HISTÓRIAS

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Contra a retirada abusiva de crianças às suas famílias, criminalizadas pela pobreza

Sem qualquer notificação, em claro incumprimento do que a lei determina, Carol Archangelo e Carlos Orleans, oriundos do Brasil e residentes no distrito de Viseu, depararam-se com a retirada dos filhos, encaminhados, a partir da escola, para uma família de acolhimento. Já em Lisboa, a são-tomense Ana Paula dos Santos viu uma situação de despejo, executada pela Câmara Municipal de Loures, ser usada como arma para a separar dos filhos, incluindo um recém-nascido.  Casos como estes repetem-se um pouco por todo o país, revelando um padrão por parte do Estado: de racismo, xenofobia, e criminalização da pobreza. O problema vem sendo denunciado há anos, sem que uma verdadeira mudança ocorra, realidade que a antropóloga Rita Cássia Silva pretende transformar. Para isso propõe, por exemplo, “criar um fundo nacional de apoio às mulheres e crianças, direccionando às famílias os valores financeiros entre 1.100 e 3.300 euros mensais que são destinados aos centros de acolhimento de crianças e jovens (instituições privadas e/ou religiosas)”.

Sem qualquer notificação, em claro incumprimento do que a lei determina, Carol Archangelo e Carlos Orleans, oriundos do Brasil e residentes no distrito de Viseu, depararam-se com a retirada dos filhos, encaminhados, a partir da escola, para uma família de acolhimento. Já em Lisboa, a são-tomense Ana Paula dos Santos viu uma situação de despejo, executada pela Câmara Municipal de Loures, ser usada como arma para a separar dos filhos, incluindo um recém-nascido.  Casos como estes repetem-se um pouco por todo o país, revelando um padrão por parte do Estado: de racismo, xenofobia, e criminalização da pobreza. O problema vem sendo denunciado há anos, sem que uma verdadeira mudança ocorra, realidade que a antropóloga Rita Cássia Silva pretende transformar. Para isso propõe, por exemplo, “criar um fundo nacional de apoio às mulheres e crianças, direccionando às famílias os valores financeiros entre 1.100 e 3.300 euros mensais que são destinados aos centros de acolhimentos de crianças e jovens (instituições privadas e/ou religiosas)”.

por Rita Cássia Silva, antropóloga, artista-pesquisadora, ativista de Direitos Humanos, antirracista

Carta aberta – A salvaguarda dos direitos fundamentais e humanos das crianças e jovens junto às suas famílias de origens e a manutenção das suas identidades culturais em Portugal tem de ser um dos pilares mais importantes do Estado Português

Exmo. Senhor Presidente da República Portuguesa, Professor Marcelo Rebelo de Sousa

Exmos. (as) Senhores (as) Parlamentares da Assembleia da República Portuguesa, Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Todas as Entidades portuguesas competentes e personalidades relevantes das áreas da Justiça; Educação; Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Promoção dos Direitos das Crianças e Jovens; Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género; Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial.

É com preocupação e indignação que reflito sobre os filhos do casal Carol Archangelo e Carlos Orleans ambos naturais do Brasil, que denunciaram recentemente estarem a ser vítimas de xenofobia e perseguição institucional no exercício da maternidade e paternidade dos seus filhos, por parte da CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, entidade similar ao Conselho Tutelar no Brasil) de São Pedro do Sul, em Viseu, Portugal. “Não é você que manda nos seus filhos, nem você que decide por eles. E você tem que engolir isso!”, “Fui ameaçado lá, inclusive em ser preso se alterasse o tom de voz" (sobre o tratamento recebido pela Direção da CPCJ de São Pedro do Sul).

É também com preocupação e indignação que reflito sobre as filhas e o filhinho de Ana Paula dos Santos, natural de São Tomé e Príncipe. Conforme compreendi através das informações tornadas públicas nos meios de comunicação portugueses e pelas associações e movimentos civis, a família tem sofrido violência institucional patrimonial e também psicológica, uma vez que a casa em que morava foi demolida pela Câmara Municipal de Loures e, até ao prezado momento, não lhe foi concedido nenhum realojamento, mesmo que o concelho de Loures tenha mais de 9.000 casas vazias. Reflito sobre como uma entidade como a Câmara Municipal de Loures não demonstra ter uma responsabilidade social efectiva nas vidas das pessoas que foram atingidas por ela e sobre como isto impacta a sociedade em que vivemos nos tempos correntes. Uma vez que há mais famílias a vivenciar situações destas sem que haja responsabilidades por parte da Câmara. 

Segundo as informações tornadas públicas por meio das redes sociais e dos demais meios de comunicação no Brasil e em Portugal, as crianças filhas do casal brasileiro Carol Archangelo e Carlos Orleans foram levadas da escola por profissionais do ISS (Instituto da Segurança Social) em meados do mês de março do corrente ano, sem que mãe e pai tivessem conhecimento algum, diretamente para uma família de acolhimento. No entanto, as crianças não eram maltratadas por seus pais. Estavam a ser acompanhadas por uma medida de promoção e proteção pela CPCJ junto aos pais. Esta situação terá ocorrido devido a uma sinalização inicial que foi feita por uma professora numa escola, quando a criança mais pequena tinha 4 anos de idade e demonstrava estar cansada. Segundo denúncia da mãe das crianças, houve um documento escrito por duas pessoas com manifesto preconceito: “Demonstraram sempre que não gostavam da gente, por um julgamento pelo nosso estereótipo e profissão”. 

Tendo em consideração que crianças são seres humanos em pleno desenvolvimento, e que têm as suas particularidades comportamentais, que deveriam ser devidamente respeitadas, principalmente em muitas das escolas portuguesas, onde crianças imigrantes e/ou filhas de pessoas com percursos de migração, crianças com NEE (necessidades educacionais especiais) e crianças com deficiência têm vindo a ser maltratadas, discriminadas e negligenciadas por parte de profissionais da educação, reflito se esta criança não estaria a ser discriminada pelo facto dos seus pais serem tatuadores e terem a nacionalidade brasileira. É facto que a profissão de tatuador em Portugal gera preconceitos sociais, porque a prática da tatuagem no senso comum é interpretada ora associada com contextos de criminalidade, ora associada com contextos culturais dos povos não-europeus. Algo herdado do pensamento científico europeu a partir do século XIX. No entanto, a tatuagem é uma das mais antigas expressões humanas, podendo preceder à palavra. 

Tendo em consideração a LPCJP (Lei de Proteção às Crianças e Jovens em Perigo), artigos 84.º, 85.º, 86.º, 94.º, 103.º, 104.º, 107.º e 114.º e a CSDC (Convenção Sobre os Direitos das Crianças), artigos 5.º (orientação da criança); artigo 12.º (opinião da criança); artigo 17.º (acesso à informação) e artigo 18.º (responsabilidade parental), tanto as crianças como os seus representantes legais, no caso específico de Carol Archangelo e Carlos Orleans, mãe e pai das crianças, deveriam ter sido institucionalmente informados sobre todos os procedimentos relacionados com a medida de promoção e proteção das crianças aplicada pela CPCJ de São Pedro do Sul, Viseu. Ora, mãe e pai denunciaram que ficaram aterrorizados quando receberam a notícia por parte de agentes da polícia local sobre a retirada institucional dos seus filhos, a partir da escola. Eles não foram informados institucionalmente que havia a possibilidade dos seus filhos serem encaminhados para uma família de acolhimento. 

Reflito que se não havia maus-tratos familiares contra as crianças, certamente as crianças vivenciaram e estão ainda a vivenciar o trauma de estarem a ser privadas das suas principais referências afectivas sem que compreendam o porquê de tal acontecimento. Este tipo de procedimento não coloca as crianças em perigo psicologicamente? Não potencializa doenças? Li que após terem sido levadas da escola, as crianças passaram quatro dias sem ver a mãe e o pai e só estiveram com eles durante 45 minutos

Considero que tais procedimentos devem ser devidamente investigados pelas entidades portuguesas competentes na matéria e devidamente acompanhados pelos Consulados Gerais do Brasil em Portugal. As famílias não podem ser discriminadas institucionalmente em situações que envolvem a necessidade de criação de estratégias e entendimento mútuo em prol do bem-estar de crianças e jovens, não podem ser violentadas em seus direitos fundamentais e humanos. 

Mãe e pai, Carol Archangelo e Carlos Orleans, são pessoas trabalhadoras, brasileiras, como inúmeras famílias brasileiras que vêm para Portugal criar melhores condições de vida e viver sem o perigo de enfrentar violências no quotidiano urbano das grandes e pequenas cidades no Brasil. Trabalham em Portugal e contribuem para o desenvolvimento económico e sociocultural do país através da arte realizada no exercício das suas profissões enquanto tatuadores.

Integram a comunidade brasileira que, juntamente com comunidades imigrantes de outros países sul-americanos, africanos, asiáticos, europeus, sustentam o sistema de segurança social português. Nenhuma família, nem imigrante, nem natural de Portugal, deveria vivenciar situações traumatizantes como esta. 

Quanto às violências patrimonial, psicológica e institucional que estão a ser desferidas pela Câmara Municipal de Loures contra a mãe Ana Paula dos Santos e a sua família, é preciso refletir que além de terem ficado sem casa, Ana Paula estava grávida e vivenciou com as suas crianças o impensável: ameaças institucionais de que haveria uma separação familiar por parte da CPCJ e que a mãe não sairia da maternidade com o seu filho nascituro nos braços se não tivesse uma morada. As assistentes sociais deram-lhe um prazo de 8 dias para que ela conseguisse uma casa em condições para toda a sua família. 

Em um país onde o salário mínimo mensal é de 870€ e o arrendamento de um T2 no concelho de Loures não custa menos que um salário mínimo, com exigências de pagamentos de uma a três rendas adiantadas enquanto pagamento de caução e existência de uma pessoa fiadora, como uma mulher trabalhadora, mãe de família pode se governar? Há neste momento uma constante pressão por parte das assistentes sociais do ISS (Instituto de Segurança Social Portuguesa) para que Ana Paula consiga uma casa. Ana Paula e a sua família estão ainda salvaguardadas numa pensão assegurada pelo ISS, localizada fora do concelho de Loures e sem condições (na pensão não se pode cozinhar, só dormir). As violências psicológica, patrimonial e institucional que foram iniciadas durante o período do pré-parto da mãe Ana Paula dos Santos, auxiliar efetiva num lar de idosos, continuam na fase do pós-parto. Ana Paula é uma mulher trabalhadora com percurso de migração para Portugal. É muito importante que estas violências parem de ser desferidas. Ana Paula dos Santos e a sua família, bem como outras famílias que estão a vivenciar o mesmo, necessitam de paz e de soluções que possam salvaguardá-las nos seus direitos fundamentais e humanos. 

Os problemas de vulnerabilidades sociais, como violência doméstica, falta de recursos financeiros, falta de rede de apoio familiar, desemprego, falta de habitação, não podem ser critérios para haver separações familiares institucionalmente. Muito menos que permitam que mulheres parturientes saiam das maternidades portuguesas sem os seus filhos e filhas nos braços, como já aconteceu num passado recente e como infelizmente continua a acontecer. Tais problemáticas devem ser resolvidas através da implementação de políticas públicas que possam potencializar o fortalecimento das mulheres e famílias, para que as crianças não tenham de enfrentar o aprofundamento da vivência da pobreza material e do adoecimento psíquico em seus corpos, com a perda das suas principais referências afetivas e, em muitos casos, com a perda das suas identidades culturais. Retiradas de crianças às mulheres-mães, pais e famílias através de procedimentos irregulares, sem factos comprovados de violências familiares e com criminalização da pobreza, reproduzem violências coloniais e são práticas que devem ser devidamente erradicadas. 

Face às situações que estão a ocorrer é relevante recordar que faz exatamente sete anos, neste ano de 2025, que um coletivo formado por ilustres personalidades com diferentes trajetórias de vida, naturalidades, nacionalidades, profissões, bem como organizações da sociedade civil, lutaram perante a Assembleia da República Portuguesa – Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para que o sistema de proteção à infância e juventude em Portugal pudesse não ter falhas que impedissem crianças e jovens de crescerem saudavelmente junto aos seus familiares. Anabela da Piedade, Dr. António Garcia Pereira, Dr. Gameiro Fernandes, Dra. Rita Cássia Silva, Sra. Amélia dos Santos, Alexandra Borges, Judite França, Ana Vilma Maximiano, Dra. Dulce Galvez, Paula Sequeira, Francisca Magalhães de Lemos, Anabela Caratão, Cristina Bártolo, Nádia Penas. Mulheres-mães de origens portuguesas, brasileiras e africanas, homens-pais, todas e todos tornados vítimas de violências institucionais atrozes. Amarca – Associação e Movimento de Alerta à Retirada de Crianças e Jovens, Não Adoto Este Silêncio – Movimento Verdade, UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta, Dignidade – Associação para os Direitos das Mulheres e Crianças, APMJ – Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. 

Portugal passou por um acordar através do conhecimento tornado público nos meios de comunicação portugueses sobre situações de violências institucionais desferidas contra crianças e jovens, mulheres-mães (maioritariamente), avós, homens-pais, famílias que estavam a perder as guardas dos seus filhos e filhas, que, por sua vez, estavam a ser institucionalizados indevidamente ou entregues pela justiça a homens-pais agressores de mulheres e crianças. Foram detetadas práticas de escritas de relatórios sociais sem factos comprovados, relatórios psicológicos caluniosos, escritas e discursos discriminatórios, racistas, xenófobos, misóginos, perseguições institucionais... Tais demandas potencializaram um debate televisivo, a primeira série informativa da televisão portuguesa, reportagem jornalística, jornalismo de investigação na TV pública, diferentes modos de denúncias, matérias jornalísticas, uma petição cidadã com mais de 5.000 assinaturas (Não Adoto Este Silêncio – adoções ilegais da IURD e abertura de uma Comissão de Inquérito Parlamentar), reflexões, entre outras iniciativas.

 Parece-me salutar que seja da responsabilidade da Assembleia da República Portuguesa - Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a formação de uma equipa investigativa formada por especialistas independentes e diversos culturalmente para investigar os procedimentos irregulares no âmbito de separações familiares no sistema de proteção de crianças e jovens. Conforme sugestão do ilustre Deputado António Filipe, do PCP (Partido Comunista Português), em 2018, na sua intervenção no âmbito da petição N.º460/XIII (3.ª)

Como consequências das lutas civis no âmbito da proteção de crianças e jovens em Portugal perante violações de direitos fundamentais e humanos das crianças e famílias, considero ser relevante que mantenhamos as nossas memórias bem lúcidas e que as organizações formadas por pessoas das comunidades imigrantes tenham acesso ao conhecimento: 

A nível governamental, o Presidente de Portugal, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou a Lei n.º 39/2019, 2019-06-18. Um projeto Lei que foi proposto na Assembleia da República, por parte do PCP (Partido Comunista Português), após a audição no âmbito da Petição N.º 460/XIII/3. Todos os partidos políticos portugueses votaram a favor, com a surpreendente abstenção do PS (Partido Socialista). Na prática, profissionais como juízes, procuradores, assistentes sociais, psicólogos, advogados, dirigentes religiosos, entre outros, não podem ser membros dos órgãos sociais de centros de acolhimentos de crianças e jovens considerados como estando em perigo e trabalharem em seus processos, relatórios sociais e outros documentos de crianças e jovens que vão ser colocados nestes mesmos centros de acolhimento. No entanto, é preciso ter umaespecial atenção, porque conforme o próprio Presidente Marcelo refletiu, a Lei poderia ter ido mais longe ao abranger também os profissionais técnico das instituições visadas que são quem frequentemente está em contacto directo com as situações em análise. 

O Estado Português foi condenado pelo TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, devido ao processo de Anabela Caratão, cidadã de origem portuguesa que foi vítima de violência doméstica, e que teve os seus dois filhos bebés gémeos separados dela e entre si pela CPCJ, dentro de um hospital no concelho de Loures. Anabela Caratão, que era artista plástica, ficou totalmente impedida de conviver com os seus filhos e quando lhe encaminharam para começar a fazer visitas assistidas por profissionais da assistência social, a entidade onde as tais visitas deveriam ocorrer cobrou-lhe financeiramente para que Anabela Caratão pudesse ver o próprio filho.

Houve a condenação de duas profissionais da assistência social do ISS – Instituto da Segurança Social, que foram responsáveis pela prática da retirada das filhas de Ana Vilma Maximiano, cidadã de origem portuguesa que foi vítima de violência doméstica e ameaçada de ter as suas filhas institucionalizadas. No entanto, encaminharam duas crianças ao agressor de Ana Vilma e a outra criança a um progenitor totalmente ausente, desvinculado afetivamente da criança. Ana Vilma Maximiano que era funcionária pública, fez greve de fome em frente ao Palácio da Presidência da República, em Lisboa, a fim de denunciar as violências institucionais que estavam a ser desferidas contra as suas filhas e contra si, e fundou, com outras mulheres – mães e famílias vítimas de violências privadas e/ou institucionais –, a associação civil AMARCA – Associação de Alerta à Retirada de Crianças e Jovens. 

Em 2021, ainda no rescaldo da pandemia de COVID-19, com o apoio da DGArtes e de entidades parceiras portuguesas (Apuro, Femafro, Teatro Bocage), mulheres-mães imigrantes naturais do Brasil, de Portugal e de África, que foram vítimas de violência doméstica e institucional por parte do Estado Português e do Estado Brasileiro, puderam denunciar tais violências através da ficção. O projeto Epifanias Artes: audioblogue, com e para pessoas que sonham igualdade, lançou uma série de cinco performances radiofónicas cujas transmissões em direto de cada um dos cinco episódios foram seguidas de conversações aprofundadas com ilustres personalidades da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Algo que foi inovador em Portugal, dado que mulheres tornadas vítimas de violências institucionais são quase sempre silenciadas e invisibilizadas pelas instituições. Esta intervenção gerou um relatório onde propus ao governo português sugestões de boas práticas como: criar a possibilidade das mães, se assim o quiserem, poderem acompanhar seus filhos e filhas pequenos durante os primeiros anos de vida (1 - 4), anos estes que são cruciais para o desenvolvimento da saúde na infância, tendo como exemplo os países nórdicos; erradicar a prática de privação materna institucional com a desvinculação materno-afetiva entre mães e filhos – violência de género e violência contra a criança, dado que se trata de uma prática secular; criar legislação para criminalização de práticas de escritas de relatórios sociais e/ou psicológicos caluniosos, omissos, racistas, xenófobos e/ou discriminatórios contra mulheres e crianças, e no geral; possibilitar a implementação de financiamento para a criação de redes comunitárias para que crianças possam ser cuidadas por pessoas em que mães, pais e encarregados de educação conheçam e confiem, durante os seus períodos laborais; salvaguardar as crianças de situações de pobreza extrema e outras violências, aquando de situações de desemprego das suas mães e famílias: nenhuma mulher deveria ficar sem ter acesso ao apoio social de um valor básico de sobrevivência que lhe permita sobreviver com os seus filhos e filhas; salvaguardar crianças e mulheres em situações que estejam a vivenciar algum tipo de vulnerabilidade social e a necessitar de habitação. Mães e filhos não podem ser colocados na rua, como pudemos observar através das redes sociais e da comunicação social, durante o período de pandemia/sindemia, nem mulheres podem parir sem assistência alguma, na rua e serem criminalizadas, como no caso da jovem mulher cabo-verdiana Sara Furtado, entre outras sugestões.

Apesar de ter recebido a confirmação de receção do relatório por parte do Gabinete do Primeiro – Ministro, na altura, Dr. António Costa, até o prezado momento não disponho de informações sobre os debates políticos que deveriam existir em torno das temáticas outrora apresentadas e que continuam a suscitar profundas reflexões, uma vez que mulheres, crianças e famílias continuam a ser separadas devido às práticas seculares que são inconcebíveis neste nosso século. 

A região norte de Portugal, onde o casal brasileiro Carol Archangelo e Carlos Orleans reside, é emblemática no que diz respeito às práticas de revitimizações de mulheres e crianças, tornadas vítimas de violências privadas e/ou institucionais. Vergonhosos tratamentos decorreram no Norte, contra as cidadãs brasileiras ex-vítimas de violência doméstica: Liliane Fraga, Adriana Botelho e Karine Ribeiro. Desde a retirada da criança, ainda sendo amamentada pela mãe, por parte da CPCJ, para entrega à família de homem agressor, passando por expulsão de casa com ajuda da força policial e retirada de criança com alegações de juiz a dizer que não sabia se a mãe de nacionalidade brasileira era de “favela” ou “empresária”, até sequestro de criança do Brasil para Portugal. Seria fundamental que o Governo português se atentasse de facto aos modos ignóbeis com que muitas das mulheres e crianças e famílias de nacionalidade brasileira ou com dupla nacionalidade têm vivenciado em seus corpos por parte de instituições. Até o prezado momento não há conhecimento por parte de organizações civis feministas brasileiras, organizações de direitos humanos ou pelo Instituto Maria da Penha que mulheres e crianças de nacionalidade portuguesa sejam torturadas psicologicamente, fisicamente e/ou patrimonialmente no Brasil. 

Por fim, como é de conhecimento público, o Estado Português faculta aos centros de acolhimentos de crianças e jovens considerados em perigo, valores financeiros entre 1.100 e 3.300 euros mensais por cada criança/jovem a viver em instituições. O Plano de Ação de Garantia à Infância (2022-2030), lançado pelo governo português, liderado pelo PS, em Janeiro de 2023, preconiza a promoção dos direitos das crianças tendo em vista a melhoria da educação, saúde, segurança e proteção, a fim de que possam crescer em ambientes familiares e sociais saudáveis. Para tal, assume o objetivo de desinstitucionalização das crianças e jovens progressivamente. Bem como, a necessidade de haver famílias de acolhimentos ao invés de centros de acolhimentos em Portugal (uma responsabilidade que certamente vai ao encontro dos encaminhamentos da ONU, em relatórios sobre as consequências das institucionalizações na saúde mental das crianças, jovens e adultos).

Pergunto-vos se ao criar um fundo nacional de apoio às mulheres e crianças, direcionando às famílias os valores financeiros entre 1.100 e 3.300 euros mensais que são destinados aos centros de acolhimento de crianças e jovens (instituições privadas e/ou religiosas), o Estado Português não estará a potencializar a dignificação das famílias, salvaguardando o direito das crianças às suas famílias de origens, às suas identidades culturais, o direito das mulheres a viver com plenitude a maternidade, não potencializará a confiança social nas instituições do Estado? O desenvolvimento da saúde coletiva, ao invés de doenças psicossomáticas? 

Pergunto-vos se ao criar um plano de formação nacional obrigatório para todas as pessoas profissionais das áreas da assistência social, justiça, psicologia, educação, entre outras, onde possam acessar aos conhecimentos sobre origens e consequências do racismo, da xenofobia, da discriminação de género, da aporofobia, do classismo, da discriminação religiosa, da revitimização de violências, o Estado Português não estará a potencializar uma consciencialização coletiva sobre ética, direitos fundamentais, direitos humanos, deveres e a aprendizagem de metodologias não excludentes?

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