempre aberta à promoção e elevação da comunidade negra.

Foi no Brooklyn que aconteceu, por exemplo, a primeira gravação ao vivo d’ O Tal Podcast, e é também neste espaço que, todas as últimas quintas-feiras do mês, o humor sobe ao palco com o Brooklyn Comedy Club, que tem como host o comediante Carlos Pereira.

Agora a casa fica ainda mais completa e nossa com a chegada de Georgina Ribas. Celebramos, celebramo-la, e celebramo-nos, aproveitando o momento para recordar a sua história.

O pouco que sabemos sobre Georgina Ribas é o suficiente para percebermos que deveríamos saber muito mais. Mas, tal como acontece com a generalidade das personalidades negras que marcaram a sociedade portuguesa, os seus méritos surgem dispersos, muitas vezes como notas de rodapé em listas de créditos alheios.

É assim que encontramos o seu nome associado à obra do violinista, maestro, arranjador e compositor Lopes da Costa, e à história de Luís de Oliveira Guimarães, fundador e primeiro presidente da Sociedade Portuguesa de Autores.

A ligação de Georgina a Lopes da Costa surge em “Vista Alegre”, obra produzida para o teatro de revista (Teatro do Ginásio, em 1934) que ajudou a compor.

Já com Luís de Oliveira Guimarães, a parceria da angolana encontra-se nos créditos musicais da peça “Corridinho”.

 Não fossem as referências ‘escavadas’ por intelectuais africanos, como Mário Pinto de Andrade, e estudiosos da presença africana em Portugal, como Cristina Roldão, José Pereira e Pedro Varela – co-organizadores da exposição “Para uma história do movimento negro em Portugal, 1911-1933”, apresentada no ano passado – e, provavelmente, não teríamos nada mais a acrescentar. Felizmente, temos.

 “Grande influência social e moral junto da intelectualidade africana”

Num artigo publicado em 2014 no Jornal de Angola, Filipe Zau, doutorado em Ciências da Educação e mestre em Relações Interculturais, lembrou o papel da sua conterrânea nos primórdios do associativismo de Angola.

Recuando à génese do Grémio Africano, Filipe Zau recorda que a estrutura – cujos estatutos foram aprovados “pelo Governo Civil de Lisboa, a 28 de Agosto de 1929” – “tinha como principais objectivos ‘concorrer para o prestígio social e mental dos africanos; congregar e estreitar os laços de uma união e solidariedade entre naturais d’África e as raças nacionais; promover o levantamento do nível intelectual e revigoramento físico dos indígenas da África Portuguesa”.

O especialista adianta que, segundo Mário Pinto de Andrade, “nesta associação [do Grémio Africano] distinguiu-se Dona Georgina Ribas, notável musicóloga feminista, que exerceu grande influência social e moral junto da intelectualidade africana então residente na capital portuguesa”.

Nascida em Angola, em 1882, a pianista chegou a Portugal com três anos, tendo-se formado no Conservatório Nacional de Lisboa. Foi também professora de música num espaço no Rossio.

Cristina Roldão, em texto assinado no "Público", adianta igualmente, citando o periódico "A Voz D’Africa", que, em 1929, Georgina estaria "envolvida na direcção da Liga das Mulheres Africanas, organização sobre a qual pouco mais sabemos do que ter feito parte do Partido Nacional Africano”. Hoje, quase 75 anos depois da morte de Georgina, queremos e merecemos saber mais.

Na Gala Black History Month, que decorreu no passado dia 19 de Fevereiro, no Capitólio, em Lisboa

Paula Cardoso

Jornalista, Fundadora da rede Afrolink e Autora da série de livros infantis Força Africana.

https://paulacardoso.pt/
Anterior
Anterior

Com quantas músicas se compõe a Paz? Juliata Cohen canta-nos

Próximo
Próximo

Quem tem medo de criminalizar o racismo? Até tu, aliado?