100 mulheres na vanguarda do empreendedorismo social, e eu sou uma

A Euclid Network, rede apoiada pela Comissão Europeia, divulgou na passada terça-feira, Dia Internacional da Mulher, o seu “Top 100 Women In Social Enterprise 2022”. A denominada lista das 100 melhores empreendedoras sociais apresenta 12 mulheres de Portugal, incluindo eu própria. Esta é parte da minha história, que, nos últimos dias, mereceu duas outras distinções: da StartUP Portugal, e da Tabanka TV. Por onde começar?

Texto de Paula Cardoso

Fotos de Sara Matos, Aline Macedo e DR

Por onde começar?

Muitas vezes não sei, por isso avanço por onde dá. Tem sido assim desde que me libertei de um medo que durante anos me travou: “Entrego a minha carta de demissão, e depois?”.

Para quem sempre teve o privilégio de trabalhar naquilo que escolheu, a decisão tornava-se ainda mais conflituante.

Ganhei o impulso que me faltava para dar esse passo-salto durante um retiro de Ano Novo, para o qual fui desafiada pela fantástica Isabel Faia, a quem cheguei através da minha poderosa gurua Ivana Semedo. Sigam o trabalho destas duas mulheres incríveis, que isso faz crescer!

Regresso ao pós-retiro…2019 ainda se estava a acomodar quando formalizei a muito adiada demissão, e me deparei, de novo, com essa pergunta. Por onde começar?

Comecei por dormir muito. Também aproveitei para pôr leituras e passeios em dia, e para me ligar ao INMUNE – Instituto da Mulher Negra em Portugal, do qual entretanto me desliguei, mas com uma herança para a vida: a minha amiga-confidente Gisela Casimiro. Pelo caminho, fiz um programa de ignição de negócios.

Não sabia por onde começar, mas sabia que tinha de ir. Por isso fui. A Força Africana nasceu assim, e com ela a pedagogia da Georgina Angélica entrou na minha vida.

Também o Afrolink nasceu desse ímpeto de ir. Num primeiro momento no Facebook – num grupo fechado de onde saiu o logo, com a assinatura do David Chantre, e que ainda hoje se alimenta do importante e generoso contributo da super Anizabela Amaral –, e desde 29 de Junho de 2020 como site de partilha de conteúdos.

Com ele não paro de conhecer pessoas especialíssimas que admiro profundamente. A começar pela jornalista Joana Gorjão Henriques, que, ao transportar o Afrolink para as páginas do Público, colocou o projecto no “mapa” mediático, ainda que “alternativo” ou de nicho. Foi também por via de uma doação da Joana que o Afrolink iniciou um programa de estágios, que permitiu acolher, no ano passado, o trabalho da Filipa Bossuet.

Já depois disso, outro ‘crente’ no Afrolink, Pedro Ramos, disponibilizou um apoio para a criação de conteúdo – por uma série de condicionamentos de calendário ainda por implementar.

Mas este é um daqueles casos em que sei perfeitamente por onde começar!

Confesso que não sabia quando fui desafiada a organizar um fim-de-semana de actividades, incluindo um mercado de empreendedores.

Era o início do Mercado Afrolink, que se transformou num ponto de encontro, onde, edição após edição – documentadas pela incrível fotógrafa  Sara Matos – dezenas de pessoas me incham de orgulho, inspiração e, acima de tudo, de amor.

Muitas são empreendedoras e empreendedores, como a Caroline Bamba M’Boua, a Jéssica Furtado, a Fernanda Gameiro, as manas Elda e a Erieth Joaquim, a Meny, a Ngila Costa, a Lídia Severino, a Celeste Rosa, a Lady G, a Amélia Mateus, a Beta Carvalho, a Libânia Costa, a Stelvia Moami, o Fernando Cabral, o Bráulio Luz, o Rod e o Carlos Dias. Isto só para citar aquelas e aqueles que estiveram na última edição do mercado. Porque há mais, tantas e tantos mais.

Como a Ana Rita Rosa, que criou a imagem visual do Mercado. Ou a Cecília Gonçalves, que, com as suas artes decorativas e perfeita noção de espaço, garantiu o “desenho” que permitiu a acomodação de todos os participantes.

Cada qual à sua maneira, todas e todos nutrem os meus sonhos, do mesmo modo que cada visita ao mercado me enche de esperança.

O que escrever então daquelas que voltam, partilham e trazem família e amigos? Vanda Marques, Ana Alves, Sandra Urceira, Maria Malfoy, Helderyse Rendall, Vera Leandro, Dora Cruz, Carolina Rodrigues – de novo e sempre Anizabela – isto é mesmo convosco.

O que dizer também daquelas pessoas que sugerem o espaço a outros empreendedores, e estão sempre disponíveis para partilhar experiências, como a Raja Litwinoff?

Que palavras dedicar também a quem, sem me conhecer de parte alguma, me contacta com mensagens de encorajamento, porque se identificou com o que eu disse ou escrevi?

Nunca perco os fios desta meada multiplicadora de transformação, e surpreendo-me sempre com os entrelaçamentos que daí resultam.

Se o Mercado Afrolink hoje é uma marca em crescimento – e com presença regular na loja da Dona Ajuda, no Rato –, é preciso reconhecer que foi a partir de um desafio lançado pela Casa do Capitão que começou a ser esboçada. Grata Inês Henriques, Teresa Pinheiro e toda a equipa CT Lisbon pela proposta, apoio e acolhimento.

Graças a ela, e à encantadora Bárbara Wahnon, conheci a musicalidade da Mariana Campo, aka Mary Groove, e tive a possibilidade de partilhar mais um espaço com a minha família do Lado Negro da Força. Para quem não conhece, a nossa irmandade junta-me ao Zé Rui, ao Pedro Filipe, ao Danilo Moreira e à Laura Alves.

Nu Sta Djunto, nunca é demais recordar, sem esquecer que, neste meu encontro com o Lado Negro, a sempre activa Myriam Taylor foi uma matchmaker de excelência. Negra, obviamente!

Mais do que me sugerir como co-host do nosso lugar de fala das noites de quinta-feira, a Myriam abriu-me espaço televisivo. De repente, ali estava eu no pequeno ecrã a apresentar o Black Excellence Talk Series, e a trabalhar na produção de conteúdos do Jantar Indiscreto, onde também ocupei o lugar de convidada.

Por essa altura, o projecto DeliberaEscola, que coordeno em representação do Fórum dos Cidadãos – e a convite do especialíssimo Manuel Arriaga –, dava os primeiros passos, e permitia-me viver mais uma paixão: a Educação.

Vivo-a com os enormes contributos das facilitadoras Georgina Angélica e Mónica Barbosa, depois a ter vivido também com os contributos da Carina Maio e do Pedro Abafa. Nutro-a a cada encontro com as alunas e os alunos, as professoras e os professoras, e todas as pessoas que fazem do DeliberaEscola uma fonte de inspiração para a minha vida.

E, já que falamos nisso, sabem que um dos meus sonhos é abrir uma escola com diferenciação pedagógica?

Por onde começar?

Hoje faço por celebrar o caminho que me trouxe até aqui.

Começou em Moçambique, numa família com um poderoso legado feminino, e com uma diversidade que inclui heranças moçambicanas, chinesas e portuguesas. Talvez até outras.

Tudo o que sou está enraizado na linhagem de quem sou. Por isso, faço sempre questão de honrar os ancestrais que me legaram as raízes da vida; de reconhecer nos meus pais, Argentina e Cardoso, o tronco vital da minha formação humana; nas minhas irmãs, Vanda e Marlene, as ramificações para o reconhecimento e celebração da individualidade de cada ser; e nos meus sobrinhos, Luana, Leonor, Lara, Lucas e Tiago, as manifestações do nosso florescimento familiar.

Todos os nomes que me acompanham neste texto, e tantos outros que a vida me vai oferecendo, sustentam a minha energia vital. Lembro-me agora do Rui Duarte Santos, dos CTT, incansável na missão de criar acessos para a comunidade empreendedora do Afrolink. Recordo-me igualmente do senhor Jorge Moreira, da Norprint, que antes de eu lhe transferir um cêntimo, não só avançou com a impressão dos livros Força Africana, como despachou a entrega. Explicou-me depois – quando o contactei preocupada com a hipótese de ter existido um erro a meu favor – que, ao descobrir que sou moçambicana e ao perceber o propósito do projecto, não teve dúvidas de que poderia confiar em mim.

Nunca me deixarei de emocionar com esse episódio, da mesma forma que me continuo a emocionar com as pessoas que acreditam tanto no meu trabalho que não só o recomendam a outras pessoas, como o indicam para distinções. Foi assim que cheguei a estas linhas.

A Mariana Alves, do projecto Cartas com Ciência, distinguida pela Euclid NetWork, em 2021, como uma das “Top 100 Women In Social Enterprise”, propôs o meu nome para a edição deste ano, em conjunto com o Rafael Galupa.

Mais do que isso, deu-se ao trabalho de preencher toda a burocracia associada ao processo, e teve o cuidado de me contactar para saber se seria do meu interesse ocupar um lugar nessa rede apoiada pela Comissão Europeia, e que distingue empreendedoras sociais.

A Mariana não partiu do princípio que sabia aquilo que eu queria. Ainda bem, porque por vezes nem eu própria sei o que quero.

Mas, independentemente de todas as dúvidas, tenho a certeza de que quero continuar a conjugar os meus projectos colectivamente e no plural.

Estar no “Top 100 Women In Social Enterprise 2022” da Euclid Network e integrar a lista de mulheres inspiradoras da StartUP Portugal, e da plataforma Tabanka TV, também é uma forma de o fazer, visibilizando e amplificando o alcance do Afrolink.

É verdade que muitas vezes continuo sem saber por onde começar, mas tenho o enorme privilégio de saber que vou convosco, e ao ritmo de Raul Seixas.

“Sonho que se sonha só/ É só um sonho que se sonha só/ Mas sonho que se sonha junto é realidade”.

Realizemos! Realizemo-nos!